23/06/2016- 08h03min
Quando uma família decide adotar uma criança, é preenchido um formulário com informações sobre o tipo de pessoa que gostaria de acolher. Existe um perfil bem específico que é mais procurado: crianças de zero a dois anos, sem irmãos, nem problemas de saúde e, preferencialmente, meninas. Daí surge uma conta injusta: em Joinville, há 300 famílias interessadas em adotar e 31 crianças à espera de um lar.
A fila não anda porque essas crianças não se encaixam nas exigências. Apesar de já terem seus processos de destituição do pátrio poder familiar concluídos e, portanto, estarem aptas à adoção, não existem casais cadastrados que aceitem crianças maiores de oito anos em Joinville. Provavelmente, elas ficarão nas instituições de acolhimento até completar a maioridade. Atualmente, há 164 crianças em abrigos da cidade. A maioria delas ainda não está apta à adoção, pois aguarda a conclusão dos processos e ainda pode retornar ao convívio familiar.
Em 2015, foram realizadas 21 adoções (11 meninos e dez meninas), sendo que apenas três delas foram caracterizadas como adoção tardia. Além da espera nos abrigos, o processo que concretiza a adoção tem etapas a serem cumpridas. O casal interessado deve passar por uma avaliação psicológica, estudo social, curso preparatório e, se o parecer da equipe técnica forense for favorável, o juiz decide pela adoção. Depois dos trâmites burocráticos, a criança e o casal vão experimentar um período de convivência, monitorado pelo Serviço Social e Ministério Público. Só depois, a adoção de fato acontece.
Esses procedimentos podem parecer excessivos, no entanto, quando a família está de coração aberto, não há burocracia que impeça a adoção. Esse é o exemplo de Cristiane Bianchi e Aquiles Francisco Filipini, que acolheram os meninos Gabriel David Filipini, hoje com 14 anos, e João Lucas Bianchi Filipini, de nove anos.
Não se pode esperar que tudo seja perfeito
Gabriel é fruto de uma adoção consensual, ou seja, foi acolhido por Cristiane e Aquiles dias após o nascimento. Na época, eles moravam na cidade de Herval do Oeste, no Oeste de Santa Catarina. Lá, Cristiane era voluntária no abrigo de crianças, onde havia poucos monitores. Foi no Abrigo Anjos da Luz que, aos três meses, João Lucas chamou a atenção dela: um bebê magrinho, que não se mexia e havia perdido um irmão por desnutrição.
Mesmo tendo se afeiçoado ao menino, Cristiane ficou feliz quando soube que ele havia sido adotado por uma família. Porém, cerca de dois meses depois, ele foi devolvido, devido ao diagnóstico de paralisia severa. Para Cristiane, a devolução de crianças é muito pior do que o sistema burocrático da adoção.
– É preciso mudar isso. Não é feita exigência nenhuma, só é preciso ter condições para sustentar. Na época, meu marido era vendedor e foi demitido no dia em que o João chegou. Passamos dificuldades, mas nem passou pela nossa cabeça a devolução. Tudo é simples na vida. É a gente quem complica – ensina.
Aquiles pontua que, em Joinville, há dez casais disponíveis para cada criança que poderia ser adotada. Na opinião dele, o problema está em escolher pelo perfil e esperar que tudo seja sempre perfeito, sem nenhum imprevisto, como no caso das doenças.
– Se você quiser adotar, existem crianças esperando por um lar. Só não existem crianças disponíveis para quem quer escolher. Se você estiver esperando um filho (de gravidez), não vai saber como ele virá ao mundo. Algum imprevisto pode acontecer. E você vai abandoná-lo por isso? Se as pessoas escolhessem menos, iriam sobrar famílias – afirma.
Mudança para Joinville em busca de melhor atendimentoHá cinco anos, Cristiane deixou Herval do Oeste, uma cidade pequena, que dispõe de poucos médicos, para buscar atendimento na Associação de Atendimento à Criança Deficiente (AACD) de Joinville. Aqui, encontrou especialistas que ajudaram a melhorar o desenvolvimento do João Lucas. As consultas com ortopedista, cardiologista, pneumologista, neurologista e nutricionista tornaram o menino uma criança muito ativa e expressiva.
No bairro Adhemar Garcia, a família também encontrou uma vizinhança querida, que contribuiu para a permanência na cidade. Aos nove anos, João Lucas é cuidado pelos pais e pelo irmão mais velho, Gabriel.
– Eu aprendi muito com ele. Ele depende da gente para tudo, mas não reclama da vida. Nós temos tudo e ficamos reclamando. Para mim, ele é um exemplo. Depois que o João veio, aprendi a sempre estar de bom humor, foi um puxão de orelha. Temos dificuldades, claro, porque somos seres humanos, mas eu aprendi a parar de reclamar e fazer mais as coisas – diz o pai.
Como adotar1. O processo de adoção começa na Vara da Infância e da Juventude, no fórum da comarca da cidade onde os interessados em adotar moram. É lá que é possível dar início à inscrição no Cadastro Único Informatizado de Adoção e Abrigo (Cuida).
2. Após essa etapa, a Justiça agenda a entrevista para o interessado escolher tipo físico, idade e sexo, e passa uma lista de documentos para fazer o cadastro no sistema, como comprovantes de renda e certidão de antecedentes criminais.
3. Os documentos são analisados e os interessados, chamados para duas entrevistas. O objetivo é avaliar condições financeiras, emocionais e o estilo de vida da família. Os pretendentes também são obrigados a frequentar cursos preparatórios ministrados junto ao Poder Judiciário.
4. Com laudos e informações da família, o juiz define se o interessado está apto e o inclui na lista de pretendentes, cruzando as informações com as das crianças. Quando a sentença de habilitação para adotar é julgada eles concorrem à adoção.
5. A família espera até surgir uma criança com o perfil que procura.
6. Pretendentes e criança se conhecem. Primeiros contatos são monitorados pela Justiça.
7. Se tudo ocorrer bem e a avaliação técnica for positiva, a criança passa a morar com a família, que recebe a guarda provisória até a conclusão do processo.
8. Assim que o juiz proferir a sentença de adoção, a criança passa a ter sobrenome da nova família e os mesmos direitos de um filho biológico.
Quem pode adotar?
Maiores de 21 anos, qualquer que seja seu estado civil.
O adotante deve ser pelo menos 16 anos mais velho do que o adotado.
A Justiça não prevê adoção por homossexuais.
A autorização fica a critério do juiz responsável.
Cônjuge ou concubino pode adotar o filho do companheiro.
Quem não pode adotar?
Avô não pode adotar neto.
Irmão não pode adotar irmão.
Tutor não pode adotar o tutelado.
Quem pode ser adotado?
Criança ou adolescente com, no máximo, 18 anos, na data do pedido de adoção, cujos pais forem falecidos ou desconhecidos, tiverem sido destituídos do poder familiar ou concordarem com a adoção de seu filho.