quarta-feira, 25 de novembro de 2015

VOCÊ SABE AMAR?: DO JULGAMENTO DO ESTADO EM PROCESSOS DE ADOÇÃO (reprodução)



23/11/2015
Por Maíra Marchi Gomes
Colunas e Artigos
“Acho as flores do capim gordura mil vezes mais bonitas que as rosas. Rosas são entidades domesticadas. Elas são como o leite das vacas de estábulo, aquelas vacas enormes, protegidas de sol e chuva, enormes olhos parados, obedientes, jamais pensam um pensamento proibido, só sabem comer, ruminar, parir, dar leite que se vende em saquinhos de plástico. Assim também são as rosas, crescidas em estufas, nada sabem sobre a natureza, tal como ela é, ora bruta, ora brincante – protegidas de sol e chuva, todas iguais, bonitas e vazias. As flores do capim, ao contrário, são selvagens. Inúteis todos os esforços para domesticá-las. Basta tocá-las com mais força para que suas flores se desfaçam. Elas acham que é preferível morrer a serem colocadas em jarra. As flores do capim só são belas em liberdade, tocadas pela brisa, pelo sol, pelo olhar.” (Rubem Alves)
O presente escrito pretende estabelecer algumas indagações a respeito dos processos de adoção. Essencialmente, questionar o elogio que alguns fazem indistintamente às adoções legais, ao lado de uma reprovação igualmente genérica às ilegais. Para tanto, analisar-se-á alguns aspectos da interferência do Estado nestes processos.
Inicialmente, caberia um reconhecimento de que as adoções regulamentadas pelo Estado nem sempre são felizes. Vide, nesta direção, os casos em que as crianças/adolescentes são devolvidos após um período de convivência com os candidatos a adotantes. Vide, também, o sofrimento dos mesmos candidatos quando em visita às instituições de acolhimento para escolher/melhor conhecer uma criança/adolescente e se deparam com diversas crianças pedindo-lhes para serem seus pais/mães, que os leve para casa, etc. Talvez não haja como ser diferente, mas certamente não há como se elogiar procedimentos que acarretam nesse tipo de cena.
É fato que, tratando-se das crianças e adolescentes sob responsabilidade do Estado (principalmente as que foram retiradas dos pais por iniciativa unilateral do Estado), é responsabilidade dele procurar alguém com mais indícios de que cuidará suficientemente destas crianças e adolescentes. É fato também que a vigilância do Estado pode prevenir situações como lucro obtido com a venda de crianças/adolescentes e violência contra tais sujeitos.
Mas isto não nos autoriza a desconhecer que há filhos biológicos que sofrem violências por parte dos cuidadores, e que sobre isto o Estado não pode agir preventivamente. Ou o Estado fará seleção das gestantes, determinando o aborto daquelas que entender não contemplar bons indicativos? Ou o Estado fará uma espécie de banco de esperma público, na qual os candidatos a pais passarão por avaliação para, então, obter uma carteira de autorização estatal a ser apresentada no ato sexual antes da ejaculação?
No mesmo sentido, não se pode deixar de saber que há adoções intuito personae que são inclusive um ato de amor por parte dos pais biológicos (porque preocupados em saber que cara tem o futuro do filho) e dos adotivos (porque tão motivados a terem um filho que adotam aquele que a vida coloca no colo).
Isto também não nos autoriza a esquecer da história das adoções; particularmente que ela durante muito tempo foi realizada sem a intromissão do Estado (pelo menos não a de um Estado como o ocidental moderno), e que nem por isto eram necessariamente pior sucedidas.
Tal processo torna-se melhor compreensível a partir da relação entre intromissão do Estado na família, e os interesses econômicos envolvidos, por exemplo, na propagação da idéia de que família legítima é apenas aquela que possui filhos. E, portanto, que se deve obter filhos, independente de que forma isto se dará.
“Se até os fins do século XVIII a posição da criança no discurso social era uma posição indigna, de não reconhecimento e de estorvo, o século XX viu surgir uma significativa ascensão da criança à posição de objeto protegido e valorizado. No século XXI, contemplamos uma jurisdificação da ordem familiar, tendo como alvo a proteção da infância. (…). Como se isso não bastasse, a criança passa, a nosso ver, a uma categoria de “luxuoso objeto” a ser consumido, mais que um “rebento” a ser desejado. A partir de um imperativo contemporâneo, ter um filho na atualidade pode ser adiado ou produzido através das modernas técnicas de inseminação artificial, sendo a adoção ainda uma velha saída. Dessa forma, parece-nos que da mesma maneira que objetos como carro zero, apartamento e laptop entram no circuito do “sonho de consumo” na contemporaneidade, a criança aparece como um objeto metonímico que encara um “mais-de-gozar” atual” (Miranda; Cohen, 2012, p.66)
Portanto, não é propriamente um ato de bondade do Estado pretender regulamentar os processos de adoção, mas muito provavelmente algum interesse em participar de maneira cada vez mais hierarquizada e monopolizada uma sociedade regida pelo capital.
“a adoção tem um lugar cada vez mais significativo nos diversos discursos contemporâneos, amparada, ao mesmo tempo, por uma jurisdificação e por uma elevação da criança a um estatuto de objeto “mais-de-gozar”, termo usado por Lacan como tradução da mais-valia marxista. Com isso, queremos apontar para o fato de que a criança entra na lógica do capital e na política de contabilização do gozo. (…) é perceptível uma evolução na vontade de se ter um filho na contemporaneidade, uma evidente explosão dessa vontade a qualquer preço, seja um filho adotivo, seja um filho gerado pelas possibilidades que a ciência promove” (Miranda; Cohen, 2012, p.62)
Na mesma direção de recusarmos assumir uma posição ingênua perante a interferência do Estado em nossas vidas e de lembrarmos da história, precisa-se considerar que ainda hoje há adoções ilegais, e talvez devêssemos nos perguntar se elas, pelo fato de serem ilegais, são piores. Melhor dizendo, se o fato de serem ilegais torna-as ilegítimas.
No presente espaço, far-se-á pelo menos uma observação mais específica, no intuito de apontar alguns possíveis danos cometidos pelo Estado com seus processos seletivos de candidatos à adoção. Já se sinalizou as vivências psíquicas de crianças e adolescentes devolvidos após estágio de convivência, bem como as vivências psíquicas dos candidatos à adotante que se deparam com a dor de crianças e adolescentes acolhidos no momento em que precisam escolher um deles. Porém, talvez haja o que se falar sobre a análise que o Estado faz das respostas de tais candidatos aos questionamentos sobre as condições que estabelecem ou não para adotarem.
Há uma análise formal sobre a exigência que os candidatos (não)fazem sobre sexo, raça, saúde e idade da criança/adolescente. Conforme tal análise, tais questionamentos serviriam apenas para posicionar os candidatos na lista de espera. Porém, não se pode deixar de duvidar que não há uma análise informal dos mesmos aspectos. Refiro-me à desconfiança que alguns profissionais depositam sobre os candidatos que não se dizem “amantes incondicionais”.
A propósito, também se pode duvidar que não há influência informal da orientação sexual dos candidatos, e mesmo de seu estado civil. Mas isto merece ser debatido em um momento específico. Aqui, tratarei da hipótese de que os processos seletivos coordenados pelo Estado orientam-se, pelo menos em alguns casos e informalmente, pela concepção de que bons pais/mães são os plenos de altruísmo.
E talvez assim o sejam por serem construídos, tanto quanto constroem, alguns mitos sobre a adoção presentes não apenas naqueles diretamente associados ao ente “Estado”, mas em toda uma sociedade. Especificamente, o de que ele é um ato de doação de quem adota e uma dádiva recebida pelo adotado. Este é um mito que merece ser reconhecido, tanto quanto aquele de que a filiação assim procedida é diferente daquela que se dá por vias biológicas.
“Ao pensar sobre adoção, é comum que as pessoas tenham em mente idéias pré-concebidas. Por um lado, de um amor abnegado dos adotantes, de um sentimento de gratidão por parte dos adotados, de uma família especial, idealizada, onde reina o amor e o respeito. Por outro, a visão preconceituosa da adoção, de que um acerto desse tipo nunca poderá formar uma família “real” e que as crianças adotadas geralmente se tornam “problemáticas”. Diante desse antagônico imaginário social, fica difícil perceber que, por trás das aparências, existem fantasias inconscientes sendo ativadas em cada membro de uma família adotiva, e que geralmente a gama de emoções em jogo é muito maior do que possamos imaginar em um primeiro olhar” (Rosa, 2008, p.98)
Sobre o mito de que a maternidade/adoção é uma abnegação, a psicanálise tem a dizer. Basicamente, de que não há, e nem deve haver, despojamento no ato de maternidade/paternidade. Particularmente na maternidade (Soifer, 1980). Um filho precisa ter lugar no desejo de quem dele se ocupará. Precisa, portanto, ter o estatuto de objeto. O que não implica desconsiderar a importância deste filho subjetivar-se e se deixar subjetivar pelos pais. Mas é fundamental, e quanto mais nova a criança ainda mais, que ela seja vista como aquela que vai preencher o que falta aos pais. Sim, é ilusão. Sim, é só assim que pode ser.
“o sentido da adoção de uma criança relaciona-se a uma rede articulada de significações pertencentes a uma história de vida, formulada muito antes dos pais encontrarem a criança que desejam adotar. Da mesma forma que a gestação de um filho ocorre sob a égide de um desejo, a adoção de uma criança passa por esse mesmo prisma. O que leva um casal a decidir adotar uma criança? Fazer um bem? Resgatar um “coitado”? Ocupar um vazio? Diversos são os motivos que aparecem nos casos de adoção, de salvar alguém de um destino medonho e dar uma condição mais digna a uma criança” (Miranda; Cohen, 2012, p.63)
Outra autora que caminha pelas mesmas trilhas é Rosa (2008, p.108-109), ao dizer:
“acreditamos na singularidade da experiência adotiva, em uma narratividade peculiar a cada caso, a cada sujeito. A fantasmática da família adotiva, tanto para pais como para filhos, depende das condições de desejo dos pais, da possibilidade de estes inscreverem seus filhos na amarragem simbólica familiar, inscrevê-los em uma história que já começou a ser contada muito antes da chegada deles “
Desmistifique-mos, pois, a idéia de que alguém tem um filho adotivo por ato de amor, aqui compreendido como amor materno/paterno pautado em concepções cristãs. O motor do desejo de adotar alguém é, como em quaisquer outras formas de ter um filho, inconsciente. E, assim sendo, não se orienta por moralismos do tipo “certo” e “errado”, “bom” e mau”. “É preciso, portanto, que os pais adotivos tenham criado, em si mesmos, um espaço de desejo para o filho, um desejo inconsciente, logo, que não se confunde com a vontade de adotar ou ter um filho. É a antinomia psicanalítica entre a vontade consciente e o desejo inconsciente” (Rosa, 2008, p.107).
Muitas vezes, como em todos os pais, os pais adotivos não sabem porque desejam adotar. E isto não possui relação alguma com sua aptidão ou não para exercer a maternidade/paternidade. Responder a tal questão (que lugar possui no desejo dos pais) é o que o adotado fará em seu processo de adotar os pais. É semelhante ao que todos os filhos fazem no processo de subjetivação: responder-se porque motivo os pais ficaram consigo.
“se existe uma posição de filiação é porque, a nosso ver, houve uma posição de adoção por parte dos pais, por algum motivo que nem sempre é reconhecido. De todo modo, tais lacunas são vistas como uma espécie de intervalo, de espaços vazios nos quais o sujeito vai inventar um fragmento de narrativa, seja com uma frase, com uma palavra, com um nome. De toda maneira, o que estará em jogo é a tentativa em dar um sentido a um ponto que permanece enigmático em sua origem e existência. Sabemos que um romance familiar nunca é escrito sozinho, antes, o sujeito compartilha com seus pais sua autoria e coloca nela, de alguma forma, a sua condição de adotado no campo do desejo do Outro. Por este caminho, é oportuno destacar que em qualquer situação de filiação, um resíduo enigmático permanece independente da condição jurídica. De outro modo, não interessa como o filho foi feito, mas aquilo que os pais farão à criança e como esta interpreta o desejo dos pais” (Miranda; Cohen, 2012, p.66-67)
Se há alguma particularidade no caso dos filhos adotivos, é a facilidade maior que podem ter de acreditar na idéia de que há famílias que amam de maneira exclusivamente romântica/religiosa os filhos. Sim, porque eles são aqueles a quem se diz que vieram justamente “do coração”. Talvez, portanto, os adotados sejam mais vulneráveis a este discurso fundado em interesses político-econômicos do Estado. “Para os adotados, o sonho de uma família perfeita, idealizada, que pudesse substituir a sua, é algo mais palpável, concreto, existe uma possibilidade. Nos devaneios da criança, mas especialmente do adolescente adotivo, pode existir um lugar privilegiado para as narrativas que apresentam esses romances familiares” (Rosa, 2008, p.105)
Também em nome da manutenção de uma noção idealizada de família, pode-se pensar a preferência por crianças novas. “podemos pensar a preferência por recém-nascidos como o desejo justamente de adotar uma criança sem história ou, melhor, que se acredita não ter história, para que possa se formar única e exclusivamente a partir dos pais adotivos” (Rosa, 2008, p.107). E, ainda, as buscas na biologia das respostas ao enigma que as crianças/adolescentes venham a apresentar aos pais e a si. Como se a maternidade/paternidade falhada fosse sempre aquela biológica, porque, tendo sido abarcado pelo pleno amor dos adotantes, nada teria faltado ao adotado.
“Algumas vezes os adotados se questionam com quem se parecem (…). Particularmente na adolescência, quando se consolidam as identidades masculino/feminina, há a curiosidade em saber como seria o pai ou a mãe, para saber como poderão ser enquanto homens e mulheres. Também há a preocupação com o histórico médico da família. (…). Não apenas as crianças se interrogam dessa forma, mas também os pais adotivos. A cada impasse na vida ou na educação dos filhos, lidam com dúvidas a respeito das origens. (…). Novamente isso vem nos dizer de uma inscrição dessa criança na fantasmática familiar, colocando o acento sobre a adoção, e não se apropriando da história do filho” (Rosa, 2008, p.104)
Neste momento, necessário se faz considerar que esta noção idealizada de família mantém-se, nos processos de adoção, não apenas na idéia de que os adotantes amam altruisticamente o adotado, mas também na repulsa a quem o entregou (ou de quem foi retirado) para adoção. Sobre isto, um adendo inicial: é inegável que o machismo nos faz dirigir tal repulsa especialmente às mães biológicas. Sobre elas: “São abandonadas porque delas não se quer falar, não se quer saber, existem poucos estudos sobre seus motivos e suas questões ao abandonar um filho, e essa distância vem do mito do amor materno como universal e incondicional. O maior amor do mundo seria o da mãe pelo filho, portanto a sociedade nega e repele quem ousa desafiar esse aforismo sagrado” (Rosa, 2008, p.108)
Resta-nos inclusive questionar se a idealização do adotante, e a decorrente imposição a ele da expectativa de que ame o filho incondicionalmente, não serve precisamente para melhor repudiar a mãe que não fica com quem pariu (entrega-o à adoção ou faz com que seja tomado para adoção[1]). Não é ao acaso que se diz “vá para puta que lhe pariu”, numa mensagem de que a mãe-puta[2] é aquela que não está com o filho. Por exemplo, que lhe entregou a alguém, ou que demonstrou com ele não poder ficar.
A psicanálise talvez ajudasse a enxergar com olhos mais humanos, e menos divinos, a maternidade. E, portanto, talvez ajudasse a menos odiar estas mulheres. “Tal tradição, para a psicanálise, a da maternidade, o chamado amor materno, não se constitui em um sentimento inerente à condição de uma mulher, não é determinado a priori, mas algo que se constrói ou não. O bebê, entregue aos desejos de quem cuida, está sempre dependente dessa experiência, que provém da mãe biológica ou de qualquer substituto” (Miranda; Cohen, 2012, p.61).
Aterrador é perceber que o principal autor do discurso que idealiza o adotante (e, no outro lado da moeda, repudia a que dá à adoção) é diretamente o Estado, no caso dos procedimentos que exige para as adoções. Tanto é que “a adoção, em seu estatuto de significante, pode ser interpretada sob a égide do que, para a psicanálise lacaniana, define o desejo da mãe e, como o Estado, no lugar da família, decide a filiação” (Miranda; Cohen, 2012, p.66)
Além de impertinente, também parece desnecessária uma seleção de adotantes que pressuponha que quanto mais abdicado de desejo sobre o filho, mais capacitado a cuidador. Isto porque o fato da criança/adolescente atender as características exigidas pelo adotante não implica que o que surgirá na relação entre eles seja um cuidado suficiente da criança/adolescente. Afinal, qualquer cuidador de criança/adolescente sabe que a relação com aquele que cuida não é melhor ou pior por conta de suas características físicas.
Da mesma maneira, mesmo que a criança/adolescente tenha um sexo, idade, saúde, raça (e características dela decorrentes) diferentes do desejado pelos pais, isto não diz que os adotantes não suportariam a distância entre seu desejo e a frustração imposta pelo filho.
Espera-se que os pais biológicos teçam expectativas sobre o filho. Que tenha o cabelo que a mãe queria ter, na esperança de ser tocada de maneira diferente pelos ventos da vida. Que os olhos sejam daqueles em que seu pai se vê como uma miragem. Que a boca seja como a do avô para que se tenha a chance de ouvir coisas diferentes de uma mesma boca. Que tenha, pelo menos após encharcada de sol, a cor que um ex-namorado tinha, etc. Por que seria diferente no caso dos filhos adotivos?
Por fim, cabe destacar a expressão aqui usada algumas vezes “cuidado suficiente”, para justificá-la. A intenção foi tornar implícita e sempre presente a idéia de que algumas exigências do Estado sobre os candidatos a adotante partem, ao lado do princípio de que haverá um cuidador ideal, do correlato princípio de que o melhor para crianças/adolescentes seriam cuidadores que não falham em sua função. Ora…talvez nossa existência psíquica dependa justamente da capacidade de nossos cuidadores falharem, e de nossa capacidade de suportar sermos cuidados por humanos.
Ninguém sobrevive ao imperativo de ser cuidado por alguém que não falha. Uma dívida desta ordem só é paga com a morte psíquica. Afinal, quem supostamente dá tudo de si pra nós não pode ser decepcionado. O filho não pode, nestes casos, transgredir o desejo dos pais. E frente a isto não há alternativa de adoção. Alguns adotados sofrem porque não entendem isso.
“Muitas crianças adotadas (…) se autodepreciam, achando que foram colocadas para adoção porque havia algo de errado com elas. Essa crença pode provocar uma dificuldade na formação de uma visão positiva de si mesmo como alguém que merece ser amado. (…). Na vida adulta, o indivíduo pode se tornar perfeccionista. Nada ou ninguém parece ser bom o bastante, pode exigir muito dos outros e de si mesmo, idealizando muito as pessoas, em especial as figuras femininas. Ou então, ao contrário, pode exigir pouco de si por acreditar que não pode oferecer muito, “contentando-se” com qualquer coisa, ficando aquém de suas possibilidades, não ocupando o seu lugar no mundo por acreditar não ter valor. O medo de ser difícil demais de lidar, e de que os pais desistam, pode também fazer com que a criança faça tudo para agradar, para parecer o filho perfeito, escondendo sentimentos desagradáveis, até explodir em crises de raiva. Nisso se junta o social, que exige gratidão dos adotados e reprime a mais leve manifestação de sentimentos ambivalentes em relação aos pais, já que estes “salvaram” a criança de uma vida de órfão. Por essa via, vem a necessidade de retribuir sendo um bom filho. O sujeito não consegue apenas receber algo, sem retribuir, pois inconscientemente acredita não merecer, ficando eternamente em dívida” (Rosa, 2008, pp.100-101)
Frente ao pai-Deus, não há substituto à altura. Daí restarmos com nossa obediência. Se isto é condizente com o discurso religioso, não o é com o terreno. Amar é dar o que não se tem a quem não é, dizia Lacan.
Notas e Referências:
[1] Não será possível falar detalhadamente das outras mães biológicas que não ficam com os filhos: as que abortam. Mas a elas parece ser dirigido o mesmo repúdio.
[2] Sobre o repúdio às putas a ponto deste significante ser negativo, foi melhor falado em http://emporiododireito.com.br/por-uma-putice-sem-puritani…/ .
Miranda, Cássio Eduardo Soares, & Cohen, Ruth Helena Pinto. (2012). Uma Criança é Adotada: O Lugar Simbólico da Filiação e seus Efeitos Subjetivos. Psicologia em Pesquisa, 6(1), 61-67. Recuperado em 22 de novembro de 2015, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php…. .
Rosa, Daniela Botti da. (2008). A narratividade da experiência adotiva: fantasias que envolvem a adoção. Psicologia Clínica,20(1), 97-110. RetrievedNovember 22, 2015, from http://www.scielo.br/scielo.php….
Soifer, Raquel (1980). Psicologia da gravidez, parto e puerpério. Artes Médicas, Porto Alegre.
Maíra Marchi Gomes é doutoranda em Psicologia, mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e Psicóloga da Polícia Civil de SC.

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Reproduzido por Lucas H.

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