segunda-feira, 15 de agosto de 2016

A espera de um filho, sem limitar o amor, casal adota bebê com microcefalia (Reprodução)

15/08/2016

Uma espera de quase dois anos. Uma gestação de seis dias. Foi assim que o bebê com microcefalia nascido em Campo Grande chegou à família a 800 quilômetros daqui. No cadastro nacional, o casal estava entre os 202 pais que aceitariam uma criança com problemas de saúde e deficiências. Vindos de outro Estado, eles tiveram menos de uma semana para decorar todo o quarto que tanto esperava para receber um bebê.

Ele tem 38 anos e trabalha assentando pedras ornamentais e ela, professora de 33. A mãe biológica já tinha entrado com o processo para entrega do filho à adoção, ainda na barriga, por falta de condições financeiras. Segundo o núcleo de adoção, a microcefalia foi diagnosticada depois do nascimento. Como o processo ainda corre na Justiça, os nomes não podem ser revelados, nem tampouco as fotos que estampam a felicidade que o casal está, de ter o filho nos braços. 

Em conversa por telefone com o Lado B, a voz deles deixa explícita a realização de serem pais. Um misto de alegria, com emoção, onde até o choro do bebê vira sinfonia aos ouvidos.

Professora, a mãe conta que desde a adolescência sabia de problemas de saúde que dificultariam uma gestação e quando começou a namorar quem hoje é o marido, não escondeu. "Não sei se um dia eu vou poder engravidar e ele disse: 'sem problema algum, a gente adota'", lembra. 

Nela a ideia já existia desde a infância, depois que uma das tias adotou o primo. "Eu achava bonito", completa. Juntos, o casal têm 13 anos entre namoro, noivado e casamento e há dois, quando as tentativas de engravidar naturalmente não engrenaram, numa bateria de exames o marido também descobriu que as chances dele eram poucas. 

"Quando saíram os resultados finais, a gente teve aquele abalo, porque por mais que você diga que um dia vai adotar, tem ainda a esperança de engravidar", fala a mãe. O pensamento, à época, foi interrompido por ele, que de imediato lembrou da possibilidade da adoção. Dentre os preparativos de curso e entrevistas, levou cerca de 1 ano até sair a habilitação e o casal ser encaminhado ao cadastro nacional de adoção. 

"Foi setembro de 2014. A gente não determinou sexo, cor, raça, questão de região e problemas de saúde. A única coisa que a gente foi um pouco mais taxativo foi a questão da idade, de ser recém nascido e até no máximo 1 ano e meio", descreve a professora.

Com exatamente 15 dias de bebê nos braços. A mãe lembra exatamente como foi ver na expressão do marido que a hora deles havia chegado. O núcleo de adoção do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul ligou numa quinta-feira, às 5h da tarde. "Eu vi que ele veio conversando, confirmando que era a nossa residência e me perguntou há quanto tempo tinha saído nossa habilitação. Ele ficou emocionado, não conseguiu falar muito..." O telefone foi passado para ela. 

"Por mais que já fizessem dois anos que estávamos esperando na fila, a hora da ligação é meio que um susto, se torna impactante. Falta chão, não tem palavra para decifrar como é a emoção", tenta dizer o pai.

Em princípio, o diagnóstico passado aos futuros pais era de hidrocefalia. A mãe passou a noite toda pesquisando o assunto na internet. "Você fica com aquele medo, pela questão do líquido no cérebro, mas ainda assim, nós tínhamos optado pelo sim". 

O casal explica que a motivação maior era o desejo de serem pais:

"E se fosse uma criança gerada por nós? Nós iríamos descartar? Não. Aí está a chave da questão, não é porque você está adotando. Eu não vejo a adoção como a compra de mercadoria, onde você escolhe o mais bonitinho e branquinho. Não é por aí. Você não escolhe o sexo de um filho, a cor e nem mesmo problemas de saúde e se de repente, tivéssemos gerado uma criança assim, ele seria amado do mesmo jeito, então nada nos impediria de adotar uma criança com tais problemas", justifica a mãe. 

No dia seguinte, o núcleo corrigiu a informação de que era microcefalia, mas para eles pouco importava. Tomados pela expectativa, o casal relata que só esperava o aval para poder vir buscar o bebê. 

A viagem aconteceu na quarta-feira seguinte. Os pais já tinham fotos e vídeos do filho, mas vê-lo com os próprios olhos foi o maior encontro de amor que já tiveram. "Foi uma emoção, porque você olha e vê um ser tão pequenininho, indefeso e precisando de carinho. Ele tem muita coisa para dar pra gente, mais do que nós para ensinar para ele", acredita a professora.

Numa comparação com a hora do parto, ela tenta descrever que imagina como se fosse a sensação da maternidade. "É indescritível, como se ele tivesse acabado de sair de mim naquele momento. Quando a psicóloga me deu ele no colo, é como se ela tivesse feito o parto e me entregado. Foi a mesma coisa que senti na hora", narra a mãe. 

Nos exames que levaram daqui, o bebê tem visão e audição perfeitas, assim como a alimentação. As consequências da microcefalia, só o tempo pode dizer e eles não estão tão preocupados com isso. "Mesmo que ele tenha atraso para acompanhar alguma coisa, é indiferente. O que a gente deseja é que ele seja uma criança maravilhosa, que tenha uma infância linda e que seja muito amado como já está sendo, por todos nós", resume a mãe. 

A pediatra que acompanha o neném na cidade onde ele vai viver, repassou aos pais que ele suga "que nem um esganadinho" e os reflexos são muito bons. "Ela me explicou que o cérebro de uma criança é uma coisa que surpreende muito e quem sabe isso nos surpreenda", espera a professora. No trabalho dela, já estão prevendo um chá de bebê, mas com a presença do filho. 

Quando pedimos para falar com o pai, o bebê vai para o colo da mãe. De longe dá para ouvir o carinho: 'cadê o bebê da mamãe?' O pai enfatiza que eles não pretendem esconder nem a adoção e nem os problemas de saúde e que apesar de muita gente achar o gesto deles nobre, a percepção do casal é outra. "As pessoas falam que a gente está fazendo uma grande coisa, mas não é só a gente. Acredito que ele quem está nos trazendo alegria e nos mudando para muito melhor", diz. 

Entre 202 pais, eles foram os "escolhidos". "Tenho para mim que as coisas não podem acontecer tão aleatoriamente. Comentaram que nós seríamos o número 80 da lista. Tiveram pais que não queriam a criança, outros que não puderam pegar por falta de recurso e vim parar justa na gente? Eu acredito que tem que ter um destino para isso", crê o pai. 


Reproduzido por: Lucas H.


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