segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Devolução de irmãs a abrigo expõe drama de órfãos rejeitados após adoção (Reprodução)

06/08/2016

Durante seis meses, três irmãs nutriram esperanças de ter uma família. De março a setembro de 2012, as crianças, com idades de 9 a 12 anos, conviveram com aqueles que se tornariam seus pais. Mas tiveram as expectativas frustradas após o casal desistir da adoção e devolvê-las ao abrigo onde viviam antes. A atitude, que, segundo a Justiça, causou traumas nas crianças, não ficou impune. Em determinação no fim de julho, os desembargadores da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio mantiveram, conforme noticiado pela coluna de Ancelmo Gois, no GLOBO, a decisão de primeira instância que condenou os adotantes a uma indenização de R$ 10 mil para cada uma das meninas, além de um salário mínimo para custear despesas das três até que sejam adotadas de fato. O caso evidencia um drama menos raro do que se pensa nas varas de infância e juventude: crianças devolvidas pelos pretendentes a pais durante o processo de adoção.

— A adoção é um ato de amor incondicional. Tem que ter preparo psicológico e não simplesmente adotar e devolver, como se tratássemos de um consumo, no qual você compra um objeto e devolve. É necessário alertar a sociedade para isso — afirma o relator do processo no TJ, desembargador Cláudio de Mello Tavares, que deu voto a favor da condenação da dupla de adotantes.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2008 até agosto do ano passado cerca de 130 crianças foram devolvidas pelos pais adotivos. Há possibilidade de que o número seja maior, já que muitos juízes não atualizam o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) corretamente.

O casal acionado na Justiça conheceu as meninas em um abrigo na Zona Oeste do Rio, em 2012. Nos relatórios da assistência social o cenário era o melhor possível, havia sido estabelecida uma “ligação positiva” entre os pretendentes à adoção e as três irmãs e, a partir da convivência com os possíveis pais, as crianças apresentaram melhoras comportamentais e até ganhos na saúde física. Mas o que era feliz se fez triste quando os “novos pais” decidiram desistir das três. No lugar da “ligação positiva”, o relatório técnico passou a retratar o dano psicológico causado nas crianças, que após o abandono não se cansavam de pedir por uma nova família.

Levando em consideração o enorme prejuízo para as crianças, o Ministério Público moveu uma ação de dano moral e material contra os dois que, por sua vez, justificaram a desistência responsabilizando as crianças. De acordo com eles, uma das irmãs não se adaptou ao novo lar. Este argumento, no entanto, não foi aceito pela Justiça.

— O estágio de convivência é estabelecido em favor da criança. O adulto já é qualificado, tem acesso ao perfil da criança, não é um estágio para ele. Essa devolução causa um abalo que frustra a expectativa da criança de ter uma família. A gente vê que os danos psicológicos são óbvios e nítidos. Há todo um trabalho de desconstruir aquela situação familiar— comenta Rodrigo Medina, um dos promotores que participou da ação.

SITUAÇÃO DRAMÁTICA

Os prejuízos psicológicos podem se tornar físicos em alguns casos, conforme relata a psicóloga da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso Verônica de Paula. Ela conta que já acompanhou crianças que não conseguiram mais se relacionar com nenhuma família após a rejeição dos pais adotivos, e outras que, inclusive, passaram a se mutilar.

— É uma situação muito dramática. Tive um caso de um menino que evadiu do abrigo e nunca mais conseguimos resgatar. Outra criança precisou de acompanhamento psiquiátrico, porque começou a se mutilar, a bater a cabeça na parede. O abandono é tão insuportável que às vezes eles precisam até de medicação — diz Verônica.

Armando Char e sua mulher Katia Char sabem bem o que é lidar com os impactos proporcionados pelo abandono em uma criança. Eles adotaram Beatriz, de 8 anos, após ela ter sido devolvida por um primeiro casal. Hoje a menina já vive com eles há quatro anos e finalmente se sente parte de uma família.

— A adoção é um processo de maturidade emocional. É preciso ter consciência clara de que você vai conhecer uma pessoa e de que deve amá-la incondicionalmente, sem se importar com a história que ela tenha para trás — diz Armando Char.


Reproduzido por: Lucas H.

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