segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Nº de adoções de crianças por estrangeiros é o menor em quase 20 anos no Brasil (Reprodução)

25/02/2018

O número de crianças adotadas por estrangeiros no Brasil em 2017 é o menor em quase 20 anos. Foram concretizadas 78 adoções internacionais no ano passado. É o que mostram dados obtidos pelo G1.
A expectativa era que houvesse uma retomada, já que, há dois anos, os estrangeiros passaram a ser incluídos no Cadastro Nacional de Adoção. Dificuldades na alimentação do sistema, no entanto, têm feito com que a ferramenta não seja efetivamente utilizada.
“O cadastro está passando por reformulação. Embora exista o módulo de cadastramento de pretendentes estrangeiros, os relatos de algumas comissões estaduais são de que não o estão alimentando. E a implantação dessa funcionalidade é essencial para que ele seja o grande ponto de encontro entre esses pretendentes e as crianças”, afirma Natalia Camba Martins, coordenadora-geral da Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), órgão ligado ao Ministério da Justiça e responsável por credenciar entidades que ajudam a intermediar as adoções para o exterior.
Apesar disso, um outro fator, positivo, pode ajudar a explicar o dado: a diminuição da restrição por parte dos brasileiros. “As adoções nacionais têm crescido no que diz respeito a perfis antes procurados apenas por pretendentes internacionais. De uns dois anos para cá, a gente tem conseguido fazer adoções de crianças com deficiência, crianças a partir de 7 anos. No ano passado, em São Paulo, houve a adoção de uma adolescente de 12 e de um de 16. Então a gente tem conseguido deixar as crianças no território nacional. Além disso, há uma menor disponibilidade dos adotantes internacionais em relação a crianças muito mais velhas. Até uns 5 anos atrás a gente conseguia fazer adoções de adolescentes de 14 anos ou mais. Hoje em dia, os perfis desejados são de crianças com, no máximo, 10 anos”, afirma Mônica Arnoni, juíza da Vara Central da Infância e Juventude de São Paulo.

Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça diz que a adoção internacional só pode ser realizada após esgotada a possibilidade da adoção nacional. Segundo a Corregedoria do CNJ, foram realizadas 1.716 adoções no Brasil em 2017 – número superior ao de 2016.
“Há esse incentivo maior à adoção nacional. E isso reflete em alguma medida pois diminui o número de crianças disponíveis. Com isso, os organismos credenciados também diminuem em quantidade. A gente teve uma baixa importante em 2017 de um organismo francês, que se descredenciou porque não estava conseguindo encontrar as crianças para adoção. As atividades no Brasil foram descontinuadas. O organismo vai continuar acompanhando as adoções em curso, porque há obrigações a cumprir, e a Acaf seguirá fiscalizando. Mas isso já dá uma dimensão da situação”, afirma Natalia.
Segundo a juíza da Vara Central da Infância e Juventude de São Paulo, uma outra explicação para a baixa é a “concorrência” com outras nações.

“Adotar em um país na África, por exemplo, é muito mais fácil. O processo no Brasil é muito rigoroso, feito com segurança e transparência. A gente exige muita coisa para garantir os direitos da criança mesmo fora do território nacional. Em outros países, não há tanta formalidade. Não se exige a documentação nem estágio de convivência. Aqui, mesmo após a adoção, a gente acompanha o caso por pelo menos dois anos. Em muitos países isso não existe. A pessoa sai com a sentença na mão e sem ligação nenhuma com o local de origem”, diz Mônica Arnoni.

Perfis

Dados do cadastro, porém, revelam que ainda há espaço para mais adoções internacionais. Há hoje 8.483 crianças e adolescentes cadastrados. A maioria tem mais de 5 anos e irmãos. E o perfil dos pretendentes internacionais está muito mais alinhado aos abrigos que o dos adotantes nacionais.


“As autoridades judiciárias precisam ser sensíveis à situação dessas crianças porque normalmente são crianças mais velhas, com irmãos, com doenças crônicas. É preciso um olhar especial para a adoção internacional continuar sendo uma medida subsidiária, para que essas crianças não fiquem esquecidas nos abrigos”, afirma Natalia Martins.

Ela diz que, no campo político, o que tem ocorrido é um forte empenho das associações que defendem a convivência familiar acima de tudo. “Em várias frentes, inclusive na discussão de um novo projeto de lei sobre adoção em curso no Senado, a gente tem uma fala muito forte neste sentido. São setores que pedem que seja esgotada à exaustão a reinclusão dessa criança na família estendida antes da adoção. É um esforço louvável. Mas há uma ponderação de que cada dia na vida delas é muito importante. Então talvez, em muitos casos, acaba se insistindo em medidas que não têm efeito. Quando existir a possibilidade de colocação, ela deve ser priorizada, não só pela lei, mas porque é uma medida adequada. Agora, o juiz, atento, pode perceber que não é viável. Então é necessário um equilíbrio.” 
Novo cadastro 
O atraso na implantação de um novo cadastro de adoção tem sido apontado por especialistas da área como um dos entraves para que mais crianças sejam adotadas – tanto no Brasil como no exterior.
Para Mônica Arnoni, uma mudança se coloca como urgente. “O cadastro hoje não é funcional. É preciso uma ferramenta com uma alimentação automática. Quando uma criança entra no acolhimento, é emitida uma guia. O ideal era que assim que ela fosse emitida, essa criança também fosse inserida no sistema, ao mesmo tempo.”
A juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Sandra Silvestre afirma que novas funcionalidades estarão disponíveis, mas admite que há uma demora.
“A prioridade da reformulação do cadastro existe desde a posse do ministro corregedor (João Otávio Noronha). Várias entidades de juízes e promotores, usuários e associações ligadas à adoção vinham relatando dificuldades. E o Unicef fez uma pesquisa com juízes e desembargadores que apontou vários problemas na alimentação do sistema. Mais de 50% dos dados não estavam no cadastro ou estavam com erros. Então foi montado um grupo de trabalho, que formatou as propostas, de forma democrática, com a participação de todos. Foram feitos workshops e fóruns. Mas uma outra questão muito sensível acabou ganhando prioridade por parte da presidência do CNJ e o departamento de tecnologia foi colocado para reformular o Banco Nacional de Mandados de Prisão em razão da crise no sistema penitenciário.”

Sandra diz que isso comprometeu a meta. “Uma solução alternativa foi fazer um consórcio com alguns tribunais de Justiça para que eles cedessem servidores de tecnologia. Foi montado, então, um outro grupo apenas para construir o novo sistema operacional. Em março, a gente deve iniciar os testes em São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Rondônia e Paraná.” Como se trata de um projeto-piloto, ainda não há data para a implantação em todo o país.

Entre as mudanças previstas está a criação de um mecanismo automático de busca de pretendentes e crianças – o processo hoje é feito manualmente. A intenção é que o sistema seja capaz de identificar “sozinho” os pais para crianças que tenham aquele perfil determinado, "rodando" e atualizando quase que em tempo real as informações. Com isso, após a verificação, a ideia é que ele emita um aviso com a informação de que foi encontrada uma criança com o perfil desejado ou bem próximo do informado pelo pretendente (permitindo, assim, que ele amplie um pouco as possibilidades).

“A ideia é que o novo cadastro seja mais ágil e transparente. Hoje, os juízes têm mais de 10 cadastros para atualizar todo mês. Um pretendente que muda de endereço, telefone ou deixa de ter interesse na adoção precisa informar o juiz da Vara e só ele pode fazer a alteração no cadastro. A gente quer que o novo sistema tenha uma funcionalidade parecida com a de aplicativos/sites de namoro. E a premissa básica é que o próprio interessado, no caso o pretendente, com um login e senha, mantenha seus dados atualizados", afirma Sandra Silvestre.

Adoções internacionais em 2017

Das 78 adoções internacionais realizadas no ano passado, 57 foram feitas por italianos. Houve ainda 10 adoções por franceses, 9 por norte-americanos, 1 por espanhóis e 1 por pretendentes de Andorra.
O maior número de crianças e adolescentes estava em São Paulo (27). Foram adotados 46 meninos e 32 meninas. Do total, 7 tinham mais de 12 anos.


Reproduzido por: Lucas H.

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