segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Ser mãe na Colmeia: detenta grávida e com filha de 1 ano aguarda sentença há 4 meses (Reprodução)

23/02/2018

A filha de Josiele dos Santos sofreu um desmame abrupto com menos de 2 anos de idade. Sem o colo da mãe há quase quatro meses, a criança precisou reconhecer na avó os laços maternos. Josiele foi levada para a penitenciária feminina do Distrito Federal (Colmeia) em 8 de novembro de 2017 e não conseguiu se despedir da menina. Na carceragem, recebeu a confirmação de que carregava em seu ventre um outro bebê.
Detida provisoriamente pelo crime de tráfico de drogas, a jovem, de 20 anos, aguarda uma audiência de continuação prevista para ocorrer na próxima sexta-feira (2). Na audição, Ministério Público, testemunhas e defesa serão ouvidos e, após as alegações finais, a sentença será definida.
Nesta semana, ela soube, por meio de uma colega, da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que concedeu prisão domiciliar a presas gestantes sem condenação ou a mães de crianças com até 12 anos. Com a decisão do Supremo, os tribunais terão 60 dias, após a publicação da decisão, para implementar a medida, que valerá também para mães que tiverem crianças com deficiência.
À família, Josiele contou que, agora, está esperançosa para sair e, finalmente, voltar a ver a filha e fazer o enxoval da que está por vir.
"A Josi já perdeu muito tempo sem ver o crescimento da filha. Nem chegou a ver a filha começar a andar", disse Iraci dos Santos, mãe da jovem. Ela recebeu a reportagem do G1 em casa na última quinta-feira (22).

Mulheres gestantes presas no DF
Idade da detenta Tempo de prisão Regime
21 1 mês Provisório
20 4 meses Provisório
20 3 meses Provisório
25 4 meses Semiaberto
31 5 meses Fechado
21 1 mês Provisório
36 6 meses Semiaberto
24 3 anos e 2 meses Fechado
34 1 mês Provisório

Oito gestantes além de Josiele estão detidas na Colmeia, e mais dez lactantes – em período de amamentação. De todas, oito estão presas preventivamente, à espera de julgamento. Elas ficam em alas separadas e exclusivas.
Por lei, todas as mulheres nessas condições – grávidas e com filhos de até 12 anos incompletos – têm direito de solicitar prisão domiciliar à Justiça, estejam sob regime fechado, semiaberto ou provisório. A medida garante a elas um período maior de cuidado e relacionamento com os filhos.
Quando a domiciliar não é concedida, os bebês podem ficar na Colmeia até os seis meses, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Depois disso, eles são encaminhados a familiares que desejem assumir a criação.
“Se a interna não tiver parentes, caso raro de acontecer, a Vara da Infância designa um abrigo", informou a pasta ao G1.
Prisão de Josiele

Iraci – que, desde a prisão da filha, tem se desdobrado para cuidar da criança, para garantir o sustento, ao lado do marido, das nove pessoas que moram no local e ainda lutar pela liberdade de Josiele – afirmou que “precisou pedir ajuda a Deus para não entrar em depressão”. O benefício do Bolsa Família que recebia foi suspenso em outubro de 2017.


“Esta pequena aqui chorava o dia todo. Não dormia e ficou arredia. Têm sido dias difíceis e achei que perderia o emprego, porque também não conseguia dormir.”

Asmática, Josiele precisa do medicamento "Aerolin" para conseguir respirar. Desde o início deste ano, o presídio deixou de fornecer o remédio e a família passou a ter que desembolsar, mensalmente, cerca de R$ 30 pelo fármaco.
Eles também tiveram de pagar R$ 80 para que a jovem pudesse fazer uma ecografia. Questionada, a Secretaria de Saúde disse que o medicamento está em falta na rede pública e que a compra do produto está em andamento, mas não se posicionou sobre o exame.

'Minha filha não tinha nada'

No relato de Iraci, Josiele foi detida com apenas R$ 7 no bolso. Não havia drogas com ela no momento da apreensão, mas diz que a filha convivia com pessoas “que seguiam caminhos errados”.

“Sei que a Josi foi presa por tráfico, mas a pegaram com nada. Levaram a sogra dela, que é traficante, mas a minha filha não tinha nada.”

Segundo Iraci, meses antes da internação, a casa de Josiele pegou fogo. No incêndio, ela só conseguiu resgatar a filha. Todos os bens materiais foram queimados. Para pagar o aluguel de uma quitinete e quitar as contas, Josiele começou a acompanhar a mãe no serviço.
“Tinha colocado ela para trabalhar comigo e, justamente, no dia em que não encontrou alguém para cuidar da criança, aconteceu isso. Se ela estava traficando foi por desespero. E, por mais que uma pessoa tenha errado, quem nunca errou? Só Deus para julgar.”
No processo da jovem, consta que “embora não tenha sido apreendida grande quantidade de drogas, as autuadas [Josiele e a sogra] já estavam sendo monitoradas há bastante tempo, eis que estariam realizando tráfico de drogas em suas residências”. No documento, no entanto, não há indicação sobre a quantia encontrada pela polícia.
Desde que a filha foi encaminhada à Colmeia, Iraci só conseguiu autorização para visitá-la na semana passada. Comovida com a história, a assistente social Luana Souza resolveu interceder pela família e agendou uma visita institucional ao presídio. No encontro, a criança não quis se aproximar da mãe.
“Foi uma cena muito forte e marcante. A filha da Josi nem quis ir para o colo dela. Ela sofreu um desmame abrupto”, lembra Luana, que acompanha a jovem desde a adolescência.
“A Josi é ré primária e não foi pega em flagrante. São muitas falhas. A Justiça ainda é muito papel. Falta essa relação além do papel, falta olhar para o sujeito, para a menina negra, pobre e da periferia”, disse a assistente social.

Mães e filhos na prisão

Para a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-DF, Cristina Tubino, um dos problemas relacionados a esta questão, e que motivou o habeas corpus do STF desta terça-feira (20), é a falta de estrutura dos presídios brasileiros para abrigar mães e filhos com segurança e saúde.
"Ao mesmo tempo em que a legislação permite que a mãe presa fique com o filho no estabelecimento prisional, a lei prevê que deve haver condições para isso", explicou. "Aqui no DF, a realidade é ainda muito melhor. A Colmeia tem conseguido dar uma condição muito melhor para as presas."

Segundo a Secretaria de Segurança, o presídio conta com um berçário e uma equipe médica formada por "pediatras, ginecologistas, enfermeiros, dentistas, psicólogos e assistentes sociais" que, inclusive, fazem o pré-natal das detentas gestantes. Estes profissionais trabalham 40 horas semanais no sistema.
Mulheres em período de amamentação presas no DF
Idade da detenta Tempo de prisão Regime Idade do bebê
23 7 meses Provisório 2 semanas
25 7 meses Fechado 3 semanas
21 11 meses Semiaberto 6 meses
34 9 meses Fechado 8 meses
33 9 meses Fechado 3 meses
33 2 meses Semiaberto 2 meses
29 7 meses Fechado 5 meses
38 6 meses Provisório 2 semanas
29 1 mês Provisório 4 meses
22 4 anos e 4 meses Fechado 3 semanas

O que diz a Secretaria de Segurança?
As gestantes são acompanhadas por uma equipe de atenção básica da Secretaria de Saúde, lotada na penitenciária. Caso seja necessário algum exame ou atendimento mais complexo, os profissionais encaminham a custodiada para o sistema de referência da rede pública de saúde do Distrito Federal.
Da mesma forma, as lactantes também recebem um tratamento humanizado dentro da unidade prisional. Todas elas recebem atendimento psicológico e alimentação balanceada prescrita por médicos. 
Brasil
No país, 373 mulheres grávidas e 249 em período de amamentação estão detidas em presídios, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça. Os dados correspondem a 2017.


Reproduzido por: Lucas H.

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