O Superior Tribunal de Justiça decidiu que ações de interesse de um
menor fossem julgadas no domicilio dos avós e não da pessoa que detém a
guarda. O Tribunal desconsiderou a aplicação do artigo 147 do ECA e a
súmula 383
da Corte. O colegiado entendeu que o reconhecimento da competência do
juízo do foro do domicílio do detentor da guarda provisória dificultaria
a defesa dos avós da criança e poderia levar à ocorrência de possível
irregularidade na concessão da guarda provisória.
Para a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de
Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a decisão
proferida não teve um resultado assertivo, pois acredita que, pela
situação atípica do caso, a decisão procurou se sair pela tangente;
afinal, a competência é sempre do local onde a criança se encontra e, no
caso, com quem tem a sua guarda. “Ao que parece, o que se buscou foi
uma alternativa para facilitar a situação dos avós, em detrimento de
quem está atualmente com a guarda da criança, que, ao que parece, não é
da sua família. Claro que a parte sempre vai ter mais facilidades quando
o processo corre na comarca aonde reside, pois terá menos gastos, o
advogado terá mais facilidade de acesso aos autos, à equipe técnica,
juiz e promotor”, argumenta.
Silvana do Monte Moreira aponta que a previsão legal do domicílio para
estas ações é disposição de ordem pública, ou seja, se impõe e não pode
ser escolhida ou rejeitada. “Mas isso se dá em razão do princípio da
proteção integral das crianças e adolescentes. Assim, fixa-se onde estão
as crianças/adolescentes - presumindo-se que onde estão tem alguém que
por eles responda oficialmente - para facilitar seu acesso à justiça,
bem como os eventuais estudos ou diligências que instruirão o feito.
Tudo é realizado para que se facilite a jurisdição no interesse dos
incapazes protegidos pelo Estatuto da Criança e da Adolescente (ECA)”,
esclarece.
De acordo com a advogada, o juízo competente para a adoção é o do local
onde a criança se encontra quando da entrega, ainda que não seja o da
família adotiva que terá que fazer o pedido no lugar da criança e o
estudo social será feito por meio de carta precatória. Segundo Silvana, a
competência, nos casos de guarda, pode ser alterada no curso do
processo, pois a criança pode mudar de local de residência, muitas vezes
dificultando o andamento do processo, em razão da necessidade de
expedição de precatórias, seja para realização de audiências ou estudo
social. “Sem esquecer que é muito melhor quando, para o juiz que vai
julgar, é o que instrui o processo, como também quando ele tem mais
contato com a assistente social e a psicóloga que atende o caso. Para
que se compreenda a decisão do STJ, é necessário lembrar que o próprio
ECA prevê que crianças e adolescentes em situação de risco têm
preferência de acolhimento em família substituta. Ou seja, uma
integração transitória em uma família até que se encontrem os pais,
responsáveis ou família extensa que possa e tenha condições globais de
recebê-las em definitivo”, explica.
A advogada ainda aconselha que o caso em questão não pode ser
generalizado pois, para decidir, o STJ levou em consideração questões
muito particulares do caso e, mesmo violando o texto da lei, cumpriu a
norma de regência a ela subjacente. “Aparentemente houve um julgamento
que não aplicou o disposto no artigo 147 do ECA, mas, em verdade, fez
cumprir a norma subjacente a ele e que lhe dá razão de existência.
Preocupa-nos, sobremaneira, a abertura de precedentes que tornarão ainda
mais complicados e morosos os processos de adoção, violando
frontalmente os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse
da criança”, completa.
O caso - Segundo os autos do caso, a criança teve os
pais mortos em situação trágica e permaneceu na posse dos assassinos de
seus pais por um pequeno período de tempo. Após o trauma, o menor foi
colocado sob a guarda da Delegada de Polícia que investigou os fatos.
Depois de todo o ocorrido, os avós pleitearam a concorrência pela guarda
do menor diante do Juízo da cidade de Cacoal, em Rondônia, onde a
criança nasceu e todos residem. Assim se criou o conflito entre a vara
da Infância e da Juventude da cidade rondoniense e a 1ª vara
Especializada da Infância e da Juventude de Cuiabá, onde vive a
delegada.
De acordo com o ministro Marco Aurélio Bellizze, o caso possui detalhes
extremos e ressaltou a importância de esclarecer que a decisão se
limita apenas a fixar a competência do Juízo para processar e julgar as
ações que tratam sobre a guarda do menor, e nada mais. O ministro ainda
explicou que a determinação do Juízo declarado competente não está
ligada a nenhum tipo de entendimento acerca do mérito da causa, que
deverá ser julgado seguindo os princípios do processo legal e
assegurando o respeito ao princípio do melhor interesse e bem-estar do
menor. Tal julgamento levará em consideração várias singularidades e
principalmente a formação de vínculo de afetividade criado com a
criança, em decorrência do tempo.
Efeitos da decisão - Para a procuradora de justiça
Kátia Regina Maciel (MP-RJ), presidente da Comissão da Infância e
Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM),
trata-se de um Conflito Positivo de Competência e deve-se acentuar, de
inicio, que a decisão do STJ se fixou apenas na questão processual da
competência e, em momento algum, adentrou no mérito de qual família
deveria cuidar definitivamente do menino e de qual medida seria
adequada. “Como se sabe, com suporte em inúmeros precedentes de
conflitos de competência decorrentes de lides de guarda de filhos, o
Superior Tribunal de Justiça consolidou a Súmula 383 com o seguinte
teor: “A competência para processar e julgar as ações conexas de
interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de
sua guarda”. Havendo, assim, conflito de competência (tanto o positivo
quanto o negativo) entre o juízo de domicílio dos pais biológicos e o
juízo de domicílio dos guardiões da criança e/ou adolescente,
prevalecerá a competência do juízo do domicílio destes”, aponta.
A procuradora expõe que a decisão, a despeito da previsão sumular de
que a competência para a guarda de criança e de adolescente seja fixada
pelo domicílio do guardião, efetuou interpretação além da “letra fria”
da lei e da referida súmula e determinou a competência do local do
domicílio da família extensa da criança que não estava exercendo a
guarda do neto, mas que, de fato, era o responsável pela criança. “
In casu,
fez-se, ainda, uma interpretação do próprio verbete sumular que, ao
usar a expressão "em princípio", sugere que não se deve aplicá-lo de
modo automático, mas sim observar as nuances singulares postas em
litígio”, acentua.
Kátia Maciel explica ainda que a decisão foi explícita em enfatizar que
houve erro em se conceder a guarda à Delegada de Polícia e que esta
situação indevida não poderia fixar a competência para apreciar a medida
adequada a ser aplicada ao menino, pois as raízes de nascimento e
familiares do menor estavam na cidade de Cacoal-RO, local onde reside a
família ampliada que possuía contatos com o menino. “Vale acrescentar
que a família ampliada é uma extensão da família natural (representantes
legais do infante) e que, no falecimento dos pais, por lei, são os
responsáveis apontados para o exercício da guarda e da tutela, conforme
expressamente prevê o artigo 28, §3 º do ECA c/c art. 1731, I do Código
Civil. Portanto, neste caso concreto, afastar este ramo da árvore
genealógica do menino seria amputar os seus demais ascendentes e retirar
dele o direito de conviver com os parentes próximos, sua história e
identidade familiar”, completa.
http://ibdfam.org.br/noticias/5520/STJ+decide+que+domic%C3%ADlio+dos+av%C3%B3s+de+menor+%C3%A9+competente+para+julgar+ado%C3%A7%C3%A3o