24/12/2014 - CIDADANIA
Por: Renan Fonseca (renan.fonseca@abcdmaior.com.br)
Programa de aproximação desenvolve laços entre famílias e jovens em situação de abandono
“Não vejo solução para você, Nícolas. Sua mãe não foi encontrada e não temos notícias de outros parentes.” O garoto de olheiras sobressaltadas escuta com calma e atenção a sentença da juíza à sua frente. A situação do menino de 11 anos não é das mais promissoras. Depois de ver a agressividade do padrasto machucar a mãe, ele e os irmãos, Judas e Ricardo, foram para um abrigo de jovens abandonados. É assim que eles se sentem. Com o Natal se aproximando, Nícolas tem apenas cinco palavras como presente. “Não vejo solução para você.”
Entre os morros de Ribeirão Pires, um salão de beleza quebra a monotonia da cidade com ares interioranos. A proprietária, Maria Helena Almeida Jesus Alves, de 48 anos, se apressa entre um penteado e outro. Com sorriso maternal, ela se lembra da casa recém-reformada para a qual se mudou com o marido Marcelo e o filho Guilherme. As outras quatro filhas já estão todas “criadas”.
Paredes novinhas, reluzem os piscas piscas da árvore de Natal montada na sala. Nos dois quartos, as camas bem arrumadas mostram o zelo de quem tem o capricho no lugar das unhas. Com carinho redobrado, Maria Helena observa a cama gaveta que é usada todos os fins de semana. Nos fundos de casa, a bicicleta que igualmente percorre as ruas e ladeiras da Vila Marquesa de Santos. “Ele me chama de tia Helena”, falou a cabeleireira enquanto busca fôlego para a próxima frase. “Mas vou ficar mais feliz se me chamar de mãe.”
Dentro da sala judicial da Vara da Infância e Juventude, Nícolas encara a juíza, ergue o queixo e com olhos de súplica dispara uma última tentativa. “Eu tenho a solução. A tia Helena, ela e o tio Marcelo são minha única esperança agora.” Nícolas, Judas e Ricardo são nomes fictícios para a história real de um menino que vai passar o segundo Natal consecutivo com aqueles que podem ser seus novos parentes. Ele e seus irmãos tiveram os nomes preservados.
Já Maria Helena e Marcelo Alves não precisam de pseudônimos. Estão contentes por terem conhecido Nícolas.
RIBEIRÃO REALIZA APADRINHAMENTO AFETIVO
Tudo começou há um ano, quando Maria resolveu oferecer cortes de cabelo para as crianças do lar Reconstruindo Laços, que hoje funciona sob administração da Prefeitura de Ribeirão Pires. Após avaliações com a administração do instituto e da Justiça, este ano, foi criado o programa Apadrinhamento Afetivo. O objetivo é permitir que as crianças tenham uma oportunidade de vivenciar outras experiências fora do internato.
No caso de Maria e Marcelo, o apego a Nícolas surgiu espontaneamente. Quando ficaram sabendo da decisão dada por Nícolas à juíza, o amor falou mais alto.
Eles ainda estão no meio do processo de adoção e sob avaliações da Justiça. “Começamos o apadrinhamento sem pensar em adoção. Agora vou fazer de tudo para que ele fique com a gente.”
Nícolas, por ser menor de idade, não pode ser entrevistado.
PROJETO É PIONEIRO ENTRE ENTIDADES LIGADAS ÀS ADMINISTRAÇÕES
Para participar do Apadrinhamento Afetivo é preciso ser morador de Ribeirão Pires. Quem passar pela triagem não tem permissão para levar os menores para outras cidades. O lar possui 16 crianças que estão em condições de participar da aproximação. São menores entre cinco e 12 anos.
“As crianças sabem que não serão adotadas de fato. É apenas uma forma de aproximá-las das famílias”, explicou a diretora do lar Reconstruindo Laços, Maria Adélia Reis. Os menores que passam pelo apadrinhamento têm de ter afinidade com a família interessada.
Antes do processo ser concluído, equipes da Assistência Social e da instituição fazem visitas domiciliares. Além disso, os interessados recebem um minicurso sobre desenvolvimento infantil. Apesar de o programa não estar relacionado com a adoção (que depende exclusivamente de decisões judiciais), dois outros casos vingaram em laços reconstruídos: efetivaram a adoção dos pequenos.
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