Silvana do Monte Moreira, advogada, sócia da MLG ADVOGADOS ASSOCIADOS, presidente da Comissão Nacional de Adoção do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, Diretora de Assuntos Jurídicos da ANGAAD - Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, Presidente da Comissão de Direitos das Crianças e dos Adolescentes da OAB-RJ, coordenadora de Grupos de Apoio à Adoção. Aqui você encontrará páginas com informações necessárias aos procedimentos de habilitação e de adoção.
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
Filhos do Abandono
Reportagem maravilhosa.
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Silvana do Monte Moreira
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MPRJ divulga censo estadual indicando a redução de quase 30% do número de crianças e adolescentes em acolhimento
30/09/2011 16:36
Dados do 7º Censo extraído do Módulo Criança e Adolescente (MCA) apresentado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), nesta sexta-feira (30/09), demonstram que houve evolução na garantia do direito à convivência familiar e comunitária. Das 2.658 crianças atualmente acolhidas no Estado do Rio de Janeiro, 13% estão há mais de dois anos nas entidades. Na primeira medição, realizada há três anos, 38% dos acolhidos estavam nessa condição. Também houve redução de quase 30% no total de crianças e adolescentes acolhidos em relação ao primeiro censo, em que 3.732 crianças e adolescentes encontravam-se acolhidos. Esses números foram revelados em seminário que reuniu cerca de 200 pessoas na sede do MPRJ para debater os direitos da população infanto-juvenil acolhida.
O Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça, Astério Pereira dos Santos, representando Procurador-Geral de Justiça, ressaltou o pioneirismo do MCA no Brasil e destacou a importância do seminário para o Ministério Público. “É a oportunidade que temos de verificar dados históricos para compreender onde estamos e para onde precisamos caminhar. E são muitos os desafios que ainda precisam ser vencidos para garantir o direito à convivência familiar”, afirmou.
Também participaram da mesa de abertura a Subcorregedora-Geral do MPRJ Lígia Portes Santos; a Procuradora de Justiça Rosa Maria Xavier Gomes Carneiro, uma das idealizadoras do MCA; o Coordenador do 4º Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude (4º CAOP), Rodrigo Cézar Medina; a Subcoordenadora do Centro de Estudos Jurídicos do MP (CEJUR), Patricia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos, e a Promotora de Justiça Assessora do 4º CAOp e gestora do MCA, Gabriela Brandt.
MCA ajuda a monitorar a redução do tempo de acolhimento
Ao apresentar o novo censo, Gabriela Brandt provocou a plateia com um questionamento: “Estão a família, a sociedade e o Estado conseguindo garantir às crianças e aos adolescentes brasileiros a proteção integral e, mais precisamente, o direito fundamental à convivência familiar para aqueles que se encontram em situação de acolhimento institucional ou familiar?”. Ela explicou que a partir deste questionamento surgiu o MCA, sistema criado pelo MPRJ em 2007, que permite acesso, em tempo real, às informações relativas a cada criança ou adolescente acolhido no Estado do Rio de Janeiro e ganhou o V prêmio Innovare, em 2008.
De acordo com o 7º Censo, existem 240 entidades no Estado. A maioria está localizada no Município do Rio (43.64%), seguido de Campos dos Goytacazes (6,28%) e Duque de Caxias (6,09%). Gabriela chamou a atenção para o fato de que 15 cidades não possuem entidades de acolhimento e suas crianças e adolescentes são acolhidas em outros Municípios, sendo Itaboraí o campeão, com 14 casos de encaminhamento. Ela também informou que a maioria dos acolhidos está na faixa dos 13 aos 15 anos (22,54%), grupo formado majoritariamente por meninas. Seguindo tendência dos censos anteriores, a negligência, o abandono pelos pais ou responsáveis e a situação de rua continuam sendo os principais motivos de acolhimento.
A gestora do MCA também revelou que, desde a implantação do sistema, o tempo de institucionalização está em declínio, pois além de ter sido reduzido o número de crianças e adolescentes que ficam mais de dois anos acolhidos, também houve aumento no número dos que ficam menos de seis meses: no último censo eram 906 (36,40%), no atual são 1.261 (47,44%). Os demais dados do 7º Censo podem ser acessados no site do MCA.
Abandono x Convivência familiar: um panorama da situação brasileira
A Coordenadora do Direito à Convivência Familiar e Comunitária de Crianças e Adolescentes da Presidência da República, Alice Bittencourt, apresentou as diretrizes que têm norteado os trabalhos do Governo Federal na área da convivência familiar e comunitária, enfatizando a excepcionalidade da medida de acolhimento e a preferência legal pelo acolhimento familiar, que se tornou obrigatório para os Municípios. Ela também revelou que, segundo dados do Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento, das 36.929 crianças e adolescentes acolhidos no país, 57,6% são negros e a maioria está na faixa dos 6 a 11 anos (35,7%).
Em sua exposição, o Coordenador do 4º CAOp, Rodrigo Medina destacou os aspectos legais que compreendem a família como instituição merecedora de proteção especial do Estado e defendeu o fim do improviso e do amadorismo nas instituições de acolhimento. “Acolher exige bem mais do que boas intenções e práticas assistencialistas. “O serviço deve ter aspecto semelhante ao de uma residência e estar inserido na comunidade, em áreas residenciais, oferecendo ambiente acolhedor e condições que garantam um atendimento com padrões de dignidade, sendo indispensável o reordenamento das entidades de acolhimento” explicou o Promotor.
Já o Promotor de Justiça do MP do Rio Grande do Norte, Sasha Alves apresentou algumas reflexões sobre o tempo de acolhimento, a partir de sua experiência em defesa dos direitos da Infância e da Juventude do Estado potiguar. “O tempo de acolhimento e a qualidade de sua permanência será melhor ou pior de acordo com o grau da articulação da rede de proteção ao seu redor”, afirmou.
Os participantes do seminário, na maioria gestores de instituições de acolhimento e demais atores do Sistema de Garantias de Direitos participaram, ainda, de oficinas de trabalho com discussão dos dados dos 7º Censo da População Infanto-juvenil no estado e como eles podem impactar o desenvolvimento de políticas públicas.
No seminário foi realizada, ainda, a premiação do I Concurso Cultural de Desenho e Redação do MCA. Crianças e adolescentes acolhidas de todo o Estado participaram enviando trabalhos com o tema “O futuro dos meus sonhos”. Os vencedores mostraram seus trabalhos e comoveram a plateia ao lerem suas redações. “O que estas crianças desejam é um convívio familiar e o sonho delas é o nosso dever”, concluiu a Promotora Gabriela Brandt no final do encontro.
Dados do 7º Censo extraído do Módulo Criança e Adolescente (MCA) apresentado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), nesta sexta-feira (30/09), demonstram que houve evolução na garantia do direito à convivência familiar e comunitária. Das 2.658 crianças atualmente acolhidas no Estado do Rio de Janeiro, 13% estão há mais de dois anos nas entidades. Na primeira medição, realizada há três anos, 38% dos acolhidos estavam nessa condição. Também houve redução de quase 30% no total de crianças e adolescentes acolhidos em relação ao primeiro censo, em que 3.732 crianças e adolescentes encontravam-se acolhidos. Esses números foram revelados em seminário que reuniu cerca de 200 pessoas na sede do MPRJ para debater os direitos da população infanto-juvenil acolhida.
O Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça, Astério Pereira dos Santos, representando Procurador-Geral de Justiça, ressaltou o pioneirismo do MCA no Brasil e destacou a importância do seminário para o Ministério Público. “É a oportunidade que temos de verificar dados históricos para compreender onde estamos e para onde precisamos caminhar. E são muitos os desafios que ainda precisam ser vencidos para garantir o direito à convivência familiar”, afirmou.
Também participaram da mesa de abertura a Subcorregedora-Geral do MPRJ Lígia Portes Santos; a Procuradora de Justiça Rosa Maria Xavier Gomes Carneiro, uma das idealizadoras do MCA; o Coordenador do 4º Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude (4º CAOP), Rodrigo Cézar Medina; a Subcoordenadora do Centro de Estudos Jurídicos do MP (CEJUR), Patricia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos, e a Promotora de Justiça Assessora do 4º CAOp e gestora do MCA, Gabriela Brandt.
MCA ajuda a monitorar a redução do tempo de acolhimento
Ao apresentar o novo censo, Gabriela Brandt provocou a plateia com um questionamento: “Estão a família, a sociedade e o Estado conseguindo garantir às crianças e aos adolescentes brasileiros a proteção integral e, mais precisamente, o direito fundamental à convivência familiar para aqueles que se encontram em situação de acolhimento institucional ou familiar?”. Ela explicou que a partir deste questionamento surgiu o MCA, sistema criado pelo MPRJ em 2007, que permite acesso, em tempo real, às informações relativas a cada criança ou adolescente acolhido no Estado do Rio de Janeiro e ganhou o V prêmio Innovare, em 2008.
De acordo com o 7º Censo, existem 240 entidades no Estado. A maioria está localizada no Município do Rio (43.64%), seguido de Campos dos Goytacazes (6,28%) e Duque de Caxias (6,09%). Gabriela chamou a atenção para o fato de que 15 cidades não possuem entidades de acolhimento e suas crianças e adolescentes são acolhidas em outros Municípios, sendo Itaboraí o campeão, com 14 casos de encaminhamento. Ela também informou que a maioria dos acolhidos está na faixa dos 13 aos 15 anos (22,54%), grupo formado majoritariamente por meninas. Seguindo tendência dos censos anteriores, a negligência, o abandono pelos pais ou responsáveis e a situação de rua continuam sendo os principais motivos de acolhimento.
A gestora do MCA também revelou que, desde a implantação do sistema, o tempo de institucionalização está em declínio, pois além de ter sido reduzido o número de crianças e adolescentes que ficam mais de dois anos acolhidos, também houve aumento no número dos que ficam menos de seis meses: no último censo eram 906 (36,40%), no atual são 1.261 (47,44%). Os demais dados do 7º Censo podem ser acessados no site do MCA.
Abandono x Convivência familiar: um panorama da situação brasileira
A Coordenadora do Direito à Convivência Familiar e Comunitária de Crianças e Adolescentes da Presidência da República, Alice Bittencourt, apresentou as diretrizes que têm norteado os trabalhos do Governo Federal na área da convivência familiar e comunitária, enfatizando a excepcionalidade da medida de acolhimento e a preferência legal pelo acolhimento familiar, que se tornou obrigatório para os Municípios. Ela também revelou que, segundo dados do Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento, das 36.929 crianças e adolescentes acolhidos no país, 57,6% são negros e a maioria está na faixa dos 6 a 11 anos (35,7%).
Em sua exposição, o Coordenador do 4º CAOp, Rodrigo Medina destacou os aspectos legais que compreendem a família como instituição merecedora de proteção especial do Estado e defendeu o fim do improviso e do amadorismo nas instituições de acolhimento. “Acolher exige bem mais do que boas intenções e práticas assistencialistas. “O serviço deve ter aspecto semelhante ao de uma residência e estar inserido na comunidade, em áreas residenciais, oferecendo ambiente acolhedor e condições que garantam um atendimento com padrões de dignidade, sendo indispensável o reordenamento das entidades de acolhimento” explicou o Promotor.
Já o Promotor de Justiça do MP do Rio Grande do Norte, Sasha Alves apresentou algumas reflexões sobre o tempo de acolhimento, a partir de sua experiência em defesa dos direitos da Infância e da Juventude do Estado potiguar. “O tempo de acolhimento e a qualidade de sua permanência será melhor ou pior de acordo com o grau da articulação da rede de proteção ao seu redor”, afirmou.
Os participantes do seminário, na maioria gestores de instituições de acolhimento e demais atores do Sistema de Garantias de Direitos participaram, ainda, de oficinas de trabalho com discussão dos dados dos 7º Censo da População Infanto-juvenil no estado e como eles podem impactar o desenvolvimento de políticas públicas.
No seminário foi realizada, ainda, a premiação do I Concurso Cultural de Desenho e Redação do MCA. Crianças e adolescentes acolhidas de todo o Estado participaram enviando trabalhos com o tema “O futuro dos meus sonhos”. Os vencedores mostraram seus trabalhos e comoveram a plateia ao lerem suas redações. “O que estas crianças desejam é um convívio familiar e o sonho delas é o nosso dever”, concluiu a Promotora Gabriela Brandt no final do encontro.
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Quase 40 mil crianças esperam em abrigos a chance de ter uma família
Em uma reportagem emocionante, o 'Bom Dia Brasil' mostra como quem realiza esse gesto faz um enorme bem para a criança e para si mesmo.
Quase 40 mil crianças estão em abrigos à espera de uma decisão da Justiça para saber se voltam para a família ou se vão ser adotadas, o que para muitas delas é a oportunidade de uma vida melhor. É a chance de elas terem.
Há três anos a consultora em turismo Carla de Lima Pujol, o arquiteto Wagner Bruno Olivatto e Laura são uma família. O lar ficou feliz desde que esta princesinha chegou. O casal queria ter filhos, mas Carla não engravidava. “Não fez nenhuma diferença o fato de não ter sido gerada por mim e de ter sido adotada”, afirma a consultora em turismo.
Laura queria poder repetir duas palavras que toda criança aprende cedo: papai e mamãe. “Ela veio com a gente já praticamente chamando de papai e mamãe. Ela era bem caladinha, mas agora fala bastante”, comenta o arquiteto Wagner Bruno Olivatto. “Por que eu sou muito feliz? Porque eu tenho meus pais”, resume Laura.
O tema adoção está na nova novela da Rede Globo, “A vida da gente”. Alice, interpretada por Sthefany Brito, foi adotada por Suzana, personagem de Daniela Escobar.
“Acho que é um gesto divino. Eu, pessoalmente, tenho muita vontade de adotar uma criança. Espero que um dia consiga realizar esse desejo”, revela a atriz Sthefany Brito. “É maravilhoso. Tem muita criança no mundo que merece uma segunda chance”, acrescenta a atriz Daniela Escobar.
Nos abrigos de todo o Brasil, vivem quase 40 mil crianças e adolescentes, mas apenas cinco mil estão aptos para adoção, porque a Justiça já decidiu a situação deles. No Cadastro Nacional de Adoção, há cerca de 28 mil interessados em adotar. O caminho é procurar a Vara da Infância e Juventude da cidade. As famílias serão avaliadas e, se consideradas prontas, aguardam na fila.
“A grande base da adoção é a consciência de que nós podemos fazer uma criança feliz. Vou adotar, porque estou sozinho; vou adotar, porque o casamento vai mal; eu preciso de um filho para salvar meu casamento – isso tudo é tolice, não vejo nenhuma base boa nessas coisas todas”, declarou o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da infância e juventude.
A criança que foi abandonada pelos pais já tem muita dificuldade para lidar com a rejeição. Algumas passam por essa experiência tão ruim: duas vezes são adotadas e, ainda durante o período de adaptação com a nova família, que dura um ano, são devolvidas ao abrigo.
A esperança de viver em uma casa nova durou pouco tempo. “Estava tendo umas brigas lá”, contou uma menina. Depois veio a segunda adoção e, de novo, o abandono. “Eles trabalhavam bastante”, lembra. A história da menina de 10 anos rejeitada por duas famílias não é tão incomum, por mais cruel que pareça. Em dois anos, no abrigo onde ela está, outras cinco crianças foram devolvidas.
“Parece mercadoria e infelizmente é assim. Isso faz com que ela tenha muita dificuldade de criar novos vínculos e até mesmo de acreditar numa próxima família que possa a vir ter interesse nela”, afirma a psicóloga Helena Zgierski.
A criança cresce e a chance de ganhar novos pais diminui. O processo de adoção às vezes é lento, porque algumas famílias fazem muitas exigências. A maioria quer menina, recém-nascida e branca. A maior parte também dá preferência para uma criança só, mas há muitas crianças nos abrigos que têm irmãos.
A saudade é enorme desde que dois irmãos pequenos foram adotados por um italiano, há poucos meses. “Queria poder estar junto deles. Dia 15 mesmo é aniversário do meu irmão e eu não vou poder estar com ele”, disse uma menina.
“Em princípio, essas crianças têm de ficar juntas. No entanto, às vezes há a necessidade de uma parcial separação. Essas crianças irão para duas, três ou quatro famílias, mas essas famílias vão assumir o compromisso de fazerem com que essas crianças estejam sempre juntas”, contou o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da infância e juventude.
Laura se encontra todo mês com os outros dois irmãos, que foram adotados por outras famílias. Agora ela vai ganhar mais uma irmãzinha. “A gente está indo para um segundo processo de adoção”, disse a consultora em turismo Carla de Lima Pujol. “Ela vai ficar com a minha motoca e eu vou ficar com a minha bicicleta”, brinca Laura, num ciúme bobinho de uma criança que está contente com a família que cresce.
Ao todo, 77% das crianças abandonadas, cadastradas pelo Conselho Nacional de Justiça, têm irmãos. Infelizmente, estão aumentando os casos em que a família adota irmãos e depois quer devolver um deles.
Quase 40 mil crianças estão em abrigos à espera de uma decisão da Justiça para saber se voltam para a família ou se vão ser adotadas, o que para muitas delas é a oportunidade de uma vida melhor. É a chance de elas terem.
Há três anos a consultora em turismo Carla de Lima Pujol, o arquiteto Wagner Bruno Olivatto e Laura são uma família. O lar ficou feliz desde que esta princesinha chegou. O casal queria ter filhos, mas Carla não engravidava. “Não fez nenhuma diferença o fato de não ter sido gerada por mim e de ter sido adotada”, afirma a consultora em turismo.
Laura queria poder repetir duas palavras que toda criança aprende cedo: papai e mamãe. “Ela veio com a gente já praticamente chamando de papai e mamãe. Ela era bem caladinha, mas agora fala bastante”, comenta o arquiteto Wagner Bruno Olivatto. “Por que eu sou muito feliz? Porque eu tenho meus pais”, resume Laura.
O tema adoção está na nova novela da Rede Globo, “A vida da gente”. Alice, interpretada por Sthefany Brito, foi adotada por Suzana, personagem de Daniela Escobar.
“Acho que é um gesto divino. Eu, pessoalmente, tenho muita vontade de adotar uma criança. Espero que um dia consiga realizar esse desejo”, revela a atriz Sthefany Brito. “É maravilhoso. Tem muita criança no mundo que merece uma segunda chance”, acrescenta a atriz Daniela Escobar.
Nos abrigos de todo o Brasil, vivem quase 40 mil crianças e adolescentes, mas apenas cinco mil estão aptos para adoção, porque a Justiça já decidiu a situação deles. No Cadastro Nacional de Adoção, há cerca de 28 mil interessados em adotar. O caminho é procurar a Vara da Infância e Juventude da cidade. As famílias serão avaliadas e, se consideradas prontas, aguardam na fila.
“A grande base da adoção é a consciência de que nós podemos fazer uma criança feliz. Vou adotar, porque estou sozinho; vou adotar, porque o casamento vai mal; eu preciso de um filho para salvar meu casamento – isso tudo é tolice, não vejo nenhuma base boa nessas coisas todas”, declarou o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da infância e juventude.
A criança que foi abandonada pelos pais já tem muita dificuldade para lidar com a rejeição. Algumas passam por essa experiência tão ruim: duas vezes são adotadas e, ainda durante o período de adaptação com a nova família, que dura um ano, são devolvidas ao abrigo.
A esperança de viver em uma casa nova durou pouco tempo. “Estava tendo umas brigas lá”, contou uma menina. Depois veio a segunda adoção e, de novo, o abandono. “Eles trabalhavam bastante”, lembra. A história da menina de 10 anos rejeitada por duas famílias não é tão incomum, por mais cruel que pareça. Em dois anos, no abrigo onde ela está, outras cinco crianças foram devolvidas.
“Parece mercadoria e infelizmente é assim. Isso faz com que ela tenha muita dificuldade de criar novos vínculos e até mesmo de acreditar numa próxima família que possa a vir ter interesse nela”, afirma a psicóloga Helena Zgierski.
A criança cresce e a chance de ganhar novos pais diminui. O processo de adoção às vezes é lento, porque algumas famílias fazem muitas exigências. A maioria quer menina, recém-nascida e branca. A maior parte também dá preferência para uma criança só, mas há muitas crianças nos abrigos que têm irmãos.
A saudade é enorme desde que dois irmãos pequenos foram adotados por um italiano, há poucos meses. “Queria poder estar junto deles. Dia 15 mesmo é aniversário do meu irmão e eu não vou poder estar com ele”, disse uma menina.
“Em princípio, essas crianças têm de ficar juntas. No entanto, às vezes há a necessidade de uma parcial separação. Essas crianças irão para duas, três ou quatro famílias, mas essas famílias vão assumir o compromisso de fazerem com que essas crianças estejam sempre juntas”, contou o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da infância e juventude.
Laura se encontra todo mês com os outros dois irmãos, que foram adotados por outras famílias. Agora ela vai ganhar mais uma irmãzinha. “A gente está indo para um segundo processo de adoção”, disse a consultora em turismo Carla de Lima Pujol. “Ela vai ficar com a minha motoca e eu vou ficar com a minha bicicleta”, brinca Laura, num ciúme bobinho de uma criança que está contente com a família que cresce.
Ao todo, 77% das crianças abandonadas, cadastradas pelo Conselho Nacional de Justiça, têm irmãos. Infelizmente, estão aumentando os casos em que a família adota irmãos e depois quer devolver um deles.
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quinta-feira, 29 de setembro de 2011
LICENÇA MATERNIDADE NA ADOÇÃO: UMA NECESSIDADE; UM DIREITO
23/09/2011
Maristela Missio *
Com base na minha experiência de mãe adotiva de uma criança de 11 anos (época da adoção), quero alertar a todas as mães adotivas do direito à licença maternidade. Por ser servidora pública estadual me foi negada a licença ao fundamento de que, considerando a idade da criança, não existia amparo legal na legislação para trabalhadoras em regime estatutário.
A licença maternidade é um direito fundamental, tanto do adotante quanto do adotado. Não é justo, nem democrático a impossibilidade do benefício às servidoras públicas, ferindo o princípio da igualdade que está na Constituição Federal. Inconformada, procurei meus direitos na justiça, e um ano e seis meses depois me foi concedida a licença maternidade de 120 dias pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
O tempo de espera para a mãe adotiva chega, muitas vezes, a durar anos. Sem data prevista e sem a presença do filho, a mãe se prepara para receber uma criança que ela idealiza, diferentemente da mãe gestante que tem nove meses para construir, porém junto com o filho gerado, os laços afetivos de mãe e filho.
Ao findar esse tempo, a mãe adotiva leva para casa seu filho, na maioria das vezes diferente do idealizado. Mas um menino ou menina que já tem uma história, um passado repleto de inseguranças e perdas. Uma criança ou adolescente que precisa ser acolhida e aceita em sua integridade, com sua beleza e originalidade, mas também com suas limitações e dificuldades.
Mãe e filho precisam ainda conquistar um ao outro para construírem juntos, o vínculo materno-filial. Essa construção não acontece como num passe de mágica, ela requer um tempo para se conhecerem. É neste tempo de adaptação que surgem as dificuldades e os desafios que uma adoção implica. Cada adoção tem uma trajetória única e singular, porém são observados comportamentos que são comuns, principalmente em casos de crianças maiores e adolescentes.
Assim, nessa relação entre pais e filhos podem surgir comportamentos regressivos da criança, agressividades, atropelamento de etapas na construção do vínculo de filiação, manifestações de emoções intensas, entre outros. Comportamentos esses, que muitas vezes podem afetar a construção da relação afetiva de ambos os lados.
Para construir uma relação saudável, a mãe precisa detectar e aprender a lidar com essas situações, ao mesmo tempo mantendo atitudes firmes e impondo limites, sempre com muita paciência, compreensão, renúncia e amor. A construção do vínculo e sua consolidação é uma conquista mútua e diária, principalmente no período de adaptação. Faz-se necessário a presença da mãe em tempo integral, independente da idade da criança na época da adoção. Mas como não deixar a criança sob os cuidados básicos de terceiros, nesse período de adaptação, se é vedado à mãe o direito à licença maternidade quando esta é servidora pública do regime estatutário?
A legislação estadual em vigor, art. 59 da Lei no 3.150/2005, em conformidade com a legislação federal, art. 392-A da Lei nº 10.421/2002, assegura licença maternidade às mães adotivas de acordo com a idade da criança: 120 dias se ela tiver até um ano; 60 dias de 1 a 4 e 30 dias de 4 a 8 anos. Mas, não satisfaz a plena igualdade entre trabalhadoras, a que rege a Constituição Federal, já que concede um período menor à adotante do que o concedido à gestante e, ainda, nega a licença se a criança possuir mais de 8 anos.
Já a Lei nº 12.010/2009, revoga o artigo 392-A e garante às trabalhadoras em regime celetista a licença maternidade de 120 dias, independente da idade da criança. A lei avança, porém, ainda contraria os fundamentos constitucionais ao não conceder licença às trabalhadoras em regime estatutário.
A ausência de lei estadual não pode ser um entrave à concretização do direito fundamental da mãe e da criança só porque aquela se encontra regida pelo regime estatutário e não pelo celetista.
Resta-nos, como mães adotivas, buscarmos nossos direitos e clamarmos aos legisladores mudanças dessa anomalia na lei, a fim de dar amparo à concessão da licença maternidade também para as mães adotivas que são servidoras públicas.
Neste artigo, não faço referência ao pai ou qualquer outro membro da família adotante, simplesmente pelo fato de que a licença maternidade é concedida à mãe. Sem com isso, desprezar a necessidade e o direito à licença paternidade quando a criança é adotada apenas por um pai ou no caso de casais homoafetivos.
* Professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e membro do GAAD - Grupo de Apoio á Adoção de Dourados Acolher
Maristela Missio *
Com base na minha experiência de mãe adotiva de uma criança de 11 anos (época da adoção), quero alertar a todas as mães adotivas do direito à licença maternidade. Por ser servidora pública estadual me foi negada a licença ao fundamento de que, considerando a idade da criança, não existia amparo legal na legislação para trabalhadoras em regime estatutário.
A licença maternidade é um direito fundamental, tanto do adotante quanto do adotado. Não é justo, nem democrático a impossibilidade do benefício às servidoras públicas, ferindo o princípio da igualdade que está na Constituição Federal. Inconformada, procurei meus direitos na justiça, e um ano e seis meses depois me foi concedida a licença maternidade de 120 dias pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
O tempo de espera para a mãe adotiva chega, muitas vezes, a durar anos. Sem data prevista e sem a presença do filho, a mãe se prepara para receber uma criança que ela idealiza, diferentemente da mãe gestante que tem nove meses para construir, porém junto com o filho gerado, os laços afetivos de mãe e filho.
Ao findar esse tempo, a mãe adotiva leva para casa seu filho, na maioria das vezes diferente do idealizado. Mas um menino ou menina que já tem uma história, um passado repleto de inseguranças e perdas. Uma criança ou adolescente que precisa ser acolhida e aceita em sua integridade, com sua beleza e originalidade, mas também com suas limitações e dificuldades.
Mãe e filho precisam ainda conquistar um ao outro para construírem juntos, o vínculo materno-filial. Essa construção não acontece como num passe de mágica, ela requer um tempo para se conhecerem. É neste tempo de adaptação que surgem as dificuldades e os desafios que uma adoção implica. Cada adoção tem uma trajetória única e singular, porém são observados comportamentos que são comuns, principalmente em casos de crianças maiores e adolescentes.
Assim, nessa relação entre pais e filhos podem surgir comportamentos regressivos da criança, agressividades, atropelamento de etapas na construção do vínculo de filiação, manifestações de emoções intensas, entre outros. Comportamentos esses, que muitas vezes podem afetar a construção da relação afetiva de ambos os lados.
Para construir uma relação saudável, a mãe precisa detectar e aprender a lidar com essas situações, ao mesmo tempo mantendo atitudes firmes e impondo limites, sempre com muita paciência, compreensão, renúncia e amor. A construção do vínculo e sua consolidação é uma conquista mútua e diária, principalmente no período de adaptação. Faz-se necessário a presença da mãe em tempo integral, independente da idade da criança na época da adoção. Mas como não deixar a criança sob os cuidados básicos de terceiros, nesse período de adaptação, se é vedado à mãe o direito à licença maternidade quando esta é servidora pública do regime estatutário?
A legislação estadual em vigor, art. 59 da Lei no 3.150/2005, em conformidade com a legislação federal, art. 392-A da Lei nº 10.421/2002, assegura licença maternidade às mães adotivas de acordo com a idade da criança: 120 dias se ela tiver até um ano; 60 dias de 1 a 4 e 30 dias de 4 a 8 anos. Mas, não satisfaz a plena igualdade entre trabalhadoras, a que rege a Constituição Federal, já que concede um período menor à adotante do que o concedido à gestante e, ainda, nega a licença se a criança possuir mais de 8 anos.
Já a Lei nº 12.010/2009, revoga o artigo 392-A e garante às trabalhadoras em regime celetista a licença maternidade de 120 dias, independente da idade da criança. A lei avança, porém, ainda contraria os fundamentos constitucionais ao não conceder licença às trabalhadoras em regime estatutário.
A ausência de lei estadual não pode ser um entrave à concretização do direito fundamental da mãe e da criança só porque aquela se encontra regida pelo regime estatutário e não pelo celetista.
Resta-nos, como mães adotivas, buscarmos nossos direitos e clamarmos aos legisladores mudanças dessa anomalia na lei, a fim de dar amparo à concessão da licença maternidade também para as mães adotivas que são servidoras públicas.
Neste artigo, não faço referência ao pai ou qualquer outro membro da família adotante, simplesmente pelo fato de que a licença maternidade é concedida à mãe. Sem com isso, desprezar a necessidade e o direito à licença paternidade quando a criança é adotada apenas por um pai ou no caso de casais homoafetivos.
* Professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e membro do GAAD - Grupo de Apoio á Adoção de Dourados Acolher
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quarta-feira, 28 de setembro de 2011
QUANDO A ADOÇÃO ACONTECE DEPOIS DA ESTABILIDADE FINANCEIRA E FAMILIAR
QUANDO A ADOÇÃO ACONTECE DEPOIS DA ESTABILIDADE FINANCEIRA E FAMILIAR
23/09/2011
Por Sílvio Oliveira
Dias de procura e casa cheia de crianças no Natal para saber se realmente era aquilo que desejava. Encontros e desencontros com crianças em instituições de acolhimento e incentivo de adoção dos filhos mais velhos. A professora Tereza Cristina Cerqueira das Graças se emociona ao lembrar do dia em que entrou numa instituição de acolhimento e literalmente parou ao cruzar com um sorriso encantador (como ela define) de “um rapazinho negro, de 9 anos, pequeno e magrinho, de olhos grandes, jeito tímido, que tinha sido tomado da família aos 5 anos e que cuja mãe era alcoólatra e havia morrido há alguns meses”.
Ela sabia que era aquele sorriso o sinal de que precisava para iniciar o processo de adoção de um novo rebento. Dois filhos biológicos, vários irmãos criados por ela por ser a mais velha da família, estabilizada profissionalmente, Tereza não titubeou em encampar o processo de adoção. “Quando vi o menino e ele sorriu timidamente para mim, disse a mim mesma: ‘Como é que eu não tinha prestado atenção nesse neguinho! Que coisa mais linda e doce!...’”, lembra.
Não demorou muito para Tereza Cerqueira levar o menino para passar o Natal pela primeira vez em família. Ela voltou a levá-lo no Ano Novo e nos finais de semana do mês de janeiro, quando decidiu que queria adotá-lo. “Voltei ao Juizado e fui orientada em como proceder. Tratava-se de uma adoção tardia, como eles chamam, e seria mais rápido”, conta.
O vínculo afetivo se estabeleceu rapidamente e as idas de Toninho à casa de Tereza, além de visitas de assistentes sociais e psicólogo se intensificaram. A pedido da direção da instituição de acolhimento, todavia, Tereza Cerqueira ficou impossibilitada de contar ao futuro filho que ele iria ser adotado por ela, para não criar expectativas, já que a adoção estava em processo e poderia não acontecer.
A história passou a ser curiosa, pois o menino sabia que iria ser adotado, porém não por ela. “À noite, coloquei ele para dormir comigo e perguntei o que estava acontecendo. Ele me disse, com lágrimas nos olhos: ‘Tia, eu vou ser adotado! Eu não quero ser adotado, eu tenho família. Eu queria voltar para minha família!’ Eu lhe disse que ficasse calmo, que iria ser melhor para ele, que quem queria adotá-lo, certamente, gostava muito dele. Ele respondeu: ‘Como gosta de mim se nem me conhece?!’ E, para o meu desespero, completou: ‘Tia, se eu não for para São Paulo, a senhora vai me visitar? Por que se eu ficar por aqui eu fujo para lhe ver!’ Eu prometi que iria manter contato com ele”, revela.
A orientação partiu da instituição de que ela só deveria dizer em um dia especial e com calma. Não teve melhor hora. Numa manhã o neto de cinco anos estava tomando café com Toninho e perguntou a ela: “Vó, quando é que você vai adotar Toninho?”.
Ela não teve mais como esconder e comunicou aos dois o processo. “Na mesma hora ele me abraçou e me perguntou se poderia me chamar de mãe. Seu nome sofreu modificações por que ele assim quis e o sobrenome “Cerqueira da Graça” ele ostenta com muito orgulho hoje; chega a impostar a voz para dizer o nome completo!”
Nem tudo é felicidade
Como em qualquer outro relacionamento de mãe e filho, nem tudo é só felicidade. Por vezes o medo de que a família biológica apareça causa temor em maioria das famílias adotivas.
Tereza Cristina faz parte dessa premissa e diz que mudou alguns hábitos, como freqüentar lugares que trazem lembranças a Toninho. “Não nego que tenho receio de que o achem e tentem se aproximar. Mas, isso será uma decisão dele, quando chegar a idade. Até lá, não quero nenhuma aproximação; faço de tudo para não levá-lo a lugares onde alguém possa reconhecê-lo. Ademais, ele nunca mais falou sobre eles e espero que continue assim... Outro dia, estava numa lanchonete e alguém gritou: Toninho! Meu coração disparou, somente se acalmando quando constatei que era uma pessoa que havia trabalhado no abrigo antes de eu aparecer na vida dele, e nos felicitou pela adoção”, conta.
A psicóloga Elenrose Paesante destaca que sempre existirá a possibilidade de a família biológica aparecer em qualquer família adotiva, assim como esta família sempre existirá dentro do cognitivo da criança, pois todas as sensações vividas ainda na vida intra-uterina são registradas a nível celular.
Segundo a psicóloga, a grande questão é como a família vai lidar no dia a dia. “O importante é que se vá falando de forma natural para que a criança possa ir crescendo sendo sabedora dos fatos de sua vida, sem que seja preciso gerar tensão, nem para os pais e nem para o filho adotivo. Um profissional especializado poderá conduzir a família no que diz respeito a esta revelação”, conclui.
Preconceito
Tereza Cristina ainda é enfática ao ser questionada sobre o preconceito das pessoas em adotar uma criança negra e maior de seis anos. “O pior é o preconceito das pessoas”, enfatiza.
O preconceito nessas situações tem embasamento histórico e remete a época das fazendas escravocratas, onde os senhores de terra criavam negrinhos ou negrinhas dentro de casa, muitas vezes na condição de afilhados. Mas, eram apenas pequenos empregados que eram humilhados e violentados. “Uma parente me perguntou onde encontrei Toninho. Ela me disse que estava pensando em adotar um menino. Está ficando velha e precisa de alguém para fazer mandados e herdar os bens dela, já que não tem para quem deixar. O que esperar de uma adoção desse tipo?”,pergunta.
Ela conta que encontrou uma pessoa na academia e esta falou que jamais teria coragem de adotar um menino tão grande, ainda mais que passou por um abrigo. "Ele dizia: Deus me livre! Eu parabenizo você, mas jamais teria coragem!" Essas pessoas confundem os abrigos atuais com os antigos orfanatos, que eram essencialmente, casas de correção e, principalmente, não acreditam na possibilidade de mudança do ser humano! Não acreditam na força do afeto”, ressalta.
Em outra ocasião, ela encontrou com uma pessoa que ela nunca mais tinha visto, mas que sabia que tinha adotado uma criança negra. Na ocasião a pessoa, preconceituosamente, olhou e perguntou se era o menino que ela criava:
"É este que você tá (sic) criando, é Cristina? Eu fui agressiva: 'Tá (sic) criando, não. Ele é meu filho. O nome dele é Toninho Cerqueira da Graça".
Fonte: http://www.f5news.com.br/noticia.asp?ContId=1249
23/09/2011
Por Sílvio Oliveira
Dias de procura e casa cheia de crianças no Natal para saber se realmente era aquilo que desejava. Encontros e desencontros com crianças em instituições de acolhimento e incentivo de adoção dos filhos mais velhos. A professora Tereza Cristina Cerqueira das Graças se emociona ao lembrar do dia em que entrou numa instituição de acolhimento e literalmente parou ao cruzar com um sorriso encantador (como ela define) de “um rapazinho negro, de 9 anos, pequeno e magrinho, de olhos grandes, jeito tímido, que tinha sido tomado da família aos 5 anos e que cuja mãe era alcoólatra e havia morrido há alguns meses”.
Ela sabia que era aquele sorriso o sinal de que precisava para iniciar o processo de adoção de um novo rebento. Dois filhos biológicos, vários irmãos criados por ela por ser a mais velha da família, estabilizada profissionalmente, Tereza não titubeou em encampar o processo de adoção. “Quando vi o menino e ele sorriu timidamente para mim, disse a mim mesma: ‘Como é que eu não tinha prestado atenção nesse neguinho! Que coisa mais linda e doce!...’”, lembra.
Não demorou muito para Tereza Cerqueira levar o menino para passar o Natal pela primeira vez em família. Ela voltou a levá-lo no Ano Novo e nos finais de semana do mês de janeiro, quando decidiu que queria adotá-lo. “Voltei ao Juizado e fui orientada em como proceder. Tratava-se de uma adoção tardia, como eles chamam, e seria mais rápido”, conta.
O vínculo afetivo se estabeleceu rapidamente e as idas de Toninho à casa de Tereza, além de visitas de assistentes sociais e psicólogo se intensificaram. A pedido da direção da instituição de acolhimento, todavia, Tereza Cerqueira ficou impossibilitada de contar ao futuro filho que ele iria ser adotado por ela, para não criar expectativas, já que a adoção estava em processo e poderia não acontecer.
A história passou a ser curiosa, pois o menino sabia que iria ser adotado, porém não por ela. “À noite, coloquei ele para dormir comigo e perguntei o que estava acontecendo. Ele me disse, com lágrimas nos olhos: ‘Tia, eu vou ser adotado! Eu não quero ser adotado, eu tenho família. Eu queria voltar para minha família!’ Eu lhe disse que ficasse calmo, que iria ser melhor para ele, que quem queria adotá-lo, certamente, gostava muito dele. Ele respondeu: ‘Como gosta de mim se nem me conhece?!’ E, para o meu desespero, completou: ‘Tia, se eu não for para São Paulo, a senhora vai me visitar? Por que se eu ficar por aqui eu fujo para lhe ver!’ Eu prometi que iria manter contato com ele”, revela.
A orientação partiu da instituição de que ela só deveria dizer em um dia especial e com calma. Não teve melhor hora. Numa manhã o neto de cinco anos estava tomando café com Toninho e perguntou a ela: “Vó, quando é que você vai adotar Toninho?”.
Ela não teve mais como esconder e comunicou aos dois o processo. “Na mesma hora ele me abraçou e me perguntou se poderia me chamar de mãe. Seu nome sofreu modificações por que ele assim quis e o sobrenome “Cerqueira da Graça” ele ostenta com muito orgulho hoje; chega a impostar a voz para dizer o nome completo!”
Nem tudo é felicidade
Como em qualquer outro relacionamento de mãe e filho, nem tudo é só felicidade. Por vezes o medo de que a família biológica apareça causa temor em maioria das famílias adotivas.
Tereza Cristina faz parte dessa premissa e diz que mudou alguns hábitos, como freqüentar lugares que trazem lembranças a Toninho. “Não nego que tenho receio de que o achem e tentem se aproximar. Mas, isso será uma decisão dele, quando chegar a idade. Até lá, não quero nenhuma aproximação; faço de tudo para não levá-lo a lugares onde alguém possa reconhecê-lo. Ademais, ele nunca mais falou sobre eles e espero que continue assim... Outro dia, estava numa lanchonete e alguém gritou: Toninho! Meu coração disparou, somente se acalmando quando constatei que era uma pessoa que havia trabalhado no abrigo antes de eu aparecer na vida dele, e nos felicitou pela adoção”, conta.
A psicóloga Elenrose Paesante destaca que sempre existirá a possibilidade de a família biológica aparecer em qualquer família adotiva, assim como esta família sempre existirá dentro do cognitivo da criança, pois todas as sensações vividas ainda na vida intra-uterina são registradas a nível celular.
Segundo a psicóloga, a grande questão é como a família vai lidar no dia a dia. “O importante é que se vá falando de forma natural para que a criança possa ir crescendo sendo sabedora dos fatos de sua vida, sem que seja preciso gerar tensão, nem para os pais e nem para o filho adotivo. Um profissional especializado poderá conduzir a família no que diz respeito a esta revelação”, conclui.
Preconceito
Tereza Cristina ainda é enfática ao ser questionada sobre o preconceito das pessoas em adotar uma criança negra e maior de seis anos. “O pior é o preconceito das pessoas”, enfatiza.
O preconceito nessas situações tem embasamento histórico e remete a época das fazendas escravocratas, onde os senhores de terra criavam negrinhos ou negrinhas dentro de casa, muitas vezes na condição de afilhados. Mas, eram apenas pequenos empregados que eram humilhados e violentados. “Uma parente me perguntou onde encontrei Toninho. Ela me disse que estava pensando em adotar um menino. Está ficando velha e precisa de alguém para fazer mandados e herdar os bens dela, já que não tem para quem deixar. O que esperar de uma adoção desse tipo?”,pergunta.
Ela conta que encontrou uma pessoa na academia e esta falou que jamais teria coragem de adotar um menino tão grande, ainda mais que passou por um abrigo. "Ele dizia: Deus me livre! Eu parabenizo você, mas jamais teria coragem!" Essas pessoas confundem os abrigos atuais com os antigos orfanatos, que eram essencialmente, casas de correção e, principalmente, não acreditam na possibilidade de mudança do ser humano! Não acreditam na força do afeto”, ressalta.
Em outra ocasião, ela encontrou com uma pessoa que ela nunca mais tinha visto, mas que sabia que tinha adotado uma criança negra. Na ocasião a pessoa, preconceituosamente, olhou e perguntou se era o menino que ela criava:
"É este que você tá (sic) criando, é Cristina? Eu fui agressiva: 'Tá (sic) criando, não. Ele é meu filho. O nome dele é Toninho Cerqueira da Graça".
Fonte: http://www.f5news.com.br/noticia.asp?ContId=1249
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Silvana do Monte Moreira
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terça-feira, 27 de setembro de 2011
CRESCE O NÚMERO DE CRIANÇAS QUE SÃO DEVOLVIDAS PELOS PAIS ADOTIVOS EM BELO HORIZONTE
Publicado em 19/09/2011
Pela primeira vez, o órgão prepara levantamento de ocorrências do tipo, que deve ser divulgado em dezembro deste ano
Cresce o número de crianças que são devolvidas pelos pais adotivos em Belo Horizonte. A afirmação é da coordenadora de orientação e fiscalização das entidades sociais da Vara Cível da Infância e da Juventude, Nádia Queiroz. Pela primeira vez, o órgão prepara levantamento de ocorrências do tipo, que deve ser divulgado em dezembro deste ano.
"Esses casos sempre foram raros. Mas percebemos um aumento significativo nesse último ano", explica Nádia. Com 20 anos de experiência na Vara, a psicóloga e coordenadora técnica Rosilene Miranda estima ter atendido mais de dez situações de devolução.
Muitos casos tramitam em sigilo pela Justiça, por isso, passam despercebidos pela sociedade, segundo a professora de sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Maria Lygia Quartim. "Pai adotivo querer devolver uma criança é mais comum do que se sabe", avalia.
Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça nunca tratou de destituição do poder familiar de pais adotivos, como afirma o presidente da comissão de defesa dos direitos da criança, adolescente, jovem e idoso da OAB-MG, Stanley Ramos.
Mas no Sul do país, um casal de Santa Catarina - seis anos após adotar dois irmãos - tentou devolver o mais velho, alegando problemas de relacionamento. Com isso, eles perderam a guarda do garoto, de 12 anos, e da menina, de dez, e tiveram que indenizar cada criança em R$ 40 mil.
Stanley Ramos diz ter ficado "estupefato" ao saber da atitude da família catarinense. "Eu mandaria prender. Isso é contra a humanidade", endossa. Ele explica que em casos semelhantes, os responsáveis poderiam responder a crime de abandono de incapaz ou por maus tratos.
A Justiça deveria ser mais rígida tanto com os pais adotivos que abandonam os filhos, quanto com os responsáveis que desistem da guarda, na avaliação da coordenadora do TJ Criança Abriga, Flávia Figueiredo.
Atualmente, a instituição abriga um menino e uma menina, de 4 anos, que foram devolvidos pelos pais responsáveis pela guarda deles, em menos de um ano. Ambas foram entregues aos prantos na instituição e, hoje, recebem acompanhamento psico-terapêutico. "O segundo acolhimento numa instituição é ainda mais traumático. Na cabeça da criança fica a ideia: ninguém gosta de mim", analisa.
Em um primeiro momento, a criança fica sob a guarda da família, geralmente por um ano. Nesse tempo, o termo de guarda pode ser revogado pela vontade dos pais ou por uma sentença do juiz, como explica a assistente social da Vara Cível da Infância e Juventude de BH, Lúcia Regina.
A pesquisadora Maria Lygia critica essa prática da guarda sem responsabilidade legal dos pais. "É um escândalo devolver depois de seis anos, mas depois de um ano não é crime devolver", ironiza.
Rosilene Miranda, psicóloga da Vara, afirma que são muitas as sequelas para as crianças que são abandonadas também pelos pais adotivos. "A criança vai ter mais dificuldade em criar vínculos, e perder a confiança em si mesma e nos outros". Além disso, ela reforça que a criança pode perder a única chance de ser adotada, já que a maior parte dos pretendentes à adoção deseja crianças de até três anos.
A maioria dos pais aponta como motivo de devolução a dificuldade de relacionamento com o menor. "Eles chegam a dizer que as crianças são muito teimosas e podem entrar em uma situação de risco", exemplifica Rosilene. E afirma que a Vara oferece sempre ajuda psico-social à família e que esclarece sobre o universo infanto-juvenil aos pais antes de firmar a guarda.
Brasil tem 4.856 pequenos cidadãos em busca de uma família
O problema é que esses pequenos brasileiros não se encaixam no perfil exigido pela maioria dos 27.478 candidatos a pais.
Eles gostam de pular corda, bater figurinhas e, principalmente, de jogar futebol. Jorge, de 13 anos, Gustavo, de 10, e Pedro (nomes fictícios), de 9, dominam com precisão as normas dessas e de outras brincadeiras. Mas nenhum dos garotos consegue explicar as regras da vida para que não tenham uma família como outras crianças. Ao serem questionados, os meninos abaixam a cabeça. A assistente social Susana Maia, diretora do Lar Marista, onde eles estão abrigados, lamenta a situação. “Os três já estão aqui há dois anos, sem passar por processo de adoção”.
Jorge, Gustavo e Pedro pertencem ao grupo de 4.856 crianças, no Brasil, que têm mínimas chances de encontrar uma nova família. O problema não está na falta de pais pretendentes. Na fila dos adotantes estão 27.478 pessoas, uma média de cinco interessadas para cada criança.
A solução numérica não funciona na prática porque grande parte dos menores não tem o perfil procurado pelos candidatos a pais. “O filho sonhado não pode ser negro, ter irmão ou idade superior a 2 anos ou ser soropositivo”, afirma a coordenadora da Política de Convivência Familiar e Comunitária da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, Alice Bittencourt.
A cada aniversário da criança, diminui a probabilidade dela ser adotada. O Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça revela que cerca de 20% dos pais desejam um filho com até 3 anos. Quando o menino ou a menina chega aos 4, as chances de ganhar um lar caem pela metade (9,96%). Mas as menores faixas de interesse se concentram entre os 6 e os 17 anos: 2,99% e 0,06%, respectivamente.
Também há uma preferência majoritária por crianças brancas. Mais de 90% dos pais em potencial querem um filho nesse perfil. Já os dispostos a acolher um negro representam quase um terço disso: 33,38%. Desejos bem distantes da realidade dos jovens à espera de uma família. Negros e pardos aptos à adoção são 3.146 (64%), enquanto o total de brancos é de 1.656 (34%). “Não conseguimos casar os números. Esbarramos no preconceito”, constata Alice.
A intenção dos pais pretendentes revela uma cultura que repudia também o sexo masculino. “A maioria quer uma menina, porque acha que é mais fácil de criar”, argumenta a diretora jurídica da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Silvana do Monte Moreira.
As preferências vêm da falta de informação sobre o universo infantojuvenil, diz a coordenadora técnica da Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte, Rosilene Miranda. Ela avalia que os pais acreditam ser mais simples resolver, por exemplo, o desvio de caráter de um recém-nascido do que o de um garoto de 10 anos. “Os adultos têm medo das experiências já vividas pela criança”.
Silvana, da Angaad, ressalta que a educação de um menor sempre será um desafio. “A gente não diz que adotar significa entrar em um mundo cor-de-rosa. Mas mostramos como é bom enfrentar isso tudo para formar uma família com base no amor e no afeto”, diz a diretora, também mãe adotiva.
Amor vence a resistência dos pais
Moradores de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, Weber Neder Issa, de 58 anos, e Raquel, de 38, também tinham preferências quando resolveram adotar um filho. “No começo, a gente queria um recém-nascido”, conta Raquel.
Mas depois de conhecer, pela internet, experiências bem-sucedidas de outras famílias e de participar de uma palestra sobre o assunto, o casal mudou de ideia. Conheceu C. e decidiu adotá-la.
Na época, a menina tinha 10 anos e vivia em um abrigo a 100 quilômetros de São João del-Rei. “Durante o estágio de convivência, todo fim de semana a gente fazia esse trajeto duas vezes, para levá-la e buscá-la”, recorda Raquel.
A mãe – que se deleita em falar das qualidades da filha, alegre e comunicativa – desmistifica a crença de que uma criança mais velha não se apega facilmente à família, por conta de experiências antigas. “Ela me abraça, beija. E até imita o jeito do Weber falar”, diz Raquel, que não viu entraves à maternidade na idade “avançada” de C., na cor parda da pele, na gagueira ou na leve paralisia facial que a menina tem.
Entre crianças e adolescentes aptos à adoção no Brasil, 1.090 apresentam problemas de saúde. O que não deveria ser um fator limitante para os futuros pais, diz a advogada Eni Coimbra, de 60 anos. Para ela, quem quer ser pai ou mãe deve estar disposto a amar sem restrições. “Filho não é igual a sapato. Se me calça bem, eu levo. Se não, deixo no abrigo”, exemplifica.
Há três anos, Eni conheceu Wellington. O menino, então com 7 anos, nunca havia frequentado a escola, não tinha noções básicas de higiene e apresentava apenas 2% da visão do olho direito. Em um primeiro momento, Eni e o marido se comprometeram a cuidar das necessidades urgentes da criança. “Mas após uma semana de convivência a gente já queria ficar com ele para sempre”, lembra. Hoje, o garoto estuda, recuperou 50% da visão e está a caminho de ter os dentes saudáveis.
Abrigos, o endereço dos "inadotáveis"
Meninos e meninas preteridos no cadastro de adoção são condenados a passar a vida dentro de instituições. Entretanto, a situação dos “inadotáveis” representa apenas uma parcela do problema do acolhimento em abrigos no Brasil, segundo o advogado especialista em direitos da criança Rubens Naves. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, encomendada pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) do Governo federal e divulgada no início do ano, mostra que 36.929 crianças e adolescentes estão institucionalizados no país.
Nem todos terão como destino uma família substituta. O menor só é registrado no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) depois que a destituição de poder dos pais biológicos for concluída.
Mas devido à morosidade dos processos judiciais e à falta de qualificação dos profissionais dos abrigos, esses jovens estão fadados a viver longe de um lar, explica a presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Bárbara Toledo.
“Há crianças que não recebem qualquer visita nos abrigos, mas também não têm possibilidade de sair de lá. Mesmo assim, em muitos casos, o processo de destituição do poder familiar nem começou”, alerta.
Segundo Bárbara, cabe aos gestores das casas-lares e aos juristas da varas cíveis da Infância e Juventude tentar acelerar esse trâmite. A agilidade evitaria que as crianças “envelheçam”, o que diminui as chances de adoção.
Mas o encaminhamento para uma nova família é a última alternativa prevista tanto na Lei Nacional de Adoção, sancionada em 2009, quanto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Os dois textos consideram ideal a permanência do menor com os parentes – se não for possível com os pais, tentativas devem ser feitas com avós, tios e primos. Apenas se o retorno à família biológica não der certo é que o pequeno deve ser preparado para adoção.
A lei de 2009 também determina que o tempo de institucionalização não deve exceder dois anos, salvo exceções. E que a cada seis meses a situação do abrigado seja reavaliada.
O objetivo é fazer com que a permanência nos abrigos seja, de fato, provisória. “O tempo da criança é outro, porque esses menores não podem esperar. Doem muito as sequelas do abandono e a sensação de não pertencer a ninguém”, analisa a coordenadora da Política de Convivência Familiar e Comunitária da SDH, Alice Bittencourt.
Mas, aos poucos, ações começam a acontecer para dar a esses menores chances de uma nova vida. Desde 2009, uma força-tarefa tenta resolver a situação de 4.730 mineiros institucionalizados. Em dois anos, o número de abrigados caiu para 3.004. “Do total, 1.478 voltaram para as famílias e 248 foram destinados à adoção”, diz Eliane Quaresma, coordenadora da Política Estadual Pró-Criança e Adolescente.
Grupos de apoio facilitam adoção e convivência
Como leis não mudam uma cultura de imediato, agentes do governo, membros de ONGs e da sociedade civil se mobilizam para buscar alternativas para crianças e adolescentes que estão à espera de uma família.
Duas medidas a longo prazo são sugeridas por especialistas: a conscientização dos pais pretendentes nas Varas da Infância e Juventude e a participação deles em grupos de apoio à adoção.
Outra solução seria o apadrinhamento, quando adultos se tornam “responsáveis” pelos jovens abrigados e convivem com eles em determinadas situações. Geralmente, durante fins de semana, feriados e datas comemorativas.
No Brasil, existem mais de cem grupos de adoção, segundo a Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad). O Adote Legal, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, reúne, uma vez por mês, 30 pessoas interessadas em adotar um filho ou que já o fizeram. Nos encontros, são debatidos temas relacionados ao processo judicial e ao relacionamento com os menores.
Felicidade junto a irmãos de pele parda
A professora Débora Cortezzi, de 39 anos, é uma das diretoras do Adote Legal. Mãe de Henrique, de 11 anos, e de Carlos, de 9, ela conta que junto com o marido, Marcos Luiz Costa, de 46, remou contra a maré: levou para casa irmãos, algo repudiado por 81,93% dos pais pretendentes cadastrados no CNJ.
Na época, o garoto mais velho estava com 5 anos. “Nem tenho mais vontade de ter um filho biológico. Não mudaria em nada minha família”, afirma a professora, mãe de meninos de pele parda.
A Secretaria de Direitos Humanos pretende montar um protocolo nacional com parâmetros mínimos para os grupos de adoção, como temas a serem tratados nas reuniões. “Os pais precisam conhecer a realidade que temos”, diz Alice Bittencourt. Quem quer uma criança branca, recém-nascida e sem problemas de saúde terá que esperar, em média, de quatro a seis anos por ela.
Diretora jurídica da Angaad, Silvana do Monte Moreira reforça a necessidade de uma mudança cultural. “Antes, a adoção servia para dar um filho a quem não tinha condições biológicas de gerar o seu. Hoje, a ideia é dar uma família à criança que dela realmente necessite”.
Padrinhos por vocação
Quando chega o fim de semana, Laura, de 16 anos, se prepara para passar algumas horas longe do abrigo, na companhia da professora Gislene Barbosa, de 45 anos. Há seis anos, Gislene participa do programa de apadrinhamento do Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam). A iniciativa consiste em proporcionar um convívio familiar esporádico para crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos.
Enquanto os menores não podem ser acolhidos definitivamente em uma família, o apadrinhamento desponta como uma solução, diz a coordenadora técnica da Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte, Rosilene Miranda. A convivência cumpre a função de trazer uma espécie de “exemplo” do adulto para o jovem. E proporciona um momento de individualidade dele. “No abrigo, tudo é de todo mundo. Mas a criança ou adolescente precisa ter algo só seu para construir a própria identidade”.
Sensibilizadas com a realidade desses “inadotáveis”, a juíza federal Vânila de Moraes e duas amigas fundaram a Associação Alegria, há seis anos, na tentativa de dar um lar a seis meninas. Hoje, as adolescentes entre 16 e 18 anos se consideram irmãs. Estudam em escolas diferentes, têm objetos pessoais e dividem o serviço da casa. “É como uma república”, diz Vânila.
Uma das moradoras é Tatiane Maria de Oliveira, de 18 anos. Ela cursa o 3º ano do Ensino Médio, trabalha desde os 16 anos e sonha em se mudar para a Inglaterra. Também se considera mais feliz do que muitas meninas da sua idade. “Com certeza sou mais. Muita gente tem uma vida mais difícil que a minha”.
Fonte: Jornal Hoje em Dia - http://www.recivil.com.br/news.asp?intNews=16587
Pela primeira vez, o órgão prepara levantamento de ocorrências do tipo, que deve ser divulgado em dezembro deste ano
Cresce o número de crianças que são devolvidas pelos pais adotivos em Belo Horizonte. A afirmação é da coordenadora de orientação e fiscalização das entidades sociais da Vara Cível da Infância e da Juventude, Nádia Queiroz. Pela primeira vez, o órgão prepara levantamento de ocorrências do tipo, que deve ser divulgado em dezembro deste ano.
"Esses casos sempre foram raros. Mas percebemos um aumento significativo nesse último ano", explica Nádia. Com 20 anos de experiência na Vara, a psicóloga e coordenadora técnica Rosilene Miranda estima ter atendido mais de dez situações de devolução.
Muitos casos tramitam em sigilo pela Justiça, por isso, passam despercebidos pela sociedade, segundo a professora de sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Maria Lygia Quartim. "Pai adotivo querer devolver uma criança é mais comum do que se sabe", avalia.
Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça nunca tratou de destituição do poder familiar de pais adotivos, como afirma o presidente da comissão de defesa dos direitos da criança, adolescente, jovem e idoso da OAB-MG, Stanley Ramos.
Mas no Sul do país, um casal de Santa Catarina - seis anos após adotar dois irmãos - tentou devolver o mais velho, alegando problemas de relacionamento. Com isso, eles perderam a guarda do garoto, de 12 anos, e da menina, de dez, e tiveram que indenizar cada criança em R$ 40 mil.
Stanley Ramos diz ter ficado "estupefato" ao saber da atitude da família catarinense. "Eu mandaria prender. Isso é contra a humanidade", endossa. Ele explica que em casos semelhantes, os responsáveis poderiam responder a crime de abandono de incapaz ou por maus tratos.
A Justiça deveria ser mais rígida tanto com os pais adotivos que abandonam os filhos, quanto com os responsáveis que desistem da guarda, na avaliação da coordenadora do TJ Criança Abriga, Flávia Figueiredo.
Atualmente, a instituição abriga um menino e uma menina, de 4 anos, que foram devolvidos pelos pais responsáveis pela guarda deles, em menos de um ano. Ambas foram entregues aos prantos na instituição e, hoje, recebem acompanhamento psico-terapêutico. "O segundo acolhimento numa instituição é ainda mais traumático. Na cabeça da criança fica a ideia: ninguém gosta de mim", analisa.
Em um primeiro momento, a criança fica sob a guarda da família, geralmente por um ano. Nesse tempo, o termo de guarda pode ser revogado pela vontade dos pais ou por uma sentença do juiz, como explica a assistente social da Vara Cível da Infância e Juventude de BH, Lúcia Regina.
A pesquisadora Maria Lygia critica essa prática da guarda sem responsabilidade legal dos pais. "É um escândalo devolver depois de seis anos, mas depois de um ano não é crime devolver", ironiza.
Rosilene Miranda, psicóloga da Vara, afirma que são muitas as sequelas para as crianças que são abandonadas também pelos pais adotivos. "A criança vai ter mais dificuldade em criar vínculos, e perder a confiança em si mesma e nos outros". Além disso, ela reforça que a criança pode perder a única chance de ser adotada, já que a maior parte dos pretendentes à adoção deseja crianças de até três anos.
A maioria dos pais aponta como motivo de devolução a dificuldade de relacionamento com o menor. "Eles chegam a dizer que as crianças são muito teimosas e podem entrar em uma situação de risco", exemplifica Rosilene. E afirma que a Vara oferece sempre ajuda psico-social à família e que esclarece sobre o universo infanto-juvenil aos pais antes de firmar a guarda.
Brasil tem 4.856 pequenos cidadãos em busca de uma família
O problema é que esses pequenos brasileiros não se encaixam no perfil exigido pela maioria dos 27.478 candidatos a pais.
Eles gostam de pular corda, bater figurinhas e, principalmente, de jogar futebol. Jorge, de 13 anos, Gustavo, de 10, e Pedro (nomes fictícios), de 9, dominam com precisão as normas dessas e de outras brincadeiras. Mas nenhum dos garotos consegue explicar as regras da vida para que não tenham uma família como outras crianças. Ao serem questionados, os meninos abaixam a cabeça. A assistente social Susana Maia, diretora do Lar Marista, onde eles estão abrigados, lamenta a situação. “Os três já estão aqui há dois anos, sem passar por processo de adoção”.
Jorge, Gustavo e Pedro pertencem ao grupo de 4.856 crianças, no Brasil, que têm mínimas chances de encontrar uma nova família. O problema não está na falta de pais pretendentes. Na fila dos adotantes estão 27.478 pessoas, uma média de cinco interessadas para cada criança.
A solução numérica não funciona na prática porque grande parte dos menores não tem o perfil procurado pelos candidatos a pais. “O filho sonhado não pode ser negro, ter irmão ou idade superior a 2 anos ou ser soropositivo”, afirma a coordenadora da Política de Convivência Familiar e Comunitária da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, Alice Bittencourt.
A cada aniversário da criança, diminui a probabilidade dela ser adotada. O Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça revela que cerca de 20% dos pais desejam um filho com até 3 anos. Quando o menino ou a menina chega aos 4, as chances de ganhar um lar caem pela metade (9,96%). Mas as menores faixas de interesse se concentram entre os 6 e os 17 anos: 2,99% e 0,06%, respectivamente.
Também há uma preferência majoritária por crianças brancas. Mais de 90% dos pais em potencial querem um filho nesse perfil. Já os dispostos a acolher um negro representam quase um terço disso: 33,38%. Desejos bem distantes da realidade dos jovens à espera de uma família. Negros e pardos aptos à adoção são 3.146 (64%), enquanto o total de brancos é de 1.656 (34%). “Não conseguimos casar os números. Esbarramos no preconceito”, constata Alice.
A intenção dos pais pretendentes revela uma cultura que repudia também o sexo masculino. “A maioria quer uma menina, porque acha que é mais fácil de criar”, argumenta a diretora jurídica da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Silvana do Monte Moreira.
As preferências vêm da falta de informação sobre o universo infantojuvenil, diz a coordenadora técnica da Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte, Rosilene Miranda. Ela avalia que os pais acreditam ser mais simples resolver, por exemplo, o desvio de caráter de um recém-nascido do que o de um garoto de 10 anos. “Os adultos têm medo das experiências já vividas pela criança”.
Silvana, da Angaad, ressalta que a educação de um menor sempre será um desafio. “A gente não diz que adotar significa entrar em um mundo cor-de-rosa. Mas mostramos como é bom enfrentar isso tudo para formar uma família com base no amor e no afeto”, diz a diretora, também mãe adotiva.
Amor vence a resistência dos pais
Moradores de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, Weber Neder Issa, de 58 anos, e Raquel, de 38, também tinham preferências quando resolveram adotar um filho. “No começo, a gente queria um recém-nascido”, conta Raquel.
Mas depois de conhecer, pela internet, experiências bem-sucedidas de outras famílias e de participar de uma palestra sobre o assunto, o casal mudou de ideia. Conheceu C. e decidiu adotá-la.
Na época, a menina tinha 10 anos e vivia em um abrigo a 100 quilômetros de São João del-Rei. “Durante o estágio de convivência, todo fim de semana a gente fazia esse trajeto duas vezes, para levá-la e buscá-la”, recorda Raquel.
A mãe – que se deleita em falar das qualidades da filha, alegre e comunicativa – desmistifica a crença de que uma criança mais velha não se apega facilmente à família, por conta de experiências antigas. “Ela me abraça, beija. E até imita o jeito do Weber falar”, diz Raquel, que não viu entraves à maternidade na idade “avançada” de C., na cor parda da pele, na gagueira ou na leve paralisia facial que a menina tem.
Entre crianças e adolescentes aptos à adoção no Brasil, 1.090 apresentam problemas de saúde. O que não deveria ser um fator limitante para os futuros pais, diz a advogada Eni Coimbra, de 60 anos. Para ela, quem quer ser pai ou mãe deve estar disposto a amar sem restrições. “Filho não é igual a sapato. Se me calça bem, eu levo. Se não, deixo no abrigo”, exemplifica.
Há três anos, Eni conheceu Wellington. O menino, então com 7 anos, nunca havia frequentado a escola, não tinha noções básicas de higiene e apresentava apenas 2% da visão do olho direito. Em um primeiro momento, Eni e o marido se comprometeram a cuidar das necessidades urgentes da criança. “Mas após uma semana de convivência a gente já queria ficar com ele para sempre”, lembra. Hoje, o garoto estuda, recuperou 50% da visão e está a caminho de ter os dentes saudáveis.
Abrigos, o endereço dos "inadotáveis"
Meninos e meninas preteridos no cadastro de adoção são condenados a passar a vida dentro de instituições. Entretanto, a situação dos “inadotáveis” representa apenas uma parcela do problema do acolhimento em abrigos no Brasil, segundo o advogado especialista em direitos da criança Rubens Naves. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, encomendada pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) do Governo federal e divulgada no início do ano, mostra que 36.929 crianças e adolescentes estão institucionalizados no país.
Nem todos terão como destino uma família substituta. O menor só é registrado no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) depois que a destituição de poder dos pais biológicos for concluída.
Mas devido à morosidade dos processos judiciais e à falta de qualificação dos profissionais dos abrigos, esses jovens estão fadados a viver longe de um lar, explica a presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Bárbara Toledo.
“Há crianças que não recebem qualquer visita nos abrigos, mas também não têm possibilidade de sair de lá. Mesmo assim, em muitos casos, o processo de destituição do poder familiar nem começou”, alerta.
Segundo Bárbara, cabe aos gestores das casas-lares e aos juristas da varas cíveis da Infância e Juventude tentar acelerar esse trâmite. A agilidade evitaria que as crianças “envelheçam”, o que diminui as chances de adoção.
Mas o encaminhamento para uma nova família é a última alternativa prevista tanto na Lei Nacional de Adoção, sancionada em 2009, quanto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Os dois textos consideram ideal a permanência do menor com os parentes – se não for possível com os pais, tentativas devem ser feitas com avós, tios e primos. Apenas se o retorno à família biológica não der certo é que o pequeno deve ser preparado para adoção.
A lei de 2009 também determina que o tempo de institucionalização não deve exceder dois anos, salvo exceções. E que a cada seis meses a situação do abrigado seja reavaliada.
O objetivo é fazer com que a permanência nos abrigos seja, de fato, provisória. “O tempo da criança é outro, porque esses menores não podem esperar. Doem muito as sequelas do abandono e a sensação de não pertencer a ninguém”, analisa a coordenadora da Política de Convivência Familiar e Comunitária da SDH, Alice Bittencourt.
Mas, aos poucos, ações começam a acontecer para dar a esses menores chances de uma nova vida. Desde 2009, uma força-tarefa tenta resolver a situação de 4.730 mineiros institucionalizados. Em dois anos, o número de abrigados caiu para 3.004. “Do total, 1.478 voltaram para as famílias e 248 foram destinados à adoção”, diz Eliane Quaresma, coordenadora da Política Estadual Pró-Criança e Adolescente.
Grupos de apoio facilitam adoção e convivência
Como leis não mudam uma cultura de imediato, agentes do governo, membros de ONGs e da sociedade civil se mobilizam para buscar alternativas para crianças e adolescentes que estão à espera de uma família.
Duas medidas a longo prazo são sugeridas por especialistas: a conscientização dos pais pretendentes nas Varas da Infância e Juventude e a participação deles em grupos de apoio à adoção.
Outra solução seria o apadrinhamento, quando adultos se tornam “responsáveis” pelos jovens abrigados e convivem com eles em determinadas situações. Geralmente, durante fins de semana, feriados e datas comemorativas.
No Brasil, existem mais de cem grupos de adoção, segundo a Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad). O Adote Legal, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, reúne, uma vez por mês, 30 pessoas interessadas em adotar um filho ou que já o fizeram. Nos encontros, são debatidos temas relacionados ao processo judicial e ao relacionamento com os menores.
Felicidade junto a irmãos de pele parda
A professora Débora Cortezzi, de 39 anos, é uma das diretoras do Adote Legal. Mãe de Henrique, de 11 anos, e de Carlos, de 9, ela conta que junto com o marido, Marcos Luiz Costa, de 46, remou contra a maré: levou para casa irmãos, algo repudiado por 81,93% dos pais pretendentes cadastrados no CNJ.
Na época, o garoto mais velho estava com 5 anos. “Nem tenho mais vontade de ter um filho biológico. Não mudaria em nada minha família”, afirma a professora, mãe de meninos de pele parda.
A Secretaria de Direitos Humanos pretende montar um protocolo nacional com parâmetros mínimos para os grupos de adoção, como temas a serem tratados nas reuniões. “Os pais precisam conhecer a realidade que temos”, diz Alice Bittencourt. Quem quer uma criança branca, recém-nascida e sem problemas de saúde terá que esperar, em média, de quatro a seis anos por ela.
Diretora jurídica da Angaad, Silvana do Monte Moreira reforça a necessidade de uma mudança cultural. “Antes, a adoção servia para dar um filho a quem não tinha condições biológicas de gerar o seu. Hoje, a ideia é dar uma família à criança que dela realmente necessite”.
Padrinhos por vocação
Quando chega o fim de semana, Laura, de 16 anos, se prepara para passar algumas horas longe do abrigo, na companhia da professora Gislene Barbosa, de 45 anos. Há seis anos, Gislene participa do programa de apadrinhamento do Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam). A iniciativa consiste em proporcionar um convívio familiar esporádico para crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos.
Enquanto os menores não podem ser acolhidos definitivamente em uma família, o apadrinhamento desponta como uma solução, diz a coordenadora técnica da Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte, Rosilene Miranda. A convivência cumpre a função de trazer uma espécie de “exemplo” do adulto para o jovem. E proporciona um momento de individualidade dele. “No abrigo, tudo é de todo mundo. Mas a criança ou adolescente precisa ter algo só seu para construir a própria identidade”.
Sensibilizadas com a realidade desses “inadotáveis”, a juíza federal Vânila de Moraes e duas amigas fundaram a Associação Alegria, há seis anos, na tentativa de dar um lar a seis meninas. Hoje, as adolescentes entre 16 e 18 anos se consideram irmãs. Estudam em escolas diferentes, têm objetos pessoais e dividem o serviço da casa. “É como uma república”, diz Vânila.
Uma das moradoras é Tatiane Maria de Oliveira, de 18 anos. Ela cursa o 3º ano do Ensino Médio, trabalha desde os 16 anos e sonha em se mudar para a Inglaterra. Também se considera mais feliz do que muitas meninas da sua idade. “Com certeza sou mais. Muita gente tem uma vida mais difícil que a minha”.
Fonte: Jornal Hoje em Dia - http://www.recivil.com.br/news.asp?intNews=16587
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domingo, 25 de setembro de 2011
Voluntários escolhem formas de se relacionar com crianças sem criar vínculo
Fazendo visitas ou doações, eles dão carinho e oferecem melhores condições de vida aos afilhados
Publicação: 30/08/2011 10:41 Atualização:
Um dos momentos mais marcantes na vida da assistente social Nathália Pedroso, 28 anos, foi quando conheceu o afilhado, Mateus*, em 2007. Para ela, a conexão afetiva entre os dois foi instantânea. “Eu não o escolhi nem ele me escolheu. Foi um encontro”, define. O menino, hoje com 13 anos, ocupa um espaço único na vida da madrinha, que não é de batismo, mas de coração. Nathália faz parte do projeto de apadrinhamento afetivo da Aconchego, entidade civil sem fins lucrativos, que apoia a adoção e um tipo diferente de se relacionar com crianças: o apadrinhamento afetivo.
O objetivo do apadrinhamento é melhorar a qualidade de vida de crianças em serviços de acolhimento ou em comunidades. Há várias maneiras de ser padrinho ou madrinha. Em algumas instituições, como a Aconchego, o projeto existe para oferecer uma relação familiar a crianças e adolescentes com possibilidade remota de adoção. Nesse caso, o apadrinhamento afetivo estabelece uma relação de amizade entre padrinho e afilhado, como a de Mateus* e Nathália. Outra modalidade é estabelecer o vínculo com a criança por meio de uma ajuda financeira para a comunidade onde ela vive. As opções variam de acordo com a disponibilidade do candidato a padrinho e do trabalho realizado em cada instituição, mas nem todo mundo sabe a diferença entre os projetos.“Antes de conhecer, eu achava que era mais com doação de dinheiro que se apadrinhava uma criança, mas depende do que você está se propondo a fazer” conta Nathália.
Na Aconchego, o principal trabalho é de preparar candidatos a padrinhos afetivos para entrar em contato com a criança. “A ideia é habilitar as pessoas para a experiência. Algumas confundem com caridade e não fazem ideia de que não é tão simples quanto parece”, explica a coordenadora do apadrinhamento afetivo da instituição, Monique Coelho. A ressalva é para proteger as crianças. “Antes de se aproximar delas, os candidatos precisam de um preparo que os leva a tomar essa decisão de forma madura e consciente, para evitar um novo abandono para aquela criança”, salienta a coordenadora.
O curso consiste em quatro reuniões de três horas de atividades entre os candidatos. No último dia, acontece o encontro com as crianças, preparado previamente pelos aspirantes a padrinhos. “É uma coisa incrível. Você vai lá e participa das atividades com todo mundo e, no fim, tem uma criança sentada ao seu lado, que vai fazer parte da sua vida dali em diante” conta Nathália.
Aprendizado
Mas o aprendizado não se encerra com o curso dos padrinhos. Para Nathália e Mateus*, a relação foi construída aos poucos. “No começo, ele me rejeitava. Estava me testando mesmo, como que esperando para ver até onde eu aguentaria, até abandoná-lo.” Segundo o psicólogo do Instituto São Paulo de Análise do Comportamento e professor do Uniceub Geison Isidro, esse é um comportamento esperado para uma criança em situação de abandono. “Ela responde como se tivesse sido abandonada pela madrinha. Existe uma desconfiança. Se todos a abandonaram, a criança espera que a madrinha também a abandone. Se quiser, que prove o contrário”, explica.
Para Isidro, um novo incidente tem impacto muito maior em crianças com histórico de abandono e frustração. Mas ele salienta que cada criança tem sua história, e vai agir de acordo com ela. “Quando se trata de humanos, não podemos prever o comportamento a partir de uma generalização.” No caso de Mateus* e Nathália, a confiança mútua se construiu durante quatro anos. Eles se veem pelo menos uma vez por mês.“Não imagino a minha vida sem ele. Quando penso no futuro, o vejo comigo. E também espero que isso se torne mais comum, mais difundido, ao ponto de praticamente todo mundo ter um afilhado afetivo.”
E isso não depende de tempo ou dinheiro. As diversas modalidades de apadrinhamento estão aí para provar. A servidora pública Aline Fernandes, 42 anos, costumava fazer trabalhos voluntários, mas teve que parar por falta de tempo. Mesmo assim, ela mostra que é possível ter vínculo com uma criança, ainda que a distância. Desde maio de 2009, ela é madrinha da ActionAid, uma organização não governamental que trabalha em mais de 40 países com o objetivo de erradicar a pobreza.
Um dos projetos da entidade é o apadrinhamento, pelo qual o doador mantém um vínculo com a criança de uma das 972 comunidades em que atua. A partir daí, acompanha, por meio de cartas e relatórios semestrais, o crescimento da criança e o progresso da comunidade em que ela vive. Para Aline, ajudar o desenvolvimento da comunidade do afilhado como um todo é uma maneira de ajudá-lo para a vida inteira.“Acredito que surte mais efeito do que uma doação a uma criança no sinal de trânisto. A ação é direcionada, pois a organização cuida para beneficiar o todo.”
Duas vezes ao ano, a ActionAid programa visitas dos doadores aos projetos, como uma forma de estreitar o vínculo dos padrinhos e madrinhas. A contribuição ajuda a financiar, de forma geral, aulas de inclusão digital, reforço escolar, cursos de dança afro e futebol, artesanato e implantação de hortas comunitárias, entre outras atividades. Aline recebe periodicamente mensagens e relatórios desses progressos e uma foto nova do afilhado a cada dois anos. Mesmo de longe, ela acompanha as mudanças na vida dele e fica feliz em se sentir parte disso. “Fico muito contente com o retorno. Já pensei em conhecer a criança, mas fico satisfeita com o retorno, pois consigo enxergar que contribuo para mudanças.”
Ver essas mudanças é o mais importante para o servidor público Tarcísio Burigo, 51 anos. Para ele, é importante proporcionar para o afilhado as oportunidades que ele teve na vida. “Eu tive sorte, mas outros não têm. Então, é bom saber que você está se somando a outras pessoas para ajudar aqueles que não tiveram oportunidades”, diz. O que mais influenciou Tarcisio para ser padrinho da ActionAid é saber que sua ajuda produz mudanças e melhorias na vida de uma criança. “É gratificante receber as respostas, as cartinhas deles, agradecendo. Porque, aí, você vê que aquela criança, que antes não era alfabetizada, agora está escrevendo, estudando.”
*Nome fictício em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente
Para participar
Existem vários tipos de apadrinhamento. Instituições como ActionAid, Visão Mundial, Aconchego e Abrinq oferecem inúmeras modalidades para que o doador decida qual o seu perfil de padrinho.
A distância
Quem não tem muito tempo disponível mas quer manter um vínculo e ajudar comunidades e crianças pode começar a participar do projeto de apadrinhamento pela internet. Ao decidir apadrinhar, o candidato inicia o processo com apenas um clique, escolhendo a forma de pagamento mais conveniente. Em seguida, o padrinho ganha um kit de boas-vindas, com a foto e as informações do afilhado e da comunidade onde ele vive.
Sites: www.actionaid.org.br e www.visaomundial.org.br
Ao vivo
Em Brasília, há o projeto Aconchego, no qual padrinho e afilhado desenvolvem uma relação afetiva de presença mais ativa. Novos candidatos assinam uma lista até serem chamados para a formação de uma turma de formação. Após o término do encontro, o padrinho poderá visitar o afilhado no serviço de acolhimento e, depois de algum tempo, a criança faz passeios fora da instituição, pode dormir fora e fazer viagens em companhia do padrinho.
Site: www.projetoaconchego.org.br
Publicação: 30/08/2011 10:41 Atualização:
Um dos momentos mais marcantes na vida da assistente social Nathália Pedroso, 28 anos, foi quando conheceu o afilhado, Mateus*, em 2007. Para ela, a conexão afetiva entre os dois foi instantânea. “Eu não o escolhi nem ele me escolheu. Foi um encontro”, define. O menino, hoje com 13 anos, ocupa um espaço único na vida da madrinha, que não é de batismo, mas de coração. Nathália faz parte do projeto de apadrinhamento afetivo da Aconchego, entidade civil sem fins lucrativos, que apoia a adoção e um tipo diferente de se relacionar com crianças: o apadrinhamento afetivo.
O objetivo do apadrinhamento é melhorar a qualidade de vida de crianças em serviços de acolhimento ou em comunidades. Há várias maneiras de ser padrinho ou madrinha. Em algumas instituições, como a Aconchego, o projeto existe para oferecer uma relação familiar a crianças e adolescentes com possibilidade remota de adoção. Nesse caso, o apadrinhamento afetivo estabelece uma relação de amizade entre padrinho e afilhado, como a de Mateus* e Nathália. Outra modalidade é estabelecer o vínculo com a criança por meio de uma ajuda financeira para a comunidade onde ela vive. As opções variam de acordo com a disponibilidade do candidato a padrinho e do trabalho realizado em cada instituição, mas nem todo mundo sabe a diferença entre os projetos.“Antes de conhecer, eu achava que era mais com doação de dinheiro que se apadrinhava uma criança, mas depende do que você está se propondo a fazer” conta Nathália.
Na Aconchego, o principal trabalho é de preparar candidatos a padrinhos afetivos para entrar em contato com a criança. “A ideia é habilitar as pessoas para a experiência. Algumas confundem com caridade e não fazem ideia de que não é tão simples quanto parece”, explica a coordenadora do apadrinhamento afetivo da instituição, Monique Coelho. A ressalva é para proteger as crianças. “Antes de se aproximar delas, os candidatos precisam de um preparo que os leva a tomar essa decisão de forma madura e consciente, para evitar um novo abandono para aquela criança”, salienta a coordenadora.
O curso consiste em quatro reuniões de três horas de atividades entre os candidatos. No último dia, acontece o encontro com as crianças, preparado previamente pelos aspirantes a padrinhos. “É uma coisa incrível. Você vai lá e participa das atividades com todo mundo e, no fim, tem uma criança sentada ao seu lado, que vai fazer parte da sua vida dali em diante” conta Nathália.
Aprendizado
Mas o aprendizado não se encerra com o curso dos padrinhos. Para Nathália e Mateus*, a relação foi construída aos poucos. “No começo, ele me rejeitava. Estava me testando mesmo, como que esperando para ver até onde eu aguentaria, até abandoná-lo.” Segundo o psicólogo do Instituto São Paulo de Análise do Comportamento e professor do Uniceub Geison Isidro, esse é um comportamento esperado para uma criança em situação de abandono. “Ela responde como se tivesse sido abandonada pela madrinha. Existe uma desconfiança. Se todos a abandonaram, a criança espera que a madrinha também a abandone. Se quiser, que prove o contrário”, explica.
Para Isidro, um novo incidente tem impacto muito maior em crianças com histórico de abandono e frustração. Mas ele salienta que cada criança tem sua história, e vai agir de acordo com ela. “Quando se trata de humanos, não podemos prever o comportamento a partir de uma generalização.” No caso de Mateus* e Nathália, a confiança mútua se construiu durante quatro anos. Eles se veem pelo menos uma vez por mês.“Não imagino a minha vida sem ele. Quando penso no futuro, o vejo comigo. E também espero que isso se torne mais comum, mais difundido, ao ponto de praticamente todo mundo ter um afilhado afetivo.”
E isso não depende de tempo ou dinheiro. As diversas modalidades de apadrinhamento estão aí para provar. A servidora pública Aline Fernandes, 42 anos, costumava fazer trabalhos voluntários, mas teve que parar por falta de tempo. Mesmo assim, ela mostra que é possível ter vínculo com uma criança, ainda que a distância. Desde maio de 2009, ela é madrinha da ActionAid, uma organização não governamental que trabalha em mais de 40 países com o objetivo de erradicar a pobreza.
Um dos projetos da entidade é o apadrinhamento, pelo qual o doador mantém um vínculo com a criança de uma das 972 comunidades em que atua. A partir daí, acompanha, por meio de cartas e relatórios semestrais, o crescimento da criança e o progresso da comunidade em que ela vive. Para Aline, ajudar o desenvolvimento da comunidade do afilhado como um todo é uma maneira de ajudá-lo para a vida inteira.“Acredito que surte mais efeito do que uma doação a uma criança no sinal de trânisto. A ação é direcionada, pois a organização cuida para beneficiar o todo.”
Duas vezes ao ano, a ActionAid programa visitas dos doadores aos projetos, como uma forma de estreitar o vínculo dos padrinhos e madrinhas. A contribuição ajuda a financiar, de forma geral, aulas de inclusão digital, reforço escolar, cursos de dança afro e futebol, artesanato e implantação de hortas comunitárias, entre outras atividades. Aline recebe periodicamente mensagens e relatórios desses progressos e uma foto nova do afilhado a cada dois anos. Mesmo de longe, ela acompanha as mudanças na vida dele e fica feliz em se sentir parte disso. “Fico muito contente com o retorno. Já pensei em conhecer a criança, mas fico satisfeita com o retorno, pois consigo enxergar que contribuo para mudanças.”
Ver essas mudanças é o mais importante para o servidor público Tarcísio Burigo, 51 anos. Para ele, é importante proporcionar para o afilhado as oportunidades que ele teve na vida. “Eu tive sorte, mas outros não têm. Então, é bom saber que você está se somando a outras pessoas para ajudar aqueles que não tiveram oportunidades”, diz. O que mais influenciou Tarcisio para ser padrinho da ActionAid é saber que sua ajuda produz mudanças e melhorias na vida de uma criança. “É gratificante receber as respostas, as cartinhas deles, agradecendo. Porque, aí, você vê que aquela criança, que antes não era alfabetizada, agora está escrevendo, estudando.”
*Nome fictício em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente
Para participar
Existem vários tipos de apadrinhamento. Instituições como ActionAid, Visão Mundial, Aconchego e Abrinq oferecem inúmeras modalidades para que o doador decida qual o seu perfil de padrinho.
A distância
Quem não tem muito tempo disponível mas quer manter um vínculo e ajudar comunidades e crianças pode começar a participar do projeto de apadrinhamento pela internet. Ao decidir apadrinhar, o candidato inicia o processo com apenas um clique, escolhendo a forma de pagamento mais conveniente. Em seguida, o padrinho ganha um kit de boas-vindas, com a foto e as informações do afilhado e da comunidade onde ele vive.
Sites: www.actionaid.org.br e www.visaomundial.org.br
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Quadro "Laços de Amor" do Jornal do Almoço de Chapecó
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Adoção - Laços de Amor 3
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Adoção - Laços de Amor
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Adoção Especial: uma visão materna
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Adoção Família para Todos
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Adoção de Crianças Portadoras do Vírus HIV
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Silvana do Monte Moreira: Brasil tem 4.856 pequenos cidadãos em busca de uma família - Minas - Hoje em Dia
Silvana do Monte Moreira: Brasil tem 4.856 pequenos cidadãos em busca de uma família - Minas - Hoje em Dia
Brasil tem 4.856 pequenos cidadãos em busca de uma família
O problema é que esses pequenos brasileiros não se encaixam no perfil exigido pela maioria dos 27.478 candidatos a pais.
Daniela Garcia - Do Hoje em Dia - 18/09/2011 - 14:19
Frederico Haikal
Cadastro Nacional de Adoção tem 27 mil interessados, mas "exigências" emperram os processos
Eles gostam de pular corda, bater figurinhas e, principalmente, de jogar futebol. Jorge, de 13 anos, Gustavo, de 10, e Pedro (nomes fictícios), de 9, dominam com precisão as normas dessas e de outras brincadeiras. Mas nenhum dos garotos consegue explicar as regras da vida para que não tenham uma família como outras crianças. Ao serem questionados, os meninos abaixam a cabeça. A assistente social Susana Maia, diretora do Lar Marista, onde eles estão abrigados, lamenta a situação. “Os três já estão aqui há dois anos, sem passar por processo de adoção”.
Jorge, Gustavo e Pedro pertencem ao grupo de 4.856 crianças, no Brasil, que têm mínimas chances de encontrar uma nova família. O problema não está na falta de pais pretendentes. Na fila dos adotantes estão 27.478 pessoas, uma média de cinco interessadas para cada criança.
A solução numérica não funciona na prática porque grande parte dos menores não tem o perfil procurado pelos candidatos a pais. “O filho sonhado não pode ser negro, ter irmão ou idade superior a 2 anos ou ser soropositivo”, afirma a coordenadora da Política de Convivência Familiar e Comunitária da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, Alice Bittencourt.
A cada aniversário da criança, diminui a probabilidade dela ser adotada. O Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça revela que cerca de 20% dos pais desejam um filho com até 3 anos. Quando o menino ou a menina chega aos 4, as chances de ganhar um lar caem pela metade (9,96%). Mas as menores faixas de interesse se concentram entre os 6 e os 17 anos: 2,99% e 0,06%, respectivamente.
Também há uma preferência majoritária por crianças brancas. Mais de 90% dos pais em potencial querem um filho nesse perfil. Já os dispostos a acolher um negro representam quase um terço disso: 33,38%. Desejos bem distantes da realidade dos jovens à espera de uma família. Negros e pardos aptos à adoção são 3.146 (64%), enquanto o total de brancos é de 1.656 (34%). “Não conseguimos casar os números. Esbarramos no preconceito”, constata Alice.
A intenção dos pais pretendentes revela uma cultura que repudia também o sexo masculino. “A maioria quer uma menina, porque acha que é mais fácil de criar”, argumenta a diretora jurídica da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Silvana do Monte Moreira.
As preferências vêm da falta de informação sobre o universo infantojuvenil, diz a coordenadora técnica da Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte, Rosilene Miranda. Ela avalia que os pais acreditam ser mais simples resolver, por exemplo, o desvio de caráter de um recém-nascido do que o de um garoto de 10 anos. “Os adultos têm medo das experiências já vividas pela criança”.
Silvana, da Angaad, ressalta que a educação de um menor sempre será um desafio. “A gente não diz que adotar significa entrar em um mundo cor-de-rosa. Mas mostramos como é bom enfrentar isso tudo para formar uma família com base no amor e no afeto”, diz a diretora, também mãe adotiva.
Amor vence a resistência dos pais
Moradores de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, Weber Neder Issa, de 58 anos, e Raquel, de 38, também tinham preferências quando resolveram adotar um filho. “No começo, a gente queria um recém-nascido”, conta Raquel.
Mas depois de conhecer, pela internet, experiências bem-sucedidas de outras famílias e de participar de uma palestra sobre o assunto, o casal mudou de ideia. Conheceu C. e decidiu adotá-la.
Na época, a menina tinha 10 anos e vivia em um abrigo a 100 quilômetros de São João del-Rei. “Durante o estágio de convivência, todo fim de semana a gente fazia esse trajeto duas vezes, para levá-la e buscá-la”, recorda Raquel.
A mãe – que se deleita em falar das qualidades da filha, alegre e comunicativa – desmistifica a crença de que uma criança mais velha não se apega facilmente à família, por conta de experiências antigas. “Ela me abraça, beija. E até imita o jeito do Weber falar”, diz Raquel, que não viu entraves à maternidade na idade “avançada” de C., na cor parda da pele, na gagueira ou na leve paralisia facial que a menina tem.
Entre crianças e adolescentes aptos à adoção no Brasil, 1.090 apresentam problemas de saúde. O que não deveria ser um fator limitante para os futuros pais, diz a advogada Eni Coimbra, de 60 anos. Para ela, quem quer ser pai ou mãe deve estar disposto a amar sem restrições. “Filho não é igual a sapato. Se me calça bem, eu levo. Se não, deixo no abrigo”, exemplifica.
Há três anos, Eni conheceu Wellington. O menino, então com 7 anos, nunca havia frequentado a escola, não tinha noções básicas de higiene e apresentava apenas 2% da visão do olho direito. Em um primeiro momento, Eni e o marido se comprometeram a cuidar das necessidades urgentes da criança. “Mas após uma semana de convivência a gente já queria ficar com ele para sempre”, lembra. Hoje, o garoto estuda, recuperou 50% da visão e está a caminho de ter os dentes saudáveis.
Abrigos, o endereço dos "inadotáveis"
Meninos e meninas preteridos no cadastro de adoção são condenados a passar a vida dentro de instituições. Entretanto, a situação dos “inadotáveis” representa apenas uma parcela do problema do acolhimento em abrigos no Brasil, segundo o advogado especialista em direitos da criança Rubens Naves. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, encomendada pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) do Governo federal e divulgada no início do ano, mostra que 36.929 crianças e adolescentes estão institucionalizados no país.
Nem todos terão como destino uma família substituta. O menor só é registrado no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) depois que a destituição de poder dos pais biológicos for concluída.
Mas devido à morosidade dos processos judiciais e à falta de qualificação dos profissionais dos abrigos, esses jovens estão fadados a viver longe de um lar, explica a presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Bárbara Toledo.
“Há crianças que não recebem qualquer visita nos abrigos, mas também não têm possibilidade de sair de lá. Mesmo assim, em muitos casos, o processo de destituição do poder familiar nem começou”, alerta.
Segundo Bárbara, cabe aos gestores das casas-lares e aos juristas da varas cíveis da Infância e Juventude tentar acelerar esse trâmite. A agilidade evitaria que as crianças “envelheçam”, o que diminui as chances de adoção.
Mas o encaminhamento para uma nova família é a última alternativa prevista tanto na Lei Nacional de Adoção, sancionada em 2009, quanto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Os dois textos consideram ideal a permanência do menor com os parentes – se não for possível com os pais, tentativas devem ser feitas com avós, tios e primos. Apenas se o retorno à família biológica não der certo é que o pequeno deve ser preparado para adoção.
A lei de 2009 também determina que o tempo de institucionalização não deve exceder dois anos, salvo exceções. E que a cada seis meses a situação do abrigado seja reavaliada.
O objetivo é fazer com que a permanência nos abrigos seja, de fato, provisória. “O tempo da criança é outro, porque esses menores não podem esperar. Doem muito as sequelas do abandono e a sensação de não pertencer a ninguém”, analisa a coordenadora da Política de Convivência Familiar e Comunitária da SDH, Alice Bittencourt.
Mas, aos poucos, ações começam a acontecer para dar a esses menores chances de uma nova vida. Desde 2009, uma força-tarefa tenta resolver a situação de 4.730 mineiros institucionalizados. Em dois anos, o número de abrigados caiu para 3.004. “Do total, 1.478 voltaram para as famílias e 248 foram destinados à adoção”, diz Eliane Quaresma, coordenadora da Política Estadual Pró-Criança e Adolescente.
Grupos de apoio facilitam adoção e convivência
Como leis não mudam uma cultura de imediato, agentes do governo, membros de ONGs e da sociedade civil se mobilizam para buscar alternativas para crianças e adolescentes que estão à espera de uma família.
Duas medidas a longo prazo são sugeridas por especialistas: a conscientização dos pais pretendentes nas Varas da Infância e Juventude e a participação deles em grupos de apoio à adoção.
Outra solução seria o apadrinhamento, quando adultos se tornam “responsáveis” pelos jovens abrigados e convivem com eles em determinadas situações. Geralmente, durante fins de semana, feriados e datas comemorativas.
No Brasil, existem mais de cem grupos de adoção, segundo a Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad). O Adote Legal, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, reúne, uma vez por mês, 30 pessoas interessadas em adotar um filho ou que já o fizeram. Nos encontros, são debatidos temas relacionados ao processo judicial e ao relacionamento com os menores.
Felicidade junto a irmãos de pele parda
A professora Débora Cortezzi, de 39 anos, é uma das diretoras do Adote Legal. Mãe de Henrique, de 11 anos, e de Carlos, de 9, ela conta que junto com o marido, Marcos Luiz Costa, de 46, remou contra a maré: levou para casa irmãos, algo repudiado por 81,93% dos pais pretendentes cadastrados no CNJ.
Na época, o garoto mais velho estava com 5 anos. “Nem tenho mais vontade de ter um filho biológico. Não mudaria em nada minha família”, afirma a professora, mãe de meninos de pele parda.
A Secretaria de Direitos Humanos pretende montar um protocolo nacional com parâmetros mínimos para os grupos de adoção, como temas a serem tratados nas reuniões. “Os pais precisam conhecer a realidade que temos”, diz Alice Bittencourt. Quem quer uma criança branca, recém-nascida e sem problemas de saúde terá que esperar, em média, de quatro a seis anos por ela.
Diretora jurídica da Angaad, Silvana do Monte Moreira reforça a necessidade de uma mudança cultural. “Antes, a adoção servia para dar um filho a quem não tinha condições biológicas de gerar o seu. Hoje, a ideia é dar uma família à criança que dela realmente necessite”.
Padrinhos por vocação
Quando chega o fim de semana, Laura, de 16 anos, se prepara para passar algumas horas longe do abrigo, na companhia da professora Gislene Barbosa, de 45 anos. Há seis anos, Gislene participa do programa de apadrinhamento do Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam). A iniciativa consiste em proporcionar um convívio familiar esporádico para crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos.
Enquanto os menores não podem ser acolhidos definitivamente em uma família, o apadrinhamento desponta como uma solução, diz a coordenadora técnica da Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte, Rosilene Miranda. A convivência cumpre a função de trazer uma espécie de “exemplo” do adulto para o jovem. E proporciona um momento de individualidade dele. “No abrigo, tudo é de todo mundo. Mas a criança ou adolescente precisa ter algo só seu para construir a própria identidade”.
Sensibilizadas com a realidade desses “inadotáveis”, a juíza federal Vânila de Moraes e duas amigas fundaram a Associação Alegria, há seis anos, na tentativa de dar um lar a seis meninas. Hoje, as adolescentes entre 16 e 18 anos se consideram irmãs. Estudam em escolas diferentes, têm objetos pessoais e dividem o serviço da casa. “É como uma república”, diz Vânila.
Uma das moradoras é Tatiane Maria de Oliveira, de 18 anos. Ela cursa o 3º ano do Ensino Médio, trabalha desde os 16 anos e sonha em se mudar para a Inglaterra. Também se considera mais feliz do que muitas meninas da sua idade. “Com certeza sou mais. Muita gente tem uma vida mais difícil que a minha”.
Brasil tem 4.856 pequenos cidadãos em busca de uma família
O problema é que esses pequenos brasileiros não se encaixam no perfil exigido pela maioria dos 27.478 candidatos a pais.
Daniela Garcia - Do Hoje em Dia - 18/09/2011 - 14:19
Frederico Haikal
Cadastro Nacional de Adoção tem 27 mil interessados, mas "exigências" emperram os processos
Eles gostam de pular corda, bater figurinhas e, principalmente, de jogar futebol. Jorge, de 13 anos, Gustavo, de 10, e Pedro (nomes fictícios), de 9, dominam com precisão as normas dessas e de outras brincadeiras. Mas nenhum dos garotos consegue explicar as regras da vida para que não tenham uma família como outras crianças. Ao serem questionados, os meninos abaixam a cabeça. A assistente social Susana Maia, diretora do Lar Marista, onde eles estão abrigados, lamenta a situação. “Os três já estão aqui há dois anos, sem passar por processo de adoção”.
Jorge, Gustavo e Pedro pertencem ao grupo de 4.856 crianças, no Brasil, que têm mínimas chances de encontrar uma nova família. O problema não está na falta de pais pretendentes. Na fila dos adotantes estão 27.478 pessoas, uma média de cinco interessadas para cada criança.
A solução numérica não funciona na prática porque grande parte dos menores não tem o perfil procurado pelos candidatos a pais. “O filho sonhado não pode ser negro, ter irmão ou idade superior a 2 anos ou ser soropositivo”, afirma a coordenadora da Política de Convivência Familiar e Comunitária da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, Alice Bittencourt.
A cada aniversário da criança, diminui a probabilidade dela ser adotada. O Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça revela que cerca de 20% dos pais desejam um filho com até 3 anos. Quando o menino ou a menina chega aos 4, as chances de ganhar um lar caem pela metade (9,96%). Mas as menores faixas de interesse se concentram entre os 6 e os 17 anos: 2,99% e 0,06%, respectivamente.
Também há uma preferência majoritária por crianças brancas. Mais de 90% dos pais em potencial querem um filho nesse perfil. Já os dispostos a acolher um negro representam quase um terço disso: 33,38%. Desejos bem distantes da realidade dos jovens à espera de uma família. Negros e pardos aptos à adoção são 3.146 (64%), enquanto o total de brancos é de 1.656 (34%). “Não conseguimos casar os números. Esbarramos no preconceito”, constata Alice.
A intenção dos pais pretendentes revela uma cultura que repudia também o sexo masculino. “A maioria quer uma menina, porque acha que é mais fácil de criar”, argumenta a diretora jurídica da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Silvana do Monte Moreira.
As preferências vêm da falta de informação sobre o universo infantojuvenil, diz a coordenadora técnica da Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte, Rosilene Miranda. Ela avalia que os pais acreditam ser mais simples resolver, por exemplo, o desvio de caráter de um recém-nascido do que o de um garoto de 10 anos. “Os adultos têm medo das experiências já vividas pela criança”.
Silvana, da Angaad, ressalta que a educação de um menor sempre será um desafio. “A gente não diz que adotar significa entrar em um mundo cor-de-rosa. Mas mostramos como é bom enfrentar isso tudo para formar uma família com base no amor e no afeto”, diz a diretora, também mãe adotiva.
Amor vence a resistência dos pais
Moradores de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, Weber Neder Issa, de 58 anos, e Raquel, de 38, também tinham preferências quando resolveram adotar um filho. “No começo, a gente queria um recém-nascido”, conta Raquel.
Mas depois de conhecer, pela internet, experiências bem-sucedidas de outras famílias e de participar de uma palestra sobre o assunto, o casal mudou de ideia. Conheceu C. e decidiu adotá-la.
Na época, a menina tinha 10 anos e vivia em um abrigo a 100 quilômetros de São João del-Rei. “Durante o estágio de convivência, todo fim de semana a gente fazia esse trajeto duas vezes, para levá-la e buscá-la”, recorda Raquel.
A mãe – que se deleita em falar das qualidades da filha, alegre e comunicativa – desmistifica a crença de que uma criança mais velha não se apega facilmente à família, por conta de experiências antigas. “Ela me abraça, beija. E até imita o jeito do Weber falar”, diz Raquel, que não viu entraves à maternidade na idade “avançada” de C., na cor parda da pele, na gagueira ou na leve paralisia facial que a menina tem.
Entre crianças e adolescentes aptos à adoção no Brasil, 1.090 apresentam problemas de saúde. O que não deveria ser um fator limitante para os futuros pais, diz a advogada Eni Coimbra, de 60 anos. Para ela, quem quer ser pai ou mãe deve estar disposto a amar sem restrições. “Filho não é igual a sapato. Se me calça bem, eu levo. Se não, deixo no abrigo”, exemplifica.
Há três anos, Eni conheceu Wellington. O menino, então com 7 anos, nunca havia frequentado a escola, não tinha noções básicas de higiene e apresentava apenas 2% da visão do olho direito. Em um primeiro momento, Eni e o marido se comprometeram a cuidar das necessidades urgentes da criança. “Mas após uma semana de convivência a gente já queria ficar com ele para sempre”, lembra. Hoje, o garoto estuda, recuperou 50% da visão e está a caminho de ter os dentes saudáveis.
Abrigos, o endereço dos "inadotáveis"
Meninos e meninas preteridos no cadastro de adoção são condenados a passar a vida dentro de instituições. Entretanto, a situação dos “inadotáveis” representa apenas uma parcela do problema do acolhimento em abrigos no Brasil, segundo o advogado especialista em direitos da criança Rubens Naves. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, encomendada pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) do Governo federal e divulgada no início do ano, mostra que 36.929 crianças e adolescentes estão institucionalizados no país.
Nem todos terão como destino uma família substituta. O menor só é registrado no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) depois que a destituição de poder dos pais biológicos for concluída.
Mas devido à morosidade dos processos judiciais e à falta de qualificação dos profissionais dos abrigos, esses jovens estão fadados a viver longe de um lar, explica a presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Bárbara Toledo.
“Há crianças que não recebem qualquer visita nos abrigos, mas também não têm possibilidade de sair de lá. Mesmo assim, em muitos casos, o processo de destituição do poder familiar nem começou”, alerta.
Segundo Bárbara, cabe aos gestores das casas-lares e aos juristas da varas cíveis da Infância e Juventude tentar acelerar esse trâmite. A agilidade evitaria que as crianças “envelheçam”, o que diminui as chances de adoção.
Mas o encaminhamento para uma nova família é a última alternativa prevista tanto na Lei Nacional de Adoção, sancionada em 2009, quanto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Os dois textos consideram ideal a permanência do menor com os parentes – se não for possível com os pais, tentativas devem ser feitas com avós, tios e primos. Apenas se o retorno à família biológica não der certo é que o pequeno deve ser preparado para adoção.
A lei de 2009 também determina que o tempo de institucionalização não deve exceder dois anos, salvo exceções. E que a cada seis meses a situação do abrigado seja reavaliada.
O objetivo é fazer com que a permanência nos abrigos seja, de fato, provisória. “O tempo da criança é outro, porque esses menores não podem esperar. Doem muito as sequelas do abandono e a sensação de não pertencer a ninguém”, analisa a coordenadora da Política de Convivência Familiar e Comunitária da SDH, Alice Bittencourt.
Mas, aos poucos, ações começam a acontecer para dar a esses menores chances de uma nova vida. Desde 2009, uma força-tarefa tenta resolver a situação de 4.730 mineiros institucionalizados. Em dois anos, o número de abrigados caiu para 3.004. “Do total, 1.478 voltaram para as famílias e 248 foram destinados à adoção”, diz Eliane Quaresma, coordenadora da Política Estadual Pró-Criança e Adolescente.
Grupos de apoio facilitam adoção e convivência
Como leis não mudam uma cultura de imediato, agentes do governo, membros de ONGs e da sociedade civil se mobilizam para buscar alternativas para crianças e adolescentes que estão à espera de uma família.
Duas medidas a longo prazo são sugeridas por especialistas: a conscientização dos pais pretendentes nas Varas da Infância e Juventude e a participação deles em grupos de apoio à adoção.
Outra solução seria o apadrinhamento, quando adultos se tornam “responsáveis” pelos jovens abrigados e convivem com eles em determinadas situações. Geralmente, durante fins de semana, feriados e datas comemorativas.
No Brasil, existem mais de cem grupos de adoção, segundo a Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad). O Adote Legal, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, reúne, uma vez por mês, 30 pessoas interessadas em adotar um filho ou que já o fizeram. Nos encontros, são debatidos temas relacionados ao processo judicial e ao relacionamento com os menores.
Felicidade junto a irmãos de pele parda
A professora Débora Cortezzi, de 39 anos, é uma das diretoras do Adote Legal. Mãe de Henrique, de 11 anos, e de Carlos, de 9, ela conta que junto com o marido, Marcos Luiz Costa, de 46, remou contra a maré: levou para casa irmãos, algo repudiado por 81,93% dos pais pretendentes cadastrados no CNJ.
Na época, o garoto mais velho estava com 5 anos. “Nem tenho mais vontade de ter um filho biológico. Não mudaria em nada minha família”, afirma a professora, mãe de meninos de pele parda.
A Secretaria de Direitos Humanos pretende montar um protocolo nacional com parâmetros mínimos para os grupos de adoção, como temas a serem tratados nas reuniões. “Os pais precisam conhecer a realidade que temos”, diz Alice Bittencourt. Quem quer uma criança branca, recém-nascida e sem problemas de saúde terá que esperar, em média, de quatro a seis anos por ela.
Diretora jurídica da Angaad, Silvana do Monte Moreira reforça a necessidade de uma mudança cultural. “Antes, a adoção servia para dar um filho a quem não tinha condições biológicas de gerar o seu. Hoje, a ideia é dar uma família à criança que dela realmente necessite”.
Padrinhos por vocação
Quando chega o fim de semana, Laura, de 16 anos, se prepara para passar algumas horas longe do abrigo, na companhia da professora Gislene Barbosa, de 45 anos. Há seis anos, Gislene participa do programa de apadrinhamento do Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam). A iniciativa consiste em proporcionar um convívio familiar esporádico para crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos.
Enquanto os menores não podem ser acolhidos definitivamente em uma família, o apadrinhamento desponta como uma solução, diz a coordenadora técnica da Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte, Rosilene Miranda. A convivência cumpre a função de trazer uma espécie de “exemplo” do adulto para o jovem. E proporciona um momento de individualidade dele. “No abrigo, tudo é de todo mundo. Mas a criança ou adolescente precisa ter algo só seu para construir a própria identidade”.
Sensibilizadas com a realidade desses “inadotáveis”, a juíza federal Vânila de Moraes e duas amigas fundaram a Associação Alegria, há seis anos, na tentativa de dar um lar a seis meninas. Hoje, as adolescentes entre 16 e 18 anos se consideram irmãs. Estudam em escolas diferentes, têm objetos pessoais e dividem o serviço da casa. “É como uma república”, diz Vânila.
Uma das moradoras é Tatiane Maria de Oliveira, de 18 anos. Ela cursa o 3º ano do Ensino Médio, trabalha desde os 16 anos e sonha em se mudar para a Inglaterra. Também se considera mais feliz do que muitas meninas da sua idade. “Com certeza sou mais. Muita gente tem uma vida mais difícil que a minha”.
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Ministério Público incentiva adoção de crianças
A Casa de Passagem II, no San Vale, será palco nesta quinta-feira (28), do Dia em Prol da Adoção de Crianças e Adolescentes. a partir das 16h, numa promoção da 5ª Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e Adolescência de Natal, em parceria com a 2ª Vara da Infância e Juventude.
O local abriga crianças de sete a 11 anos de idade, que aguardam por adoção.
À frente da ação, a promotora Mariana Rebello explica a intenção: – “Além de oferecer um dia de diversão para as crianças, queremos aproximá-las a pessoas que estão inscritas no Cadastro Nacional de Adoção. Dessa forma, os menores passariam menos tempo nas casas abrigo”.
A primeira edição do evento resultou na adoção de seis crianças. A expectativa é que esse número seja superado e que ações semelhantes aconteçam a cada dois meses.
Mais notícias no Twitter da Abelhinha
O local abriga crianças de sete a 11 anos de idade, que aguardam por adoção.
À frente da ação, a promotora Mariana Rebello explica a intenção: – “Além de oferecer um dia de diversão para as crianças, queremos aproximá-las a pessoas que estão inscritas no Cadastro Nacional de Adoção. Dessa forma, os menores passariam menos tempo nas casas abrigo”.
A primeira edição do evento resultou na adoção de seis crianças. A expectativa é que esse número seja superado e que ações semelhantes aconteçam a cada dois meses.
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sexta-feira, 23 de setembro de 2011
O FIO DE CABELO
Luiz Schettini Filho
Os seres humanos sempre tropeçam em pedras,
nunca em montanhas.
Emilie Cady
A convivência se processa na trama de pequenas (ou grandes) coisas que, ao longo do tempo, vão tomando contornos e construindo configurações estranhas. Por vezes, complicadas a tal ponto que passam a ser obstáculo à permanência das relações entre as pessoas.
Em cada história repetem-se ações e reações semelhantes, embora com tonalidades pessoais. O dia-a-dia da convivência aponta para um sem-número de acontecimentos que, individualmente, são vistos como irrelevantes, quando não, sem qualquer significação e que respondem por desgastes e barreiras à vida em comunidade. Para usar uma imagem simples – simplória até --, são como fios de cabelo a quem ninguém dá importância maior. Chama-nos a atenção um fenômeno ocorrente na experiência de quase todos nós: pias e lavatórios que, sem mais nem menos, nos surpreendem simplesmente entupidos; de tempos em tempos nos irritamos com a água que, a cada dia, escoa com mais lentidão. Constatamos o inevitável entupimento.
Tomadas a providências de praxe, descobrimos o surpreendente: a razão de tão incômodo transtorno é simplesmente um amontoado de fios de cabelo. Jamais um fio de cabelo sozinho provocaria tamanho problema. Nem dois, nem três ou quatro... A questão torna-se evidente: o problema é a conjunção dos finíssimos e ignorados fios que vão tecendo uma teia de intervalos tão pequenos que não mais permitem a passagem da água.
Não estaríamos tão longe da realidade se comparássemos boa parte das dificuldades da convivência com o processo de obstrução das pias que deveriam ser um meio de coletar o que nos é útil e deixar escoar o que não mais nos serve para o uso.
No cotidiano das relações é, sem dúvida, o acúmulo de atitudes e ações, aparentemente inofensivas, o responsável pelo entrave da convivência amadurecida e propícia à consecução de projetos comuns das pessoas dos vários grupos a que pertencem: seja na família, no exercício da profissão ou na escola.
Que “fios de cabelos” tão incômodos seriam esses? Vale refletir sobre alguns exemplos.
As palavras apressadas da crítica, movida pela raiva ou por uma interpretação errônea ou, ainda, respostas intempestivas a perguntas que nem sequer foram convenientemente compreendidas.
Comentários maldosos que expõem o outro à crítica de seu grupo de convivência.
Suspeição sobre a conduta do outro sem nenhuma intenção de chegar à verdade para estabelecer uma forma de ajuda.
Negação de oportunidade para que o outro tente reformular comportamentos desorganizados e inadequados.
Idéias pré-formadas sobre o comportamento alheio que dificultem ou impeçam a análise e a disponibilidade de deixar o outro se expressar para podermos assumir atitudes de ajuda.
Dificuldade de ouvir o que o outro diz naquilo que ele tem a dizer, sem nos deixarmos contaminar com o que queremos ou preferimos ouvir. Somos seres da palavra, o que nos faz, por conseqüência, seres da audição.
Criar expectativas distantes ou incompatíveis com a realidade do outro, isto é, exigir dele que se comporte em consonância com o que é bom, adequado ou esperado, sem levar em conta suas limitações e seu ritmo pessoal. Não será muito difícil agirmos de uma maneira justa e amorosa com aqueles em quem reconhecemos limitações decorrentes de patologias ou dificuldades genéticas ou congênitas. Difícil para alguns é agir com justiça e amor quando não enxergam as peculiaridades que não têm a cor da doença entendida como disfunção orgânica.
Interpretar como defeito o que faz parte do conjunto de características pessoais. Há pessoas lentas na compreensão do que se lhes diz, confusas na expressão de suas idéias ou com baixos limiares de irritabilidade, sem que isso tenha que ser visto como um defeito de personalidade. É verdade, que nem sempre, estamos munidos de paciência para esperar do outro um resultado ao qual já chegamos há muito tempo. A boa convivência, entretanto, pede que busquemos usar os recursos que temos em favor dos que não os têm. Afinal, se quisermos alimentar, ao mesmo tempo e no mesmo local, uma girafa e uma ovelha, não seria justo e eficiente colocar o alimento apenas ao alcance da girafa, com seu gigantesco pescoço. Com certeza, a ovelha morreria de fome. A convivência se deteriora quando disponibilizamos seus nutrientes apenas ao alcance dos mais “ágeis” e “habilidosos”.
O silêncio continuado poderá enfraquecer as relações de convivência, sendo interpretado de forma distorcida e injusta. O “não-dito” dá margem a fantasias por vezes incontroláveis. O recolhimento demasiado para dentro de si contribui para distanciamentos no conviver, em que, ao invés de possibilitar compartilhamentos, poderá romper o tecido do aconchego.
Talvez não possamos evitar todos os “fios de cabelo” que se interpõem nas relações de convivência. Todavia poderemos, com certeza, evitar que formem redes e trançados que inviabilizem sentirmo-nos bem nos grupos a que pertencemos.
(Texto de Luiz Schettini Filho, do livro A coragem de conviver, Editora Vozes)
Os seres humanos sempre tropeçam em pedras,
nunca em montanhas.
Emilie Cady
A convivência se processa na trama de pequenas (ou grandes) coisas que, ao longo do tempo, vão tomando contornos e construindo configurações estranhas. Por vezes, complicadas a tal ponto que passam a ser obstáculo à permanência das relações entre as pessoas.
Em cada história repetem-se ações e reações semelhantes, embora com tonalidades pessoais. O dia-a-dia da convivência aponta para um sem-número de acontecimentos que, individualmente, são vistos como irrelevantes, quando não, sem qualquer significação e que respondem por desgastes e barreiras à vida em comunidade. Para usar uma imagem simples – simplória até --, são como fios de cabelo a quem ninguém dá importância maior. Chama-nos a atenção um fenômeno ocorrente na experiência de quase todos nós: pias e lavatórios que, sem mais nem menos, nos surpreendem simplesmente entupidos; de tempos em tempos nos irritamos com a água que, a cada dia, escoa com mais lentidão. Constatamos o inevitável entupimento.
Tomadas a providências de praxe, descobrimos o surpreendente: a razão de tão incômodo transtorno é simplesmente um amontoado de fios de cabelo. Jamais um fio de cabelo sozinho provocaria tamanho problema. Nem dois, nem três ou quatro... A questão torna-se evidente: o problema é a conjunção dos finíssimos e ignorados fios que vão tecendo uma teia de intervalos tão pequenos que não mais permitem a passagem da água.
Não estaríamos tão longe da realidade se comparássemos boa parte das dificuldades da convivência com o processo de obstrução das pias que deveriam ser um meio de coletar o que nos é útil e deixar escoar o que não mais nos serve para o uso.
No cotidiano das relações é, sem dúvida, o acúmulo de atitudes e ações, aparentemente inofensivas, o responsável pelo entrave da convivência amadurecida e propícia à consecução de projetos comuns das pessoas dos vários grupos a que pertencem: seja na família, no exercício da profissão ou na escola.
Que “fios de cabelos” tão incômodos seriam esses? Vale refletir sobre alguns exemplos.
As palavras apressadas da crítica, movida pela raiva ou por uma interpretação errônea ou, ainda, respostas intempestivas a perguntas que nem sequer foram convenientemente compreendidas.
Comentários maldosos que expõem o outro à crítica de seu grupo de convivência.
Suspeição sobre a conduta do outro sem nenhuma intenção de chegar à verdade para estabelecer uma forma de ajuda.
Negação de oportunidade para que o outro tente reformular comportamentos desorganizados e inadequados.
Idéias pré-formadas sobre o comportamento alheio que dificultem ou impeçam a análise e a disponibilidade de deixar o outro se expressar para podermos assumir atitudes de ajuda.
Dificuldade de ouvir o que o outro diz naquilo que ele tem a dizer, sem nos deixarmos contaminar com o que queremos ou preferimos ouvir. Somos seres da palavra, o que nos faz, por conseqüência, seres da audição.
Criar expectativas distantes ou incompatíveis com a realidade do outro, isto é, exigir dele que se comporte em consonância com o que é bom, adequado ou esperado, sem levar em conta suas limitações e seu ritmo pessoal. Não será muito difícil agirmos de uma maneira justa e amorosa com aqueles em quem reconhecemos limitações decorrentes de patologias ou dificuldades genéticas ou congênitas. Difícil para alguns é agir com justiça e amor quando não enxergam as peculiaridades que não têm a cor da doença entendida como disfunção orgânica.
Interpretar como defeito o que faz parte do conjunto de características pessoais. Há pessoas lentas na compreensão do que se lhes diz, confusas na expressão de suas idéias ou com baixos limiares de irritabilidade, sem que isso tenha que ser visto como um defeito de personalidade. É verdade, que nem sempre, estamos munidos de paciência para esperar do outro um resultado ao qual já chegamos há muito tempo. A boa convivência, entretanto, pede que busquemos usar os recursos que temos em favor dos que não os têm. Afinal, se quisermos alimentar, ao mesmo tempo e no mesmo local, uma girafa e uma ovelha, não seria justo e eficiente colocar o alimento apenas ao alcance da girafa, com seu gigantesco pescoço. Com certeza, a ovelha morreria de fome. A convivência se deteriora quando disponibilizamos seus nutrientes apenas ao alcance dos mais “ágeis” e “habilidosos”.
O silêncio continuado poderá enfraquecer as relações de convivência, sendo interpretado de forma distorcida e injusta. O “não-dito” dá margem a fantasias por vezes incontroláveis. O recolhimento demasiado para dentro de si contribui para distanciamentos no conviver, em que, ao invés de possibilitar compartilhamentos, poderá romper o tecido do aconchego.
Talvez não possamos evitar todos os “fios de cabelo” que se interpõem nas relações de convivência. Todavia poderemos, com certeza, evitar que formem redes e trançados que inviabilizem sentirmo-nos bem nos grupos a que pertencemos.
(Texto de Luiz Schettini Filho, do livro A coragem de conviver, Editora Vozes)
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TRIGÊMEAS DE CURITIBA DEVEM CONTINUAR COM OS TIOS, DECIDE JUSTIÇA
22/09/2011
Uma decisão da Justiça do Paraná, publicada na semana passada, determinou que as irmãs trigêmeas que foram retiradas dos pais no início do ano, em Curitiba, continuem sob a guarda provisória dos tios.
As meninas, nascidas em janeiro, foram acolhidas em um abrigo por determinação judicial após os pais manifestarem vontade de entregar uma delas para adoção.
O casal, que fez inseminação artificial, pretendia ter apenas dois filhos.
Após o nascimento dos bebês, eles confirmaram à Vara da Infância e Juventude o desejo de renunciar a uma das crianças. A Justiça, porém, entendeu que o casal não tinha "condições de paternidade e maternidade" e retirou as três de casa, cerca de um mês após o nascimento.
O casal afirma que está arrependido e entrou com uma série de recursos para tentar reaver as meninas.
Em abril, os tios conseguiram a guarda provisória dos bebês, que agora recebem visitas constantes dos pais. Segundo a recente decisão do Tribunal de Justiça, os tios "vêm exercendo o encargo de maneira satisfatória".
Em julho, os pais chegaram a perder o poder familiar sobre uma das crianças (a que havia sido destinada à adoção), mas o casal recorreu e conseguiu reverter a decisão.
A defesa argumentou que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade de os pais se retratarem até a data da publicação da sentença que sacramenta a adoção.
O desembargador Ruy Muggiati, que assina o despacho, diz que "resta inconteste o arrependimento" dos pais, que "por diversas vezes externaram a vontade de ficar com a criança", e lembra que "o poder familiar é irrenunciável".
O despacho ainda menciona que a colocação da criança em família substituta (ou seja, a adoção) é "medida excepcional", e que os pais manifestaram arrependimento dentro dos prazos legais.
O casal continua recorrendo para conseguir reaver a guarda das crianças.
O caso corre em segredo de Justiça --fato pelo qual nem os pais nem seus advogados falam com a imprensa.
Fonte: http://www.jornalfloripa.com.br/brasil/index1.php?pg=verjornalfloripa&id=14399
Uma decisão da Justiça do Paraná, publicada na semana passada, determinou que as irmãs trigêmeas que foram retiradas dos pais no início do ano, em Curitiba, continuem sob a guarda provisória dos tios.
As meninas, nascidas em janeiro, foram acolhidas em um abrigo por determinação judicial após os pais manifestarem vontade de entregar uma delas para adoção.
O casal, que fez inseminação artificial, pretendia ter apenas dois filhos.
Após o nascimento dos bebês, eles confirmaram à Vara da Infância e Juventude o desejo de renunciar a uma das crianças. A Justiça, porém, entendeu que o casal não tinha "condições de paternidade e maternidade" e retirou as três de casa, cerca de um mês após o nascimento.
O casal afirma que está arrependido e entrou com uma série de recursos para tentar reaver as meninas.
Em abril, os tios conseguiram a guarda provisória dos bebês, que agora recebem visitas constantes dos pais. Segundo a recente decisão do Tribunal de Justiça, os tios "vêm exercendo o encargo de maneira satisfatória".
Em julho, os pais chegaram a perder o poder familiar sobre uma das crianças (a que havia sido destinada à adoção), mas o casal recorreu e conseguiu reverter a decisão.
A defesa argumentou que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade de os pais se retratarem até a data da publicação da sentença que sacramenta a adoção.
O desembargador Ruy Muggiati, que assina o despacho, diz que "resta inconteste o arrependimento" dos pais, que "por diversas vezes externaram a vontade de ficar com a criança", e lembra que "o poder familiar é irrenunciável".
O despacho ainda menciona que a colocação da criança em família substituta (ou seja, a adoção) é "medida excepcional", e que os pais manifestaram arrependimento dentro dos prazos legais.
O casal continua recorrendo para conseguir reaver a guarda das crianças.
O caso corre em segredo de Justiça --fato pelo qual nem os pais nem seus advogados falam com a imprensa.
Fonte: http://www.jornalfloripa.com.br/brasil/index1.php?pg=verjornalfloripa&id=14399
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NEGADA REVOGAÇÃO DE ADOÇÃO À BRASILEIRA
22 de Setembro de 2011 Autor registrou a criança como sendo sua filha, pois esta havia sido abandonada pelo pai biológico. Após dois anos, o relacionamento com a mãe da criança foi rompido e ele desejava anular o registroA 7ª Câmara Cível do TJRS negou o pedido de um homem que queria anular seu registro como pai socioafetivo da certidão de nascimento da filha de sua ex-companheira.CasoO autor narrou que quando conheceu a mãe da menina, com quem se relacionou durante dois anos, a menor já havia nascido. Ele registrou a criança como sendo sua filha, pois esta havia sido abandonada pelo pai biológico. Ele afirmou ainda que registrou a menina não só pelo afeto e carinho que tinha, mas também porque acreditava que poderia sustentar a menor por toda a vida.Após dois anos, o relacionamento com a mãe da criança foi rompido. O autor também foi preso e está recolhido junto ao Presídio de Santo Ângelo, para cumprimento de pena por tráfico de drogas.Ele ingressou com ação para anular o registro como sendo pai da menina e pediu exoneração da ação de alimentos que move contra a criança.SentençaO processo tramitou em segredo de Justiça na Comarca de Santo Ângelo. O juiz de direito Carlos Alberto Ely Fontela indeferiu o pedido.O autor recorreu da decisão.ApelaçãoNo TJRS, o processo foi julgado pela 7ª Câmara Cível do TJRS. O Desembargador relator André Luiz Planella Villarinho confirmou a sentença do Juízo do 1º Grau.Na decisão, o magistrado explica que o tipo de adoção realizada pelo autor é a chamada à brasileira, ou seja, registro de filho alheio em nome próprio. A inexistência de filiação biológica reconhecida nos autos, o reconhecimento livre e espontâneo da paternidade, sem qualquer vício de consentimento, caracteriza a denominada adoção à brasileira, a qual é irrevogável, destacou o Desembargador.Pela legislação, somente a menor pode investigar sua paternidade, haja vista o direito constitucional de buscar sua filiação biológica, pelo princípio da dignidade da pessoa humana.Os pedidos de anulação do registro como sendo pai da menina e a exoneração da ação de alimentos que move contra a criança foram negados ao autor.Participaram do julgamento, além do relator, os Desembargadores Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves e Roberto Carvalho Fraga.Apelação nº 70041393901Fonte: TJRS
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quinta-feira, 22 de setembro de 2011
A adoção e o inconsciente
A adoção e o inconsciente:
Uma abordagem simbólica da psicologia Analítica
Por Antonieta Maame Zimeo
“Entre a raiz e a flor há o tempo”
(Carlos Drummond de Andrade)
Falar sobre a adoção é sempre uma vivência carregada de muita emoção para mim, por eu estar envolvida com esse tema até a minha própria alma. E é com a linguagem da alma que exponho a presente elaboração.
Este é um trabalho de pesquisa teórico-prático que se iniciou na década de 80, e que ainda continua, sendo que, entre tantos outros aspectos analisados, neste momento serão abordados, de maneira sintética, apenas três tópicos, a saber:
1. Expressões simbólicas
2. Mitos e deuses
3. Cúmplices do destino
No decorrer da minha prática psicoterápica observei que muitos casos atendidos eram de adotados, e uma série de acontecimentos “coincidentes” ao tema circundaram a minha vida profissional, o que me levou a indagar o “porquê” e o “para que” desse tipo específico de paciente, tendo assim iniciada esta jornada de busca.
Faz-se mister esclarecer que, os casos a serem citados se referem à adoção mal sucedida, que denomino “pseudoadoção”, uma adoção parcial frente à qual o adotivo vê a si próprio parcialmente, dicotomizado e cindido a nível psico-emocional. Entretanto, não intento levar ao descrédito a adoção enquanto alternativa mais válida para as crianças sem família ou institucionalizadas, uma vez que são incontáveis os casos de adoções bem sucedidas, e que, talvez por isso, não chegaram ao consultório.
1. Expressões simbólicas
A explanação do material clínico a seguir não tem por base uma postura interpretativa, mas sim, um olhar simbólico, uma vez que os aspectos sutis a serem citados, são em última instância manifestações do inconsciente, podendo ser considerados como “entrelinhas” do processo de adoção, sendo aqui em específico focalizados os casos de não conhecimento consciente da adoção por parte do adotivo.
Esclareço que, pessoas não adotadas podem também apresentar expressões similares a estas, uma vez que os temas abandono e rejeição são universais, ou seja, são arquétipos.
Parto do princípio de que toda a relação humana é organizada, mediada, tanto por fatores conscientes quanto inconscientes e, portanto, dentro das relações que se estabelecem no processo de adoção também ocorre a interferência de fatores inconscientes, cujo reconhecimento e conscientização promovem a saúde psíquica.
A experiência tem me mostrado que quando o adotivo não sabe conscientemente que o é, sabe porém inconscientemente, e quando não se torna consciente da sua condição, o seu processo de individuação pode ser obstruído desde a infância.
O abandono é uma condição que geralmente antecede a adoção, e sendo o abandono e rejeição arquétipos, o inconsciente sabe da condição da adoção mesmo que a consciência não saiba. O inconsciente vai estar incessantemente fornecendo “avisos” de algo oculto para a consciência, através dos símbolos manifestos em sonhos, fantasias, estórias, desenhos, etc.
O símbolo é uma espécie de instância mediadora entre a incompatibilidade do inconsciente e do consciente, entre o oculto e o revelado; é, portanto, exatamente através dele que ocorre o conhecimento inconsciente da díade abandono-adoção, porém nesses casos sem poder atuar conscientemente.
Caso nº 1: Uma menina, de 8 anos de idade, encaminhada pela escola para o atendimento psicológico, devido a problemas de aprendizagem. Durante a anamnese os pais me relataram que além deles eu era a única pessoa que então passava a saber sobre a adoção, dado que nem o próprio pediatra, parentes e amigos sabiam.
Após a confirmação da esterilidade materna, o casal decidiu adotar uma criança, porém tudo foi planejado para que ninguém soubesse. Mudaram para outra cidade, retornando para a cidade anterior quase dois anos depois, com uma menina que para todos era filha biológica deles.
Na fase do psicodiagnóstico, a mãe me telefonou em desespero contando o sonho que a menina lhe relatara: “eu ontem sonhei que você não podia ter nenê e foi pegar um numa casa que tinha um monte para escolher e você escolheu eu”.
Nesse mesmo dia, na sessão, a criança espontaneamente me contou esse sonho e lhe solicitei que o desenhasse, e na seqüência lhe perguntei o que achava do mesmo, e ela me respondeu: “ah! foi só um sonho, não é de verdade, é só bobagem da minha cabeça”.
A maneira como o consciente da criança adotiva (que não sabe que o é) reage, é semelhante ao de qualquer outra criança, não adotiva, que se depara com situações não informadas acerca de sua pessoa, ocasionando um conflito, um estado de sofrimento psíquico.
Segundo a Psicologia Analítica, as tentativas da consciência de entrar em contato com os complexos são inicialmente do tipo mágico-apotropáico, isto é, tentativas de exorcizá-los, considerando-os como não existentes, chamando-os de “imaginações”, constituindo assim uma forma de assimilação, ou seja, uma forma de negação, pois aquilo que se nega a existência não existe.
Entretanto, com o decorrer do tempo, essas manobras vêm a falir e então insurge um estado de descompensação e deslocamento. A consciência não é mais em condição de negar e lentamente é o complexo que se apropria da consciência, assimilando-a.
Sem o conhecimento consciente, a energia psíquica que se direciona para o inconsciente não consegue se transformar saudavelmente, reaparecendo como sintomas muitas vezes neuróticos, resultantes das informações antagônicas entre o consciente e o inconsciente.
Geralmente, como no caso acima exemplificado, o encaminhamento ao psicólogo é feito devido aos sintomas-distúrbios, e não pela adoção mal sucedida em si.
“Na sua maioria, essas crianças pareciam ter um enorme “buraco” afetivo emocional interno incapaz de ser suprido, estando sempre muito insatisfeitas”. (Zimeo, A. M. Nas entrelinhas da adoção. p.99)
Este “buraco” era simbolizado nos desenhos de diferentes maneiras. Nos testes projetivos como o HTP, era comum a árvore ser desenhada com um buraco no tronco, e as estórias versavam sobre o tema do abandono.
Caso nº 2: Uma menina de 9 anos de idade, encaminhada pela escola por apresentar comportamento depressivo, manifesto pelo isolar-se socialmente. Após fazer o desenho da árvore com um buraco no tronco, ela conta: “esta é uma estória triste, muito triste, porque a mamãe passarinho abandonou o ninho, porque quando foi levar comida para o filhote, o ninho estava vazio e ela foi embora... ela não viu que o ovo com o filhote tinha caído no chão... e uma cobra vai comer ele”.
A árvore de um modo geral, simboliza a evolução, o crescimento, o desenvolvimento de uma pessoa, portanto, o buraco nela inscrito representa simbolicamente um “furo” psíquico nesse desenvolvimento, pela inexistência ou deficiência afetiva da relação parental.
Sobre isso, Edinger diz:
[...] nos casos de perda de uma figura parental em tenra idade em que não houve uma substituição adequada, mantém-se uma espécie de furo na psique: uma importante imagem arquetípica não sofreu personalização, retendo por conseguinte, um poder primordial e ilimitado que ameaça inundar o ego caso este dele se aproxime. (Anatomia da Psique. p. 114)
Essa imagem arquetípica que não sofreu personalização é a mãe arquetípica que não pode ser constelada na mãe ou no pai adotantes, quando estes inconscientemente negam que a criança é adotiva, negando em última instância que é um filho; um filho adotivo.
Caso nº3: Um menino de 8 anos de idade, encaminhado pela escola por comportamento social agressivo e distúrbios de aprendizagem. No desenho da figura humana, ao desenhar a si próprio ele diz: “ esse sou eu e aqui tem um buraco... é um coração”.
Por detrás disso, nas “entrelinhas” existem lacunas, “buracos” afetivos não elaborados concernentes à pessoa de cada um dos pais adotantes, e que são inconscientemente repassados para a criança através da relação com esta.
Na fala e na escrita era comum a criança não utilizar o pronome possessivo, ou então usar vocábulos gerais para as relações familiares, como por exemplo: “o homem/o pai” ao invés de “meu pai”; “a mulher/a mãe” ao invés de “minha mãe”; “a mãe da mulher” ao invés de “minha avó”, etc.
Correspondentemente na fala dos pais, o distanciamento afetivo era o mesmo quando se referiam à criança, dizendo por exemplo: “o menino/a menina” ao invés de “meu filho/minha filha”.
Tanto a palavra falada quanto a escrita retratam imagens que são configurações seja de um processo simbólico intrapsíquico, quanto da dinâmica interpessoal pais-filhos adotivos, que correspondem a atributos constitutivos da emoção presente, que nos exemplos supracitados, são frutos da defesa, da recíproca negação inconsciente do vínculo filial-parental.
Em crianças acima de 9 anos de idade, se observou freqüente e acentuada dificuldade em desenhar a família, pois a noção de família não foi internalizada, por não ter sido de fato vivenciada afetivamente. Muitas dessas crianças, quando solicitadas, me perguntavam: “Família, como assim desenhar uma família? Não sei como é!”; e quando chegavam a desenhá-la, ou a criança não se incluía no desenho, ou se desenhava numa folha a parte, ou se localizava na mesma folha, porém, distante dos outros membros.
Ou ainda, quando raramente se incluía, era comum desenhar a si e aos pais com rostos sem face. Dessa forma, a não identidade familiar também é expressa simbolicamente nos desenhos através de rostos sem olhos, boca, nariz, manifestando a ausência, o vazio, do “eu-pai/ eu-mãe/ eu-filho”, o vazio do eu.
O adotivo por não saber de suas origens, se torna um ser alienado de si mesmo.
Face a isso como poderá esse ser alienado de si próprio, processar a sua individuação se a sua identidade foi negada ou distorcida?
Se para ocorrer o processo de individuação se faz preliminarmente necessária a integração dos conteúdos inconscientes á consciência, e se o adotivo não sabe conscientemente que o é, esse processo já no período da infância tem um obstáculo intransponível, e o destino de “ser quem é” não se cumpre.
De acordo com Jung:
O termo “individuação” pode [...] indicar somente um processo psicológico que realiza destinos individuais dados, ou seja, que faz do homem aquele ser singular que é. (CW. 8/2, § 174)
[...] A individualidade psicológica existe inconscientemente à priori, conscientemente ao invés somente na medida na qual subsiste o conhecimento de um peculiar modo de ser. (CW. 6, § 465)
O processo de individuação, como conota Jung, é a tomada de consciência da própria individualidade, o fazer-se indivíduo psicológico. “... Ninguém pode viver de outra coisa, senão daquilo que se é.” (CW. 14/1, § 304)
2. Mitos e deuses
As fronteiras do processo de individuação da pessoa adotiva se expandem na mitologia, mais precisamente no “mito do herói”. Sabe-se que muitos heróis foram abandonados e adotados, e a elaboração desta tragédia constelada concretamente em suas vidas, requer o esforço psíquico para o percurso simbólico do “nascimento-morte-renascimento”.
A jornada do herói (ou da individuação), é uma jornada mítica-humana, ou seja , um percurso arquetípico e portanto, constitutivo de todo e qualquer ser humano a nível simbólico.
Na mitologia grega, são inúmeros os personagens míticos que viveram essa jornada, como por exemplo: Zeus, Apolo, Dionísio, Asclépio, Páris e tantos outros.
Será comentado o mito de Dionísio, por nele residirem aspectos simbólicos capitais similares à jornada heróica da pessoa adotiva, como os temas: duplo-nascimento; dupla-mãe; exposição; abandono; nostalgia.
Contando um pouco sobre o mito:
Dionísio, também chamado de o deus nascido duas vezes, era filho de Zeus, rei dos deuses, e de Sêmele, princesa de Tebas, porém mortal. A esposa imortal de Zeus, a deusa Hera, enfurecida com a infidelidade do marido, disfarçou-se em ama-seca e foi ao encontro de Sêmele, ainda grávida, e a persuadiu a pedir que o marido se mostrasse em todo o seu esplendor e glória divina. Zeus satisfez a vontade de Sêmele, a qual não suportando a visão do deus circundado de clarões, tombou fulminada. Zeus retirou a criança que ela gerava e ordenou que Hermes, o mensageiro dos deuses, a costurasse em sua (Zeus) coxa. Ao terminar a gestação, Dionísio nasceu, vivo e perfeito.
Contudo, Hera continuou a perseguir a estranha criança de chifres, e ordenou aos Titãs, deuses terrenos, que matassem o menino, fazendo-o em pedaços. Zeus conseguiu resgatar o coração da criança que ainda batia, colocando-o para cozinhar, junto com sementes de romã, transformando tudo numa poção mágica, a qual deu de beber para Perséfone, que acabara de ser raptada por Hades, deus das trevas e da escuridão e que se tornaria sua esposa. Perséfone engravidou e novamente deu a luz a Dionísio, o renascido das trevas. Por esse motivo, era chamado de Dionísio-Iaco, o que nasceu duas vezes, deus da luz e do êxtase.
Convocado por seu pai, Zeus, para viver na terra junto com os homens e compartilhar com ele as alegrias e sofrimentos dos mortais, Dionísio foi atingido pela loucura de Hera, indo perambular pelo mundo ao lado dos sátiros selvagens, dos loucos e dos animais. Deu à humanidade o vinho e suas bênçãos, e concedeu ao êxtase da embriaguez, a redenção espiritual a todos que decidiram abandonar e renunciar à riqueza e ao poder material.
Por fim, seu pai celestial, permitiu-lhe retornar ao Olimpo, onde tomou seu lugar à direita do rei dos deuses. Nesse período, Dionísio conseguiu resgatar sua mãe Sêmele e revivê-la. (Síntese extraída de: Sharman-Burke, J.; Greene, L. O Tarô Mitológico. p. 19-20)
A afabulação do duplo-nascimento, que quer dizer também dupla-gestação, remete ao esquema clássico da iniciação: nascimento-morte-renascimento.
No mito, o duplo nascimento de Dionísio configura-se seja quando é gestado na coxa de Zeus e, depois quando nasce de Perséfone.
Assim como Dionísio, os adotivos também foram rejeitados, vindo a ter uma segunda mãe, a adotiva, que simboliza desde aqui, a possibilidade do renascimento a nível psíquico.
A dupla-mãe refere-se a uma mãe humana e a outra arquetípica. Sêmele foi sua mãe mortal, porém, através de Zeus (deus) e de Perséfone (deusa) se configura a sua mãe arquetípica a qual é projetada em quem cuidou dele. O mesmo se observa com o adotivo, que tem uma mãe real e uma simbólica, e que constelará esta última na primeira. Aliás, como qualquer um de nós, adotivos ou não.
Dionísio mantém, por um certo tempo, uma conexão negativa com a mãe arquetípica representada por Hera (deusa que tudo fez para o aniquilar). A deusa Hera comporta a mãe-bruxa, a mãe má, simbolicamente a face materna da rejeição, pois ela não aceita a sua existência, que no adotivo ocorre quando a mãe e/ou o pai adotantes inconscientemente não o aceitam como filho, repetindo-se novamente o abandono na vida da criança, só que desta vez dentro do próprio contexto da adoção.
A conseqüência é trágica, pois assim como Dionísio é tomado pela loucura engendrada por Hera, o adotivo psiquicamente também se dissocia, quer por não saber conscientemente de suas origens, quer por não se sentir afetivamente filho dos pais adotantes. Dionísio fica possuído, tomado pelo aspecto negativo do arquétipo materno, representado por Hera, sendo que mítica e psicologicamente o mesmo ocorre com o adotivo quando tomado pelo arquétipo do abandono-rejeição, o que compõe o complexo materno terrorífico.
Zeus que sempre interfere a seu favor, pode ser entendido como a consciência de algo que é seu por direito, ser filho dele e herdar seu trono individuacional. É como se Zeus simbolizasse o constante chamado de quem Dionísio realmente é. A conscientização (Zeus) desses conteúdos cindidos ou dissociados é a alternativa para a reintegração psíquica do adotivo sendo o ponto inicial para que o ego possa comungar com o Self, podendo assim o adotivo recompor quem ele de fato é.
Esta recomposição também ocorre quando Dionísio, qualificado de “touro” pelos poetas, é dilacerado pelos Titãs e sua carne devorada pelas Bacantes.
Segundo Brandão:
[...] despedaçando animais e devorando-os, os devotos de Dionísio integram-se nele e o recompõem simbolicamente, o que consoante Jung,, configura a conscientização de conteúdos divididos [...] De fato, os Titãs comportam-se como mestres de iniciação, no sentido de que matam o neófito, a fim de fazê-lo “renascer” numa forma superior de existência [...] Dionísio é o deus da metamorphosis, quer dizer, o deus da transformação. (Mitologia grega. vol. I. p. 137 e 135)
Mas afinal, o que é que morre e renasce no adotivo?
Algo que ele perde e reencontra, a sua identidade. Esse processo envolve uma busca para o interior de si mesmo; é a regressão da energia para o inconsciente a fim de resgatar a mãe arquetípica com quem perdeu o elo, ou melhor, que não pode ser configurada nos mãe/pai adotantes. Ele busca a si através da mãe.
Assim, Dionísio representa a criança divina que, em todos nós, vive esta eterna busca.
E Hillman diz:
Esta é a figura clássica do Puer Aeternus: o componente eternamente jovem de cada psique humana [...] que está sempre ansiando, e que em última análise está ligado à mãe arquetípica. Nosso pothos refere-se a nossa natureza angelical, e nossos anseios e viagens errantes pelo mar são efeitos, em nossas vidas pessoais, das imagens transpessoais que nos solicitam, nos impelem e nos forçam a imitar os destinos míticos (Estudos de psicologia arquetípica. p. 67 e 77)
É nesse sentido que podemos dizer que somos todos adotados, que em cada um de nós habita um adotado, cujas carências e temores remetem a um Deus-Pai para consolo, mas clama pela vingança do abandono, do sentimento de fraqueza. O conflito está presente e é constitutivo do ser humano. Mas, neste trabalho importa refletir sobre estes mecanismos no adotado, sobre quem abandono e sofrimento foram recair.
Dionísio executa essa busca descendo até o fundo do Hades para de lá arrancar sua mãe Sêmele e conferir-lhe a imortalidade. Hades pode simbolizar o inconsciente coletivo nas suas profundezas, e só um mergulho profundo neste vasto e infinito oceano é que nos fará re-significar a própria vida, pois nele reside a origem de tudo.
A busca das origens é um tema universal (arquetípico), um motivo mítico presente em todos nós. A criança adotiva, como qualquer outra criança, em algum momento de sua vida, naturalmente, indaga sobre de onde veio, para então poder se orientar para onde vai.
A integração do que a criança adotiva traz de suas origens e de seu passado, ao longo do seu desenvolvimento individual, só é possível se os pais e a criança aprenderem juntos a compreender esses dados. A restituição do que a criança viveu permitirá o sentimento de sua continuidade e de sua identidade. Se trata de um processo que reconstrói o passado em função do presente, com o olhar voltado para o futuro.
O adotivo poderá então cumprir o seu destino: o “quem sou” e o “para que sou”.
3. Cúmplices do destino
Confesso ser cúmplice de tudo que foi exposto, através da minha ancestralidade. Meu sobrenome paterno foi inventado há três gerações passadas. Numa das vezes que estive na Itália, em 1989, obtive a confirmação de que meu bisavô paterno tinha vivido em um orfanato no início de sua infância, sendo adotado por um casal, que assim como ele, desconhecia sua origem biológica. Por parte materna, minha avó também italiana, foi criada pela própria mãe como sendo adotada, porque aquela acreditava que a filha morrera durante o parto, supondo que o marido lhe trouxera uma outra criança em seu lugar.
Compreendi então, “porquê” e “para que” por obra do destino, sucederam comigo tantos encontros com os adotivos. Não acredito em coincidências; por inúmeras vezes eu conseguia entender o que essas crianças queriam me dizer, mesmo que nada pronunciassem e principalmente sentir o que sentiam no seu coração.
É importante esclarecer que, quando falo em destino considero ambos os princípios, causal (“porquê) e final (“para que”), entretanto ressalto a visão simbólica desse termo, enquanto uma possibilidade a porvir, com um sentido (Sinn).
Em 1990 comecei a ministrar palestras e a publicar artigos sobre o tema da adoção, porém nenhum adotivo chegou ao consultório através dessa divulgação, mas exatamente como antes eles continuavam vindo sem o conhecimento prévio da minha experiência profissional com a adoção.
Anos depois, me mudei de São Paulo para o Paraná, e acreditei que o meu encontro com os adotivos se romperia, e assim que recomecei o atendimento psicoterápico procurei um orfanato na nova cidade para prestar um trabalho psicológico voluntário, mas não localizei nenhum. Após três meses, a vizinha do consultório, a qual eu não conhecia, pediu que eu atendesse uma menina órfã, que habitava no orfanato coordenado por ela.
Essas situações supracitadas são algumas, dentre tantas outras, que me sucederam.
Como podem ser entendidas essas sucessivas “coincidências”?
Conforme Jung, esses são eventos sincronísticos sendo a sincronicidade compreendida como um “princípio de conexão acausal”. Não é uma causalidade mágica, mas sim a concomitância entre dois fatos que não são regidos pela causalidade. Uma conexão que ocorre entre a psique pessoal e o mundo material, ambos considerados apenas como diferentes formas de energia, justamente por serem regidos pelo arquétipo.
Na palavras de Jung:
[...] não apenas é possível mas até bastante provável que psique e matéria sejam dois aspectos diferentes de uma só e mesma coisa. Parece-me que os fenômenos sincronísticos apontam nesta direção, pois mostram que o não psíquico comporta-se como psíquico, e vice-versa, sem que haja qualquer conexão causal entre eles. (CW. 8/2, § 418)
Em Reflexões Teóricas sobre a Natureza da Psique, Jung compara, de forma sistemática, o recurso de uma analogia entre a Física Quântica e a psique, ou seja, uma profunda convergência de perspectivas entre a Física e a Psicologia, dizendo:
[...] comparada a outras ciências naturais, a Psicologia se encontra em uma situação crítica porque lhe falta uma base colocada ao externo do seu objeto. Não pode traduzir-se ou reconhecer-se que em si mesma. Quanto mais se alarga o campo de seus objetivos, mais estes se fazem complexos, e mais lhe falta um ângulo visual distinto do seu objeto. É quando a complexidade retoma a própria complexidade do homem empírico, a sua psicologia desemboca inevitavelmente no mesmo processo psíquico. Não é mais em condições de distinguir-se desse, mas torna-se o processo idêntico. O efeito é o seguinte: o processo retoma a consciência e [...] a psicologia é o “fazer-se consciência” do processo psíquico mas não é uma explicação de tal processo, porque cada explicação do fato psíquico não pode ser outra que o próprio processo vital da psique. [...] (CW. 8/2, § 429)
OBS: O grifo é meu e proposital.
E é exatamente nesse ponto que Jung cita a analogia entre a Física Quântica e a psique. Ele busca recursos de apoio na Física por acreditar que em certas zonas de contato entre o físico e o psíquico fosse operativo o princípio de sincronicidade.
Em particular, o conceito de arquétipo, na sua irrepresentabilidade constitutiva – que porém está ligada com o seu operar “indireto” sobre a consciência – é que mais se beneficia, segundo Jung, das vantagens provenientes da correspondência estabelecida com certos setores de pesquisa da Física.
Assim, conforme Jung:
[...]Também a Física apresenta uma situação análoga. Existem, na Física, partículas que por si não são perceptíveis, capazes porém de efeitos em base à cuja natureza podemos construir um determinado modelo. A representação arquetípica, o assim chamado motivo ou mitologema, corresponde a uma construção do gênero [...] Quando a Psicologia hipotetiza, com base nas suas observações, a existência de certos fatores psicóides irrepresentáveis, se comporta do mesmo modo que a Física quando constrói um modelo de átomo.[...] (CW. 8/2, § 417)
A sincronicidade é quântica pelo fato de existir uma concomitância entre o físico e o psíquico, ou entre o psíquico e o psíquico. E o fato do indivíduo perceber a concomitância propicia favorecer o significado.
Assim, os fatos estão sempre interligados mas depende do “olhar” do observador para perceber a concomitância e qual o significado (subjetivo) da mesma. Esse olhar é em última instância simbólico, e a interpretação do símbolo é pessoal, ou seja, subjetiva.
Para a Física Quântica o Universo é como um mar de ondas quânticas. A energia quântica se move por ondas, as quais transportam informações, interligando tudo no Universo. Daí advém a idéia de macrocosmo e microcosmo interligados, unificados. Isto porque a energia quântica que é uma energia primitiva, tem seu deslocamento mais rápido do que a velocidade da luz, onde o todo e suas partes mantém uma recíproca inter-relação e similaridade. Poderíamos comparar o Universo (macrocosmo) como sendo um bolo e cada um de nós (microcosmo) como sendo as fatias, e portanto tudo o que está no bolo (como por exemplo, farinha, leite, ovos, etc.) está também em cada fatia. Por isso para compreendermos o Universo não precisamos buscar fora, mas sim dentro de nós mesmos. Assim como o todo contém as partes, cada parte contém o todo.
A sincronicidade seria como uma pedra que lançada num lago forma vários círculos, sendo que tudo o que se encontrar numa mesma faixa, mesmo que distante, tem a mesma informação.
Dessa forma, por destino compreende-se algo organizado sincronisticamente com uma direção.
Quando falamos em Universo nos referimos ao infinito a nível de espaço e tempo, onde não há começo e não há fim, só mudança, ou seja, um processo contínuo.
Nesse sentido, o tempo e o espaço não são absolutos, pois são na realidade uma construção do pensamento, da consciência.
Jung tenta ampliar a relatividade espaço-temporal dos eventos, para neles incluir, como ulterior elemento determinante, o “estado psíquico” , desde que este seja definido no modo mais amplo possível:
[...] Nas experiências com o tempo e o espaço, respectivamente, esses dois fatores reduzem-se mais ou menos a zero, como se o espaço e o tempo dependessem de condições psíquicas, ou como se existissem por si mesmos e fossem “produzidos” pela consciência. [...] Em si, o espaço e o tempo consistem em nada. São conceitos hipostasiados, nascidos da atividade discriminadora da consciência e formam as coordenadas indispensáveis para a descrição do comportamento dos corpos em movimento. São, portanto, de origem essencialmente psíquica [...] (CW. 8/3, § 840)
Assim, mais e além do que uma tentativa da consciência de explicar o que é espaço e tempo, se poderia atribuir a estes um caráter simbólico de “pontes” uníssonas entre o antes e o depois, e entre o lá e o aqui, num todo único e continuum. Essa interconexão transcende todos os nossos sentidos, e toda e qualquer explicação se apresenta como um mero constructo teórico redutivo.
Em outras palavras, o que permanece aqui como uma questão em aberto é o fato de que tanto a Psicologia Analítica quanto a Física sabem que existe algo que não é o espaço-tempo; sabem apenas que existe algo além, mas não sabem o que é, ou seja, que permanece como um constructo teórico, fruto da consciência. O além do espaço-tempo não é físico, é imensurável.
Mas o que está além do espaço-tempo está dentro de todas as coisas, dentro de cada ponto de nós mesmos, dentro de cada ponto do Espaço (Universo). Portanto, dentro e fora simultaneamente, numa interpenetração de universos.
Esse além, essa consciência superior, jamais poderá ser atingida em sua plenitude, mas certamente ser vivenciada através dos encontros com o “outro” e “consigo mesmo”. Esse além sempre existiu e existirá além de nós e em cada um de nós, e também por infinitas vezes virá ao nosso encontro, de maneira natural, para que cumpramos o nosso destino.
E assim como um poema esse além é inesgotável.
Graças quero dar ao Divino
labirinto dos afetos e das causas
pela diversidade das criaturas
que formam este singular Universo,
pela razão que não cessará de sonhar
com um plano do labirinto,
pelo amor que nos deixa ver os outros
como os vê a divindade,
pelo fulgor do fogo
que nenhum ser humano pode olhar
sem um assombro antigo,
pelo pão e pelo sal,
pelo mistério da rosa
que prodiga a cor e que não a vê,
pela arte da amizade,
pela linguagem, que pode simular a sabedoria,
pela manhã que nos depara a ilusão de um princípio,
pelo valor e a felicidade dos outros,
pelo fato de que o poema é inesgotável
e se confunde com a soma das criaturas
e jamais chegará ao último verso,
pelos minutos que precedem o sonho,
pela música, misteriosa forma do tempo.”
(Jorge Luís Borges)
Referências Bibliográficas:BRANDÃO, J. S. (1996). Mitologia grega. vol. I. Petrópolis. Vozes.
EDINGER, E. F. (1995). Anatomia da psique. São Paulo. Cultrix.
HILLMAN, J. (1981). Estudos de psicologia arquetípica. Rio de Janeiro. Achiamé.
JUNG, C. G. (1985 a). A natureza da psique. CW. 8/2. Petrópolis. Vozes.
_____. (1985 b). Mysterium coniunctionis. CW. 14/1. Petrópolis. Vozes.
_____. (1990). Sincronicidade. CW. 8/3. Petrópolis. Vozes.
_____. (1991). Tipos psicológicos. CW. 6. Petrópolis. Vozes.
SHARMAN-BURKE, J.; GREENE, L. (1988). O tarô mitológico. São Paulo. Siciliano.
ZIMEO, A. M. (1994). Nas entrelinhas da adoção: uma abordagem psicológica. In: FREIRE, F. Abandono e adoção. vol. 2, p.98-104. Curitiba. Terre des Homes.
Fonte: http://www.fundacion-jung.com.ar/cuadernos/Adoption.htm
Uma abordagem simbólica da psicologia Analítica
Por Antonieta Maame Zimeo
“Entre a raiz e a flor há o tempo”
(Carlos Drummond de Andrade)
Falar sobre a adoção é sempre uma vivência carregada de muita emoção para mim, por eu estar envolvida com esse tema até a minha própria alma. E é com a linguagem da alma que exponho a presente elaboração.
Este é um trabalho de pesquisa teórico-prático que se iniciou na década de 80, e que ainda continua, sendo que, entre tantos outros aspectos analisados, neste momento serão abordados, de maneira sintética, apenas três tópicos, a saber:
1. Expressões simbólicas
2. Mitos e deuses
3. Cúmplices do destino
No decorrer da minha prática psicoterápica observei que muitos casos atendidos eram de adotados, e uma série de acontecimentos “coincidentes” ao tema circundaram a minha vida profissional, o que me levou a indagar o “porquê” e o “para que” desse tipo específico de paciente, tendo assim iniciada esta jornada de busca.
Faz-se mister esclarecer que, os casos a serem citados se referem à adoção mal sucedida, que denomino “pseudoadoção”, uma adoção parcial frente à qual o adotivo vê a si próprio parcialmente, dicotomizado e cindido a nível psico-emocional. Entretanto, não intento levar ao descrédito a adoção enquanto alternativa mais válida para as crianças sem família ou institucionalizadas, uma vez que são incontáveis os casos de adoções bem sucedidas, e que, talvez por isso, não chegaram ao consultório.
1. Expressões simbólicas
A explanação do material clínico a seguir não tem por base uma postura interpretativa, mas sim, um olhar simbólico, uma vez que os aspectos sutis a serem citados, são em última instância manifestações do inconsciente, podendo ser considerados como “entrelinhas” do processo de adoção, sendo aqui em específico focalizados os casos de não conhecimento consciente da adoção por parte do adotivo.
Esclareço que, pessoas não adotadas podem também apresentar expressões similares a estas, uma vez que os temas abandono e rejeição são universais, ou seja, são arquétipos.
Parto do princípio de que toda a relação humana é organizada, mediada, tanto por fatores conscientes quanto inconscientes e, portanto, dentro das relações que se estabelecem no processo de adoção também ocorre a interferência de fatores inconscientes, cujo reconhecimento e conscientização promovem a saúde psíquica.
A experiência tem me mostrado que quando o adotivo não sabe conscientemente que o é, sabe porém inconscientemente, e quando não se torna consciente da sua condição, o seu processo de individuação pode ser obstruído desde a infância.
O abandono é uma condição que geralmente antecede a adoção, e sendo o abandono e rejeição arquétipos, o inconsciente sabe da condição da adoção mesmo que a consciência não saiba. O inconsciente vai estar incessantemente fornecendo “avisos” de algo oculto para a consciência, através dos símbolos manifestos em sonhos, fantasias, estórias, desenhos, etc.
O símbolo é uma espécie de instância mediadora entre a incompatibilidade do inconsciente e do consciente, entre o oculto e o revelado; é, portanto, exatamente através dele que ocorre o conhecimento inconsciente da díade abandono-adoção, porém nesses casos sem poder atuar conscientemente.
Caso nº 1: Uma menina, de 8 anos de idade, encaminhada pela escola para o atendimento psicológico, devido a problemas de aprendizagem. Durante a anamnese os pais me relataram que além deles eu era a única pessoa que então passava a saber sobre a adoção, dado que nem o próprio pediatra, parentes e amigos sabiam.
Após a confirmação da esterilidade materna, o casal decidiu adotar uma criança, porém tudo foi planejado para que ninguém soubesse. Mudaram para outra cidade, retornando para a cidade anterior quase dois anos depois, com uma menina que para todos era filha biológica deles.
Na fase do psicodiagnóstico, a mãe me telefonou em desespero contando o sonho que a menina lhe relatara: “eu ontem sonhei que você não podia ter nenê e foi pegar um numa casa que tinha um monte para escolher e você escolheu eu”.
Nesse mesmo dia, na sessão, a criança espontaneamente me contou esse sonho e lhe solicitei que o desenhasse, e na seqüência lhe perguntei o que achava do mesmo, e ela me respondeu: “ah! foi só um sonho, não é de verdade, é só bobagem da minha cabeça”.
A maneira como o consciente da criança adotiva (que não sabe que o é) reage, é semelhante ao de qualquer outra criança, não adotiva, que se depara com situações não informadas acerca de sua pessoa, ocasionando um conflito, um estado de sofrimento psíquico.
Segundo a Psicologia Analítica, as tentativas da consciência de entrar em contato com os complexos são inicialmente do tipo mágico-apotropáico, isto é, tentativas de exorcizá-los, considerando-os como não existentes, chamando-os de “imaginações”, constituindo assim uma forma de assimilação, ou seja, uma forma de negação, pois aquilo que se nega a existência não existe.
Entretanto, com o decorrer do tempo, essas manobras vêm a falir e então insurge um estado de descompensação e deslocamento. A consciência não é mais em condição de negar e lentamente é o complexo que se apropria da consciência, assimilando-a.
Sem o conhecimento consciente, a energia psíquica que se direciona para o inconsciente não consegue se transformar saudavelmente, reaparecendo como sintomas muitas vezes neuróticos, resultantes das informações antagônicas entre o consciente e o inconsciente.
Geralmente, como no caso acima exemplificado, o encaminhamento ao psicólogo é feito devido aos sintomas-distúrbios, e não pela adoção mal sucedida em si.
“Na sua maioria, essas crianças pareciam ter um enorme “buraco” afetivo emocional interno incapaz de ser suprido, estando sempre muito insatisfeitas”. (Zimeo, A. M. Nas entrelinhas da adoção. p.99)
Este “buraco” era simbolizado nos desenhos de diferentes maneiras. Nos testes projetivos como o HTP, era comum a árvore ser desenhada com um buraco no tronco, e as estórias versavam sobre o tema do abandono.
Caso nº 2: Uma menina de 9 anos de idade, encaminhada pela escola por apresentar comportamento depressivo, manifesto pelo isolar-se socialmente. Após fazer o desenho da árvore com um buraco no tronco, ela conta: “esta é uma estória triste, muito triste, porque a mamãe passarinho abandonou o ninho, porque quando foi levar comida para o filhote, o ninho estava vazio e ela foi embora... ela não viu que o ovo com o filhote tinha caído no chão... e uma cobra vai comer ele”.
A árvore de um modo geral, simboliza a evolução, o crescimento, o desenvolvimento de uma pessoa, portanto, o buraco nela inscrito representa simbolicamente um “furo” psíquico nesse desenvolvimento, pela inexistência ou deficiência afetiva da relação parental.
Sobre isso, Edinger diz:
[...] nos casos de perda de uma figura parental em tenra idade em que não houve uma substituição adequada, mantém-se uma espécie de furo na psique: uma importante imagem arquetípica não sofreu personalização, retendo por conseguinte, um poder primordial e ilimitado que ameaça inundar o ego caso este dele se aproxime. (Anatomia da Psique. p. 114)
Essa imagem arquetípica que não sofreu personalização é a mãe arquetípica que não pode ser constelada na mãe ou no pai adotantes, quando estes inconscientemente negam que a criança é adotiva, negando em última instância que é um filho; um filho adotivo.
Caso nº3: Um menino de 8 anos de idade, encaminhado pela escola por comportamento social agressivo e distúrbios de aprendizagem. No desenho da figura humana, ao desenhar a si próprio ele diz: “ esse sou eu e aqui tem um buraco... é um coração”.
Por detrás disso, nas “entrelinhas” existem lacunas, “buracos” afetivos não elaborados concernentes à pessoa de cada um dos pais adotantes, e que são inconscientemente repassados para a criança através da relação com esta.
Na fala e na escrita era comum a criança não utilizar o pronome possessivo, ou então usar vocábulos gerais para as relações familiares, como por exemplo: “o homem/o pai” ao invés de “meu pai”; “a mulher/a mãe” ao invés de “minha mãe”; “a mãe da mulher” ao invés de “minha avó”, etc.
Correspondentemente na fala dos pais, o distanciamento afetivo era o mesmo quando se referiam à criança, dizendo por exemplo: “o menino/a menina” ao invés de “meu filho/minha filha”.
Tanto a palavra falada quanto a escrita retratam imagens que são configurações seja de um processo simbólico intrapsíquico, quanto da dinâmica interpessoal pais-filhos adotivos, que correspondem a atributos constitutivos da emoção presente, que nos exemplos supracitados, são frutos da defesa, da recíproca negação inconsciente do vínculo filial-parental.
Em crianças acima de 9 anos de idade, se observou freqüente e acentuada dificuldade em desenhar a família, pois a noção de família não foi internalizada, por não ter sido de fato vivenciada afetivamente. Muitas dessas crianças, quando solicitadas, me perguntavam: “Família, como assim desenhar uma família? Não sei como é!”; e quando chegavam a desenhá-la, ou a criança não se incluía no desenho, ou se desenhava numa folha a parte, ou se localizava na mesma folha, porém, distante dos outros membros.
Ou ainda, quando raramente se incluía, era comum desenhar a si e aos pais com rostos sem face. Dessa forma, a não identidade familiar também é expressa simbolicamente nos desenhos através de rostos sem olhos, boca, nariz, manifestando a ausência, o vazio, do “eu-pai/ eu-mãe/ eu-filho”, o vazio do eu.
O adotivo por não saber de suas origens, se torna um ser alienado de si mesmo.
Face a isso como poderá esse ser alienado de si próprio, processar a sua individuação se a sua identidade foi negada ou distorcida?
Se para ocorrer o processo de individuação se faz preliminarmente necessária a integração dos conteúdos inconscientes á consciência, e se o adotivo não sabe conscientemente que o é, esse processo já no período da infância tem um obstáculo intransponível, e o destino de “ser quem é” não se cumpre.
De acordo com Jung:
O termo “individuação” pode [...] indicar somente um processo psicológico que realiza destinos individuais dados, ou seja, que faz do homem aquele ser singular que é. (CW. 8/2, § 174)
[...] A individualidade psicológica existe inconscientemente à priori, conscientemente ao invés somente na medida na qual subsiste o conhecimento de um peculiar modo de ser. (CW. 6, § 465)
O processo de individuação, como conota Jung, é a tomada de consciência da própria individualidade, o fazer-se indivíduo psicológico. “... Ninguém pode viver de outra coisa, senão daquilo que se é.” (CW. 14/1, § 304)
2. Mitos e deuses
As fronteiras do processo de individuação da pessoa adotiva se expandem na mitologia, mais precisamente no “mito do herói”. Sabe-se que muitos heróis foram abandonados e adotados, e a elaboração desta tragédia constelada concretamente em suas vidas, requer o esforço psíquico para o percurso simbólico do “nascimento-morte-renascimento”.
A jornada do herói (ou da individuação), é uma jornada mítica-humana, ou seja , um percurso arquetípico e portanto, constitutivo de todo e qualquer ser humano a nível simbólico.
Na mitologia grega, são inúmeros os personagens míticos que viveram essa jornada, como por exemplo: Zeus, Apolo, Dionísio, Asclépio, Páris e tantos outros.
Será comentado o mito de Dionísio, por nele residirem aspectos simbólicos capitais similares à jornada heróica da pessoa adotiva, como os temas: duplo-nascimento; dupla-mãe; exposição; abandono; nostalgia.
Contando um pouco sobre o mito:
Dionísio, também chamado de o deus nascido duas vezes, era filho de Zeus, rei dos deuses, e de Sêmele, princesa de Tebas, porém mortal. A esposa imortal de Zeus, a deusa Hera, enfurecida com a infidelidade do marido, disfarçou-se em ama-seca e foi ao encontro de Sêmele, ainda grávida, e a persuadiu a pedir que o marido se mostrasse em todo o seu esplendor e glória divina. Zeus satisfez a vontade de Sêmele, a qual não suportando a visão do deus circundado de clarões, tombou fulminada. Zeus retirou a criança que ela gerava e ordenou que Hermes, o mensageiro dos deuses, a costurasse em sua (Zeus) coxa. Ao terminar a gestação, Dionísio nasceu, vivo e perfeito.
Contudo, Hera continuou a perseguir a estranha criança de chifres, e ordenou aos Titãs, deuses terrenos, que matassem o menino, fazendo-o em pedaços. Zeus conseguiu resgatar o coração da criança que ainda batia, colocando-o para cozinhar, junto com sementes de romã, transformando tudo numa poção mágica, a qual deu de beber para Perséfone, que acabara de ser raptada por Hades, deus das trevas e da escuridão e que se tornaria sua esposa. Perséfone engravidou e novamente deu a luz a Dionísio, o renascido das trevas. Por esse motivo, era chamado de Dionísio-Iaco, o que nasceu duas vezes, deus da luz e do êxtase.
Convocado por seu pai, Zeus, para viver na terra junto com os homens e compartilhar com ele as alegrias e sofrimentos dos mortais, Dionísio foi atingido pela loucura de Hera, indo perambular pelo mundo ao lado dos sátiros selvagens, dos loucos e dos animais. Deu à humanidade o vinho e suas bênçãos, e concedeu ao êxtase da embriaguez, a redenção espiritual a todos que decidiram abandonar e renunciar à riqueza e ao poder material.
Por fim, seu pai celestial, permitiu-lhe retornar ao Olimpo, onde tomou seu lugar à direita do rei dos deuses. Nesse período, Dionísio conseguiu resgatar sua mãe Sêmele e revivê-la. (Síntese extraída de: Sharman-Burke, J.; Greene, L. O Tarô Mitológico. p. 19-20)
A afabulação do duplo-nascimento, que quer dizer também dupla-gestação, remete ao esquema clássico da iniciação: nascimento-morte-renascimento.
No mito, o duplo nascimento de Dionísio configura-se seja quando é gestado na coxa de Zeus e, depois quando nasce de Perséfone.
Assim como Dionísio, os adotivos também foram rejeitados, vindo a ter uma segunda mãe, a adotiva, que simboliza desde aqui, a possibilidade do renascimento a nível psíquico.
A dupla-mãe refere-se a uma mãe humana e a outra arquetípica. Sêmele foi sua mãe mortal, porém, através de Zeus (deus) e de Perséfone (deusa) se configura a sua mãe arquetípica a qual é projetada em quem cuidou dele. O mesmo se observa com o adotivo, que tem uma mãe real e uma simbólica, e que constelará esta última na primeira. Aliás, como qualquer um de nós, adotivos ou não.
Dionísio mantém, por um certo tempo, uma conexão negativa com a mãe arquetípica representada por Hera (deusa que tudo fez para o aniquilar). A deusa Hera comporta a mãe-bruxa, a mãe má, simbolicamente a face materna da rejeição, pois ela não aceita a sua existência, que no adotivo ocorre quando a mãe e/ou o pai adotantes inconscientemente não o aceitam como filho, repetindo-se novamente o abandono na vida da criança, só que desta vez dentro do próprio contexto da adoção.
A conseqüência é trágica, pois assim como Dionísio é tomado pela loucura engendrada por Hera, o adotivo psiquicamente também se dissocia, quer por não saber conscientemente de suas origens, quer por não se sentir afetivamente filho dos pais adotantes. Dionísio fica possuído, tomado pelo aspecto negativo do arquétipo materno, representado por Hera, sendo que mítica e psicologicamente o mesmo ocorre com o adotivo quando tomado pelo arquétipo do abandono-rejeição, o que compõe o complexo materno terrorífico.
Zeus que sempre interfere a seu favor, pode ser entendido como a consciência de algo que é seu por direito, ser filho dele e herdar seu trono individuacional. É como se Zeus simbolizasse o constante chamado de quem Dionísio realmente é. A conscientização (Zeus) desses conteúdos cindidos ou dissociados é a alternativa para a reintegração psíquica do adotivo sendo o ponto inicial para que o ego possa comungar com o Self, podendo assim o adotivo recompor quem ele de fato é.
Esta recomposição também ocorre quando Dionísio, qualificado de “touro” pelos poetas, é dilacerado pelos Titãs e sua carne devorada pelas Bacantes.
Segundo Brandão:
[...] despedaçando animais e devorando-os, os devotos de Dionísio integram-se nele e o recompõem simbolicamente, o que consoante Jung,, configura a conscientização de conteúdos divididos [...] De fato, os Titãs comportam-se como mestres de iniciação, no sentido de que matam o neófito, a fim de fazê-lo “renascer” numa forma superior de existência [...] Dionísio é o deus da metamorphosis, quer dizer, o deus da transformação. (Mitologia grega. vol. I. p. 137 e 135)
Mas afinal, o que é que morre e renasce no adotivo?
Algo que ele perde e reencontra, a sua identidade. Esse processo envolve uma busca para o interior de si mesmo; é a regressão da energia para o inconsciente a fim de resgatar a mãe arquetípica com quem perdeu o elo, ou melhor, que não pode ser configurada nos mãe/pai adotantes. Ele busca a si através da mãe.
Assim, Dionísio representa a criança divina que, em todos nós, vive esta eterna busca.
E Hillman diz:
Esta é a figura clássica do Puer Aeternus: o componente eternamente jovem de cada psique humana [...] que está sempre ansiando, e que em última análise está ligado à mãe arquetípica. Nosso pothos refere-se a nossa natureza angelical, e nossos anseios e viagens errantes pelo mar são efeitos, em nossas vidas pessoais, das imagens transpessoais que nos solicitam, nos impelem e nos forçam a imitar os destinos míticos (Estudos de psicologia arquetípica. p. 67 e 77)
É nesse sentido que podemos dizer que somos todos adotados, que em cada um de nós habita um adotado, cujas carências e temores remetem a um Deus-Pai para consolo, mas clama pela vingança do abandono, do sentimento de fraqueza. O conflito está presente e é constitutivo do ser humano. Mas, neste trabalho importa refletir sobre estes mecanismos no adotado, sobre quem abandono e sofrimento foram recair.
Dionísio executa essa busca descendo até o fundo do Hades para de lá arrancar sua mãe Sêmele e conferir-lhe a imortalidade. Hades pode simbolizar o inconsciente coletivo nas suas profundezas, e só um mergulho profundo neste vasto e infinito oceano é que nos fará re-significar a própria vida, pois nele reside a origem de tudo.
A busca das origens é um tema universal (arquetípico), um motivo mítico presente em todos nós. A criança adotiva, como qualquer outra criança, em algum momento de sua vida, naturalmente, indaga sobre de onde veio, para então poder se orientar para onde vai.
A integração do que a criança adotiva traz de suas origens e de seu passado, ao longo do seu desenvolvimento individual, só é possível se os pais e a criança aprenderem juntos a compreender esses dados. A restituição do que a criança viveu permitirá o sentimento de sua continuidade e de sua identidade. Se trata de um processo que reconstrói o passado em função do presente, com o olhar voltado para o futuro.
O adotivo poderá então cumprir o seu destino: o “quem sou” e o “para que sou”.
3. Cúmplices do destino
Confesso ser cúmplice de tudo que foi exposto, através da minha ancestralidade. Meu sobrenome paterno foi inventado há três gerações passadas. Numa das vezes que estive na Itália, em 1989, obtive a confirmação de que meu bisavô paterno tinha vivido em um orfanato no início de sua infância, sendo adotado por um casal, que assim como ele, desconhecia sua origem biológica. Por parte materna, minha avó também italiana, foi criada pela própria mãe como sendo adotada, porque aquela acreditava que a filha morrera durante o parto, supondo que o marido lhe trouxera uma outra criança em seu lugar.
Compreendi então, “porquê” e “para que” por obra do destino, sucederam comigo tantos encontros com os adotivos. Não acredito em coincidências; por inúmeras vezes eu conseguia entender o que essas crianças queriam me dizer, mesmo que nada pronunciassem e principalmente sentir o que sentiam no seu coração.
É importante esclarecer que, quando falo em destino considero ambos os princípios, causal (“porquê) e final (“para que”), entretanto ressalto a visão simbólica desse termo, enquanto uma possibilidade a porvir, com um sentido (Sinn).
Em 1990 comecei a ministrar palestras e a publicar artigos sobre o tema da adoção, porém nenhum adotivo chegou ao consultório através dessa divulgação, mas exatamente como antes eles continuavam vindo sem o conhecimento prévio da minha experiência profissional com a adoção.
Anos depois, me mudei de São Paulo para o Paraná, e acreditei que o meu encontro com os adotivos se romperia, e assim que recomecei o atendimento psicoterápico procurei um orfanato na nova cidade para prestar um trabalho psicológico voluntário, mas não localizei nenhum. Após três meses, a vizinha do consultório, a qual eu não conhecia, pediu que eu atendesse uma menina órfã, que habitava no orfanato coordenado por ela.
Essas situações supracitadas são algumas, dentre tantas outras, que me sucederam.
Como podem ser entendidas essas sucessivas “coincidências”?
Conforme Jung, esses são eventos sincronísticos sendo a sincronicidade compreendida como um “princípio de conexão acausal”. Não é uma causalidade mágica, mas sim a concomitância entre dois fatos que não são regidos pela causalidade. Uma conexão que ocorre entre a psique pessoal e o mundo material, ambos considerados apenas como diferentes formas de energia, justamente por serem regidos pelo arquétipo.
Na palavras de Jung:
[...] não apenas é possível mas até bastante provável que psique e matéria sejam dois aspectos diferentes de uma só e mesma coisa. Parece-me que os fenômenos sincronísticos apontam nesta direção, pois mostram que o não psíquico comporta-se como psíquico, e vice-versa, sem que haja qualquer conexão causal entre eles. (CW. 8/2, § 418)
Em Reflexões Teóricas sobre a Natureza da Psique, Jung compara, de forma sistemática, o recurso de uma analogia entre a Física Quântica e a psique, ou seja, uma profunda convergência de perspectivas entre a Física e a Psicologia, dizendo:
[...] comparada a outras ciências naturais, a Psicologia se encontra em uma situação crítica porque lhe falta uma base colocada ao externo do seu objeto. Não pode traduzir-se ou reconhecer-se que em si mesma. Quanto mais se alarga o campo de seus objetivos, mais estes se fazem complexos, e mais lhe falta um ângulo visual distinto do seu objeto. É quando a complexidade retoma a própria complexidade do homem empírico, a sua psicologia desemboca inevitavelmente no mesmo processo psíquico. Não é mais em condições de distinguir-se desse, mas torna-se o processo idêntico. O efeito é o seguinte: o processo retoma a consciência e [...] a psicologia é o “fazer-se consciência” do processo psíquico mas não é uma explicação de tal processo, porque cada explicação do fato psíquico não pode ser outra que o próprio processo vital da psique. [...] (CW. 8/2, § 429)
OBS: O grifo é meu e proposital.
E é exatamente nesse ponto que Jung cita a analogia entre a Física Quântica e a psique. Ele busca recursos de apoio na Física por acreditar que em certas zonas de contato entre o físico e o psíquico fosse operativo o princípio de sincronicidade.
Em particular, o conceito de arquétipo, na sua irrepresentabilidade constitutiva – que porém está ligada com o seu operar “indireto” sobre a consciência – é que mais se beneficia, segundo Jung, das vantagens provenientes da correspondência estabelecida com certos setores de pesquisa da Física.
Assim, conforme Jung:
[...]Também a Física apresenta uma situação análoga. Existem, na Física, partículas que por si não são perceptíveis, capazes porém de efeitos em base à cuja natureza podemos construir um determinado modelo. A representação arquetípica, o assim chamado motivo ou mitologema, corresponde a uma construção do gênero [...] Quando a Psicologia hipotetiza, com base nas suas observações, a existência de certos fatores psicóides irrepresentáveis, se comporta do mesmo modo que a Física quando constrói um modelo de átomo.[...] (CW. 8/2, § 417)
A sincronicidade é quântica pelo fato de existir uma concomitância entre o físico e o psíquico, ou entre o psíquico e o psíquico. E o fato do indivíduo perceber a concomitância propicia favorecer o significado.
Assim, os fatos estão sempre interligados mas depende do “olhar” do observador para perceber a concomitância e qual o significado (subjetivo) da mesma. Esse olhar é em última instância simbólico, e a interpretação do símbolo é pessoal, ou seja, subjetiva.
Para a Física Quântica o Universo é como um mar de ondas quânticas. A energia quântica se move por ondas, as quais transportam informações, interligando tudo no Universo. Daí advém a idéia de macrocosmo e microcosmo interligados, unificados. Isto porque a energia quântica que é uma energia primitiva, tem seu deslocamento mais rápido do que a velocidade da luz, onde o todo e suas partes mantém uma recíproca inter-relação e similaridade. Poderíamos comparar o Universo (macrocosmo) como sendo um bolo e cada um de nós (microcosmo) como sendo as fatias, e portanto tudo o que está no bolo (como por exemplo, farinha, leite, ovos, etc.) está também em cada fatia. Por isso para compreendermos o Universo não precisamos buscar fora, mas sim dentro de nós mesmos. Assim como o todo contém as partes, cada parte contém o todo.
A sincronicidade seria como uma pedra que lançada num lago forma vários círculos, sendo que tudo o que se encontrar numa mesma faixa, mesmo que distante, tem a mesma informação.
Dessa forma, por destino compreende-se algo organizado sincronisticamente com uma direção.
Quando falamos em Universo nos referimos ao infinito a nível de espaço e tempo, onde não há começo e não há fim, só mudança, ou seja, um processo contínuo.
Nesse sentido, o tempo e o espaço não são absolutos, pois são na realidade uma construção do pensamento, da consciência.
Jung tenta ampliar a relatividade espaço-temporal dos eventos, para neles incluir, como ulterior elemento determinante, o “estado psíquico” , desde que este seja definido no modo mais amplo possível:
[...] Nas experiências com o tempo e o espaço, respectivamente, esses dois fatores reduzem-se mais ou menos a zero, como se o espaço e o tempo dependessem de condições psíquicas, ou como se existissem por si mesmos e fossem “produzidos” pela consciência. [...] Em si, o espaço e o tempo consistem em nada. São conceitos hipostasiados, nascidos da atividade discriminadora da consciência e formam as coordenadas indispensáveis para a descrição do comportamento dos corpos em movimento. São, portanto, de origem essencialmente psíquica [...] (CW. 8/3, § 840)
Assim, mais e além do que uma tentativa da consciência de explicar o que é espaço e tempo, se poderia atribuir a estes um caráter simbólico de “pontes” uníssonas entre o antes e o depois, e entre o lá e o aqui, num todo único e continuum. Essa interconexão transcende todos os nossos sentidos, e toda e qualquer explicação se apresenta como um mero constructo teórico redutivo.
Em outras palavras, o que permanece aqui como uma questão em aberto é o fato de que tanto a Psicologia Analítica quanto a Física sabem que existe algo que não é o espaço-tempo; sabem apenas que existe algo além, mas não sabem o que é, ou seja, que permanece como um constructo teórico, fruto da consciência. O além do espaço-tempo não é físico, é imensurável.
Mas o que está além do espaço-tempo está dentro de todas as coisas, dentro de cada ponto de nós mesmos, dentro de cada ponto do Espaço (Universo). Portanto, dentro e fora simultaneamente, numa interpenetração de universos.
Esse além, essa consciência superior, jamais poderá ser atingida em sua plenitude, mas certamente ser vivenciada através dos encontros com o “outro” e “consigo mesmo”. Esse além sempre existiu e existirá além de nós e em cada um de nós, e também por infinitas vezes virá ao nosso encontro, de maneira natural, para que cumpramos o nosso destino.
E assim como um poema esse além é inesgotável.
Graças quero dar ao Divino
labirinto dos afetos e das causas
pela diversidade das criaturas
que formam este singular Universo,
pela razão que não cessará de sonhar
com um plano do labirinto,
pelo amor que nos deixa ver os outros
como os vê a divindade,
pelo fulgor do fogo
que nenhum ser humano pode olhar
sem um assombro antigo,
pelo pão e pelo sal,
pelo mistério da rosa
que prodiga a cor e que não a vê,
pela arte da amizade,
pela linguagem, que pode simular a sabedoria,
pela manhã que nos depara a ilusão de um princípio,
pelo valor e a felicidade dos outros,
pelo fato de que o poema é inesgotável
e se confunde com a soma das criaturas
e jamais chegará ao último verso,
pelos minutos que precedem o sonho,
pela música, misteriosa forma do tempo.”
(Jorge Luís Borges)
Referências Bibliográficas:BRANDÃO, J. S. (1996). Mitologia grega. vol. I. Petrópolis. Vozes.
EDINGER, E. F. (1995). Anatomia da psique. São Paulo. Cultrix.
HILLMAN, J. (1981). Estudos de psicologia arquetípica. Rio de Janeiro. Achiamé.
JUNG, C. G. (1985 a). A natureza da psique. CW. 8/2. Petrópolis. Vozes.
_____. (1985 b). Mysterium coniunctionis. CW. 14/1. Petrópolis. Vozes.
_____. (1990). Sincronicidade. CW. 8/3. Petrópolis. Vozes.
_____. (1991). Tipos psicológicos. CW. 6. Petrópolis. Vozes.
SHARMAN-BURKE, J.; GREENE, L. (1988). O tarô mitológico. São Paulo. Siciliano.
ZIMEO, A. M. (1994). Nas entrelinhas da adoção: uma abordagem psicológica. In: FREIRE, F. Abandono e adoção. vol. 2, p.98-104. Curitiba. Terre des Homes.
Fonte: http://www.fundacion-jung.com.ar/cuadernos/Adoption.htm
Postado por
Silvana do Monte Moreira
às
20:24
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