quarta-feira, 28 de setembro de 2011

QUANDO A ADOÇÃO ACONTECE DEPOIS DA ESTABILIDADE FINANCEIRA E FAMILIAR

QUANDO A ADOÇÃO ACONTECE DEPOIS DA ESTABILIDADE FINANCEIRA E FAMILIAR

23/09/2011

Por Sílvio Oliveira

Dias de procura e casa cheia de crianças no Natal para saber se realmente era aquilo que desejava. Encontros e desencontros com crianças em instituições de acolhimento e incentivo de adoção dos filhos mais velhos. A professora Tereza Cristina Cerqueira das Graças se emociona ao lembrar do dia em que entrou numa instituição de acolhimento e literalmente parou ao cruzar com um sorriso encantador (como ela define) de “um rapazinho negro, de 9 anos, pequeno e magrinho, de olhos grandes, jeito tímido, que tinha sido tomado da família aos 5 anos e que cuja mãe era alcoólatra e havia morrido há alguns meses”.

Ela sabia que era aquele sorriso o sinal de que precisava para iniciar o processo de adoção de um novo rebento. Dois filhos biológicos, vários irmãos criados por ela por ser a mais velha da família, estabilizada profissionalmente, Tereza não titubeou em encampar o processo de adoção. “Quando vi o menino e ele sorriu timidamente para mim, disse a mim mesma: ‘Como é que eu não tinha prestado atenção nesse neguinho! Que coisa mais linda e doce!...’”, lembra.

Não demorou muito para Tereza Cerqueira levar o menino para passar o Natal pela primeira vez em família. Ela voltou a levá-lo no Ano Novo e nos finais de semana do mês de janeiro, quando decidiu que queria adotá-lo. “Voltei ao Juizado e fui orientada em como proceder. Tratava-se de uma adoção tardia, como eles chamam, e seria mais rápido”, conta.

O vínculo afetivo se estabeleceu rapidamente e as idas de Toninho à casa de Tereza, além de visitas de assistentes sociais e psicólogo se intensificaram. A pedido da direção da instituição de acolhimento, todavia, Tereza Cerqueira ficou impossibilitada de contar ao futuro filho que ele iria ser adotado por ela, para não criar expectativas, já que a adoção estava em processo e poderia não acontecer.

A história passou a ser curiosa, pois o menino sabia que iria ser adotado, porém não por ela. “À noite, coloquei ele para dormir comigo e perguntei o que estava acontecendo. Ele me disse, com lágrimas nos olhos: ‘Tia, eu vou ser adotado! Eu não quero ser adotado, eu tenho família. Eu queria voltar para minha família!’ Eu lhe disse que ficasse calmo, que iria ser melhor para ele, que quem queria adotá-lo, certamente, gostava muito dele. Ele respondeu: ‘Como gosta de mim se nem me conhece?!’ E, para o meu desespero, completou: ‘Tia, se eu não for para São Paulo, a senhora vai me visitar? Por que se eu ficar por aqui eu fujo para lhe ver!’ Eu prometi que iria manter contato com ele”, revela.

A orientação partiu da instituição de que ela só deveria dizer em um dia especial e com calma. Não teve melhor hora. Numa manhã o neto de cinco anos estava tomando café com Toninho e perguntou a ela: “Vó, quando é que você vai adotar Toninho?”.

Ela não teve mais como esconder e comunicou aos dois o processo. “Na mesma hora ele me abraçou e me perguntou se poderia me chamar de mãe. Seu nome sofreu modificações por que ele assim quis e o sobrenome “Cerqueira da Graça” ele ostenta com muito orgulho hoje; chega a impostar a voz para dizer o nome completo!”

Nem tudo é felicidade

Como em qualquer outro relacionamento de mãe e filho, nem tudo é só felicidade. Por vezes o medo de que a família biológica apareça causa temor em maioria das famílias adotivas.

Tereza Cristina faz parte dessa premissa e diz que mudou alguns hábitos, como freqüentar lugares que trazem lembranças a Toninho. “Não nego que tenho receio de que o achem e tentem se aproximar. Mas, isso será uma decisão dele, quando chegar a idade. Até lá, não quero nenhuma aproximação; faço de tudo para não levá-lo a lugares onde alguém possa reconhecê-lo. Ademais, ele nunca mais falou sobre eles e espero que continue assim... Outro dia, estava numa lanchonete e alguém gritou: Toninho! Meu coração disparou, somente se acalmando quando constatei que era uma pessoa que havia trabalhado no abrigo antes de eu aparecer na vida dele, e nos felicitou pela adoção”, conta.

A psicóloga Elenrose Paesante destaca que sempre existirá a possibilidade de a família biológica aparecer em qualquer família adotiva, assim como esta família sempre existirá dentro do cognitivo da criança, pois todas as sensações vividas ainda na vida intra-uterina são registradas a nível celular.

Segundo a psicóloga, a grande questão é como a família vai lidar no dia a dia. “O importante é que se vá falando de forma natural para que a criança possa ir crescendo sendo sabedora dos fatos de sua vida, sem que seja preciso gerar tensão, nem para os pais e nem para o filho adotivo. Um profissional especializado poderá conduzir a família no que diz respeito a esta revelação”, conclui.

Preconceito

Tereza Cristina ainda é enfática ao ser questionada sobre o preconceito das pessoas em adotar uma criança negra e maior de seis anos. “O pior é o preconceito das pessoas”, enfatiza.

O preconceito nessas situações tem embasamento histórico e remete a época das fazendas escravocratas, onde os senhores de terra criavam negrinhos ou negrinhas dentro de casa, muitas vezes na condição de afilhados. Mas, eram apenas pequenos empregados que eram humilhados e violentados. “Uma parente me perguntou onde encontrei Toninho. Ela me disse que estava pensando em adotar um menino. Está ficando velha e precisa de alguém para fazer mandados e herdar os bens dela, já que não tem para quem deixar. O que esperar de uma adoção desse tipo?”,pergunta.

Ela conta que encontrou uma pessoa na academia e esta falou que jamais teria coragem de adotar um menino tão grande, ainda mais que passou por um abrigo. "Ele dizia: Deus me livre! Eu parabenizo você, mas jamais teria coragem!" Essas pessoas confundem os abrigos atuais com os antigos orfanatos, que eram essencialmente, casas de correção e, principalmente, não acreditam na possibilidade de mudança do ser humano! Não acreditam na força do afeto”, ressalta.

Em outra ocasião, ela encontrou com uma pessoa que ela nunca mais tinha visto, mas que sabia que tinha adotado uma criança negra. Na ocasião a pessoa, preconceituosamente, olhou e perguntou se era o menino que ela criava:

"É este que você tá (sic) criando, é Cristina? Eu fui agressiva: 'Tá (sic) criando, não. Ele é meu filho. O nome dele é Toninho Cerqueira da Graça".

Fonte: http://www.f5news.com.br/noticia.asp?ContId=1249

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