domingo, 25 de setembro de 2011

Voluntários escolhem formas de se relacionar com crianças sem criar vínculo

Fazendo visitas ou doações, eles dão carinho e oferecem melhores condições de vida aos afilhados

Publicação: 30/08/2011 10:41 Atualização:

Um dos momentos mais marcantes na vida da assistente social Nathália Pedroso, 28 anos, foi quando conheceu o afilhado, Mateus*, em 2007. Para ela, a conexão afetiva entre os dois foi instantânea. “Eu não o escolhi nem ele me escolheu. Foi um encontro”, define. O menino, hoje com 13 anos, ocupa um espaço único na vida da madrinha, que não é de batismo, mas de coração. Nathália faz parte do projeto de apadrinhamento afetivo da Aconchego, entidade civil sem fins lucrativos, que apoia a adoção e um tipo diferente de se relacionar com crianças: o apadrinhamento afetivo.

O objetivo do apadrinhamento é melhorar a qualidade de vida de crianças em serviços de acolhimento ou em comunidades. Há várias maneiras de ser padrinho ou madrinha. Em algumas instituições, como a Aconchego, o projeto existe para oferecer uma relação familiar a crianças e adolescentes com possibilidade remota de adoção. Nesse caso, o apadrinhamento afetivo estabelece uma relação de amizade entre padrinho e afilhado, como a de Mateus* e Nathália. Outra modalidade é estabelecer o vínculo com a criança por meio de uma ajuda financeira para a comunidade onde ela vive. As opções variam de acordo com a disponibilidade do candidato a padrinho e do trabalho realizado em cada instituição, mas nem todo mundo sabe a diferença entre os projetos.“Antes de conhecer, eu achava que era mais com doação de dinheiro que se apadrinhava uma criança, mas depende do que você está se propondo a fazer” conta Nathália.

Na Aconchego, o principal trabalho é de preparar candidatos a padrinhos afetivos para entrar em contato com a criança. “A ideia é habilitar as pessoas para a experiência. Algumas confundem com caridade e não fazem ideia de que não é tão simples quanto parece”, explica a coordenadora do apadrinhamento afetivo da instituição, Monique Coelho. A ressalva é para proteger as crianças. “Antes de se aproximar delas, os candidatos precisam de um preparo que os leva a tomar essa decisão de forma madura e consciente, para evitar um novo abandono para aquela criança”, salienta a coordenadora.

O curso consiste em quatro reuniões de três horas de atividades entre os candidatos. No último dia, acontece o encontro com as crianças, preparado previamente pelos aspirantes a padrinhos. “É uma coisa incrível. Você vai lá e participa das atividades com todo mundo e, no fim, tem uma criança sentada ao seu lado, que vai fazer parte da sua vida dali em diante” conta Nathália.

Aprendizado
Mas o aprendizado não se encerra com o curso dos padrinhos. Para Nathália e Mateus*, a relação foi construída aos poucos. “No começo, ele me rejeitava. Estava me testando mesmo, como que esperando para ver até onde eu aguentaria, até abandoná-lo.” Segundo o psicólogo do Instituto São Paulo de Análise do Comportamento e professor do Uniceub Geison Isidro, esse é um comportamento esperado para uma criança em situação de abandono. “Ela responde como se tivesse sido abandonada pela madrinha. Existe uma desconfiança. Se todos a abandonaram, a criança espera que a madrinha também a abandone. Se quiser, que prove o contrário”, explica.

Para Isidro, um novo incidente tem impacto muito maior em crianças com histórico de abandono e frustração. Mas ele salienta que cada criança tem sua história, e vai agir de acordo com ela. “Quando se trata de humanos, não podemos prever o comportamento a partir de uma generalização.” No caso de Mateus* e Nathália, a confiança mútua se construiu durante quatro anos. Eles se veem pelo menos uma vez por mês.“Não imagino a minha vida sem ele. Quando penso no futuro, o vejo comigo. E também espero que isso se torne mais comum, mais difundido, ao ponto de praticamente todo mundo ter um afilhado afetivo.”

E isso não depende de tempo ou dinheiro. As diversas modalidades de apadrinhamento estão aí para provar. A servidora pública Aline Fernandes, 42 anos, costumava fazer trabalhos voluntários, mas teve que parar por falta de tempo. Mesmo assim, ela mostra que é possível ter vínculo com uma criança, ainda que a distância. Desde maio de 2009, ela é madrinha da ActionAid, uma organização não governamental que trabalha em mais de 40 países com o objetivo de erradicar a pobreza.

Um dos projetos da entidade é o apadrinhamento, pelo qual o doador mantém um vínculo com a criança de uma das 972 comunidades em que atua. A partir daí, acompanha, por meio de cartas e relatórios semestrais, o crescimento da criança e o progresso da comunidade em que ela vive. Para Aline, ajudar o desenvolvimento da comunidade do afilhado como um todo é uma maneira de ajudá-lo para a vida inteira.“Acredito que surte mais efeito do que uma doação a uma criança no sinal de trânisto. A ação é direcionada, pois a organização cuida para beneficiar o todo.”

Duas vezes ao ano, a ActionAid programa visitas dos doadores aos projetos, como uma forma de estreitar o vínculo dos padrinhos e madrinhas. A contribuição ajuda a financiar, de forma geral, aulas de inclusão digital, reforço escolar, cursos de dança afro e futebol, artesanato e implantação de hortas comunitárias, entre outras atividades. Aline recebe periodicamente mensagens e relatórios desses progressos e uma foto nova do afilhado a cada dois anos. Mesmo de longe, ela acompanha as mudanças na vida dele e fica feliz em se sentir parte disso. “Fico muito contente com o retorno. Já pensei em conhecer a criança, mas fico satisfeita com o retorno, pois consigo enxergar que contribuo para mudanças.”

Ver essas mudanças é o mais importante para o servidor público Tarcísio Burigo, 51 anos. Para ele, é importante proporcionar para o afilhado as oportunidades que ele teve na vida. “Eu tive sorte, mas outros não têm. Então, é bom saber que você está se somando a outras pessoas para ajudar aqueles que não tiveram oportunidades”, diz. O que mais influenciou Tarcisio para ser padrinho da ActionAid é saber que sua ajuda produz mudanças e melhorias na vida de uma criança. “É gratificante receber as respostas, as cartinhas deles, agradecendo. Porque, aí, você vê que aquela criança, que antes não era alfabetizada, agora está escrevendo, estudando.”

*Nome fictício em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente

Para participar
Existem vários tipos de apadrinhamento. Instituições como ActionAid, Visão Mundial, Aconchego e Abrinq oferecem inúmeras modalidades para que o doador decida qual o seu perfil de padrinho.

A distância
Quem não tem muito tempo disponível mas quer manter um vínculo e ajudar comunidades e crianças pode começar a participar do projeto de apadrinhamento pela internet. Ao decidir apadrinhar, o candidato inicia o processo com apenas um clique, escolhendo a forma de pagamento mais conveniente. Em seguida, o padrinho ganha um kit de boas-vindas, com a foto e as informações do afilhado e da comunidade onde ele vive.
Sites: www.actionaid.org.br e www.visaomundial.org.br

Ao vivo
Em Brasília, há o projeto Aconchego, no qual padrinho e afilhado desenvolvem uma relação afetiva de presença mais ativa. Novos candidatos assinam uma lista até serem chamados para a formação de uma turma de formação. Após o término do encontro, o padrinho poderá visitar o afilhado no serviço de acolhimento e, depois de algum tempo, a criança faz passeios fora da instituição, pode dormir fora e fazer viagens em companhia do padrinho.
Site: www.projetoaconchego.org.br

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