sexta-feira, 2 de março de 2012

Atitude adotiva - A revelação

Atitude adotiva

A revelação

Publicado em 02.03.2012, às 08h35

Por Guilherme Lima Moura

Na nossa casa, adoção é assunto do dia a dia. Minha esposa, nossos filhos e eu falamos sobre o tema com naturalidade porque a atitude adotiva é parte intrínseca da educação que lhes damos, como o é da própria constituição da nossa família. Essa naturalidade foi também introduzida desde o início aos demais familiares: avós, tios, primos. E igualmente nos nossos círculos mais próximos de convivência.

O resultado disso é que nossos filhos se apropriaram naturalmente do conceito de adoção e fazem uso dele em várias situações. Eles entenderam que a filiação é sempre e necessariamente adotiva. E também que precisamos adotar uns aos outros, a natureza, o planeta. Entenderam que a adoção é o amor em ação e, como tal, se expressa na relação que estabelecemos em todos os contextos. Entenderam, sobretudo, que a atitude adotiva é um processo relacional inspirador para a vida ou, no dizer do biólogo Humberto Maturana, é uma postura que “aceita o outro como legítimo na relação”.

Importante dizer que aprendemos esta forma natural de tratar do assunto (como muito do que sabemos hoje sobre o fazer-se pai/mãe) na convivência regular com os amigos do Grupo de Estudos e Apoio à Adoção do Recife (Gead Recife). Nas nossas conversas, compartilhando experiências e, particularmente, pelo privilégio de poder contar com a palavra esclarecedora de Luiz Schettini, com suas muitas primaveras vividas na adoção como psicólogo e como pai.

Nos nossos encontros mensais do Gead, um dos assuntos recorrentes, pela natural rotatividade dos participantes, é o que ficou conhecido como “a revelação”: quando e como contar aos filhos sobre a adoção? E a resposta: deve-se contar desde sempre. Simples assim.

Temos vivido essa experiência há cerca de sete anos. Explicamos que nossos filhos nasceram da barriga de outras mulheres (sua genitoras) e que elas não puderam ser suas mães. “Aí papai e mamãe foram buscar vocês para serem nossos filhos amados”, completamos. Tudo narrado de acordo com a maturidade que a idade permite.

De tempos em tempos o assunto surge naturalmente e nós, também naturalmente, narramos mais uma vez a história. Falamos de detalhes interessantes e emocionantes do nosso primeiro encontro. Rimos juntos. É um momento mágico. E assim eles vão elaborando o conceito no tempo deles, sem que haja tabus ou “indiscutíveis” na nossa relação. Como diz a querida amiga e presidente do Gead Recife, Suzana Schettini, “os filhos terão a naturalidade e a segurança que observarem em seus pais”. Pura verdade.

Infelizmente, muitos pais adotivos cometem o equívoco de esconder a adoção de seus filhos. E, ao fazerem isso, terminam por lhes negar o acesso à sua própria história. Com a intenção de protegê-los de algum tipo de sofrimento, terminam abrindo mão de construir com eles uma história afetiva baseada em verdade. Omitindo-lhes parte tão relevante de seu passado, elaboram com eles um presente sempre incompleto e melindroso − porque há sempre uma verdade no ar que ninguém pode expor, mas que os filhos parecem intuir.

A experiência clínica de muitos psicólogos, bem como as conclusões de diversos estudos sobre o assunto, demonstram que, quando os filhos adotivos têm acesso à sua história através de terceiros ou descobrindo sozinhos, quase sempre reagem muito mal. Entretanto o motivo de tal reação não é a condição adotiva em si, mas o fato de terem sido enganados por aqueles que sempre foram sua referência primária de confiança, verdade e honestidade. E terminam por deduzir que se esse fato lhe foi escondido é porque se trata de algo feio ou errado.

O que cada um fará em tal circunstância é tão variável quanto o é a própria diversidade humana. Supor causalidade entre a especificidade da filiação e a maldade é tão equivocado quanto cruel. É discriminatório. É mais provável, isso sim, que a maldade humana se manifeste onde não haja adoção, considerando que a filiação é construída sempre no afeto, existam ou não os laços biológicos.

Até quando apontaremos na direção errada? Até quando acreditaremos que o sangue é capaz de nos oferecer aquilo que só podemos construir na convivência amorosa?!

A adoção é o amor em ação. Então porque escondê-la? O que é tão lindo tem mais é que ser dito e vivido com a cabeça erguida e o sorriso no rosto: “Sou filho adotivo, sim. Bom seria que todos fossem...”

*As colunas assinadas não refletem, necessariamente, a opinião do NE10

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