Bebês do crack para adoção no Brasil
Cada vez mais dependentes da droga perdem a guarda de seus filhos logo após o parto.
Por Cristine Pires para Infosurhoy.com — 27/02/2012
O governo brasileiro está tomando providências para melhorar o pré-natal de mulheres dependentes de crack. (Paulo Whitaker/Reuters)
PORTO ALEGRE, Brasil – As cracolândias que se espalham pelo país são apenas o retrato a céu aberto da epidemia de crack que atinge o Brasil.
Nas maternidades brasileiras, nascem os dramas privados em consequência do vício. Cada vez mais usuárias de crack são separadas de seus bebês, logo após o parto.
São Paulo, a maior cidade brasileira, é uma mostra do que acontece em diferentes partes do país.
Na maternidade estadual Leonor Mendes de Barros, a maior de São Paulo, cresce a cada ano o número de dependentes químicas que perdem a guarda de seus filhos recém-nascidos.
Em 2007, foi apenas um caso, segundo a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo.
No ano seguinte, foram 15. Em 2009, 26 crianças foram separadas das mães.
Em 2010, a Vara da Infância e Juventude determinou que 43 bebês de dependentes de crack nascidos na maternidade Leonor Mendes de Barros fossem colocados para adoção – 65% mais casos que em 2009.
O levantamento de 2011 ainda não foi concluído, mas, apenas nos primeiros três meses do ano passado, foram registrados 14 casos de perda de tutela.
Em 2011, outros hospitais da cidade também registraram dezenas de ocorrências: 13 no Hospital Geral de Pedreira, 14 no Hospital Geral de São Mateus e 32 no Hospital Estadual de Sapopemba.
Para fazer frente ao problema, a maternidade Leonor Mendes de Barros avaliou o prontuário de gestantes avaliadas entre abril de 2009 e abril de 2010.
Das 33 usuárias de crack e cocaína atendidas, 64,5% tinham entre 15 e 25 anos, a maior parte com baixo nível de escolaridade (54,8% não concluíram o ensino fundamental) e sem uma profissão (61,3%).
A dificuldade de ficar sem a droga também leva muitas grávidas a abandonar o acompanhamento pré-natal. O levantamento mostra que quase a metade das pacientes (48,4%) não compareceram ao número total de consultas recomendadas.
Gestantes com dependência química: prioridade do governo
O governo federal determina que o atendimento a gestantes dependentes químicas seja prioritário.
“Temos que dar assistência à criança e à mãe”, afirma Helvécio Magalhães, secretário Nacional de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.
A Rede Cegonha, programa de atendimento à mãe e ao bebê lançado em junho de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, também terá um papel importante na luta contra o crack.
Cláudio Meneghello Martins, chefe do Serviço de Psiquiatria do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, de Porto Alegre: “Das mães (usuárias de drogas) que chegam até nós, cerca de 90% não têm condições de cuidar de seus bebês”. (Cristine Pires para Infosurhoy.com)
“Estamos traçando estratégias para alcançar o conjunto das mulheres, com ênfase na questão das adolescentes”, informa Magalhães.
Assim, a educação sexual em salas de aula ganhará reforço no programa Saúde na Escola, completa Magalhães.
“Distribuímos camisinhas e pílulas para evitar gravidez indesejada e queremos atingir também as usuárias de drogas”, diz o secretário.
Entre as mulheres que já têm histórico de dependência e vivem nas ruas, as grávidas são a prioridade das equipes de saúde.
“Vamos atuar com os consultórios de rua, casas de acolhimento e também equipes de saúde de hospitais e postos para dar atendimento a essas gestantes”, afirma Magalhães.
A determinação do Ministério da Saúde é dar atenção constante às gestantes que usam drogas, estimulando que façam os exames recomendados no pré-natal.
E o atendimento na rede de saúde pública deve ser facilitado. As dependentes químicas serão atendidas assim que procurarem por serviços como o ultrassom, sem a necessidade de agendamento.
“Se elas não quiserem fazer as sete consultas recomendadas durante a gravidez, vamos dar um acompanhamento e orientações para o parto”, assegura. “Queremos mapear, identificar e proporcionar uma ligação dessas gestantes com a rede pública.”
Cuidados especiais para os recém-nascidos
Os profissionais de saúde também estão sendo treinados para dar o tratamento correto aos recém-nascidos.
“Muitas vezes, a criança nasce com problemas respiratórios e metabólicos e precisa de reposição de líquidos e de potássio”, exemplifica Magalhães.
O consumo de tabaco, álcool e outras drogas durante a gestação provoca danos no feto.
No caso do crack, a desintoxicação do recém-nascido é rápida, segundo o psiquiatra Carlos Salgado, especialista em dependência química.
“Já os danos de longo prazo devem ser monitorados e abordados especificamente em suas manifestações”, orienta Salgado. “O baixo peso ao nascer é um exemplo de curto prazo. Hiperatividade, desatenção e impulsividade costumam se evidenciar no início da vida escolar.”
As usuárias de drogas devem receber tratamento psiquiátrico, inicialmente em internação e depois em comunidades terapêuticas, para garantir abstinência de longo prazo, explica Salgado.
“Infelizmente, muitas dessas mães têm filhos de pais desconhecidos, frutos da irresponsabilidade durante o uso e obtenção da droga. É comum que optem por entregar o bebê à adoção”, diz Salgado, que preside a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead). “O risco se renova quando a criança fica aos cuidados da mãe usuária ou de familiares sem condições de assumir a responsabilidade.”
Estudo vai acompanhar desenvolvimento das crianças
Marli Lisboa (centro), enfermeira-chefe de Obstetrícia do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, de Porto Alegre, explica que, dependendo da quantidade de drogas que a mãe usou, o bebê pode sofrer síndrome de abstinência. (Cristine Pires para Infosurhoy.com)
Única casa de saúde no Brasil com leitos psiquiátricos específicos para gestantes usuárias de crack, o Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, vai monitorar o desenvolvimento de bebês de usuárias de crack.
A meta é acompanhar o processo evolutivo das crianças, verificando as consequências do consumo de drogas pelas mães. Os primeiros resultados do estudo devem ser apresentados em três anos.
Mas já há conclusões preliminares. As equipes do hospital constataram que esses recém-nascidos apresentam mais irritabilidade.
“Eles são mais agitados e tem um choro mais difícil de consolar”, diz a pediatra e neonatologista Clarissa Gutierrez Carvalho.
“Isso acontece porque, dependendo da quantidade de drogas que a mãe usou, o bebê pode sofrer síndrome de abstinência”, completa Marli Lisboa, enfermeira-chefe de Obstetrícia do Presidente Vargas.
Outras possíveis consequências para o bebê de usuárias de drogas, como o risco de baixo peso e retardo de reflexos, ainda não foram comprovados.
“A boa notícia é que não há um impacto inicial tão significativo como era de se esperar”, afirma Cláudio Meneghello Martins, chefe do Serviço de Psiquiatria do Presidente Vargas. “Normalmente essas crianças apresentam bons níveis do que chamamos medidas de saúde, que são indicadores que medem peso e reflexos logo após o nascimento.”
Todo o esforço da equipe é fazer com que a gestante consiga abdicar do vício em prol da criança e tenha participação total no programa de desintoxicação do hospital, com o apoio dos familiares, completa Martins.
O Presidente Vargas recebe dependentes químicos que chegam a consumir 80 pedras de crack por dia.
Ao superar o período de abstinência e ficar livre dos efeitos da droga, a mãe está apta a amamentar seu bebê. Se seguir usando a pedra, a amamentação não é recomendada.
O estímulo ao aleitamento materno é uma estratégia dos médicos para incentivar a desintoxicação. Ao deixar de consumir drogas para poder alimentar o bebê, muitas mães acabam encontrando o incentivo necessário para prosseguir o tratamento e lutar contra o vício.
Mas a equipe do Presidente Vargas diz lamentar que grande parte das usuárias abandone o hospital durante o período do pré-natal. Muitas delas voltam tempos depois, novamente grávidas.
Para as dependentes químicas que conseguem concluir o tratamento até o parto, a permanência no hospital após o nascimento do bebê pode chegar a 10 dias. Outras mães ficam até 3 dias.
A estada prolongada é uma estratégia das equipes de saúde para estimular cuidados da mãe com o bebê e o fortalecimento do vínculo com os recém-nascidos.
As cinco vagas do Presidente Vargas para gestantes usuárias de crack estão sempre ocupadas. A demanda cresceu nos últimos 5 anos, com o aumento do número de mulheres usuárias, diz Martins.
“No entanto, das mães que chegam até nós, cerca de 90% não têm condições de cuidar do seu bebê”, relata Martins. “Então, nosso foco é também a criança e o suporte à família.”
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