terça-feira, 11 de outubro de 2011

Adoção: Audiência Pública em Blumenau aborda dificuldades e traz propostas

Adoção: Audiência Pública em Blumenau aborda dificuldades e traz propostas

Discussões jurídicas, sociais e novas propostas de abordagem para os casos de adoção ganharam vida através de emocionantes experiências pessoais relatadas na abertura do ciclo de audiências públicas sobre “As condições do processo de adoção e das casas de acolhimento do estado”, realizada dia 30 de setembro, na Câmara
Municipal de Blumenau. Cerca de 70 profissionais e amantes da causa da adoção prestigiaram o evento promovido pela Assembleia Legislativa por intermédio da Comissão de Direitos e Garantias Fundamentais, de Amparo à Família e à Mulher. O ciclo de audiências, que alcançará os sete municípios catarinenses, é uma iniciativa em conjunto com a da
campanha Adoção – Laços de Amor, promovida pelo Parlamento estadual, Tribunal de Justiça, Ministério Público de Santa Catarina e OAB/SC.

Com a condução dos trabalhos feita pela deputada Dirce Heiderscheidt (PMDB), vice-presidente da Comissão de Direitos e Garantias Fundamentais, a mesa de autoridades da audiência reuniu ainda os deputados Jean Kuhlmann (DEM) e Ana Paula Lima (PT); o presidente da Câmara de Blumenau, vereador Jovino Cardoso; o Secretário Municipal de Assistência Social, da Criança e do Adolescente, Mário Hildebrandt, na ocasião representando o prefeito João Paulo Kleinubing (DEM); e a curadora da Vara da Infância e da Juventude, Maria Cecília de Souza, também presidente da ABAM – Associação Blumenauense de Amparo aos Menores. Dois palestrantes convidados – a promotora de Justiça Kátia Rosana Pretti Armange e o juiz da Vara da Infância e da Juventude Álvaro Pereira de Andrade – traçaram um diagnóstico da situação dos acolhidos no município e dos procedimentos tomados nos processos de adoção, revelando a real situação do município, que tem cerca de 70 crianças abrigadas nas instituições, poucas delas aptas à adoção, e mais de 200 cadastrados à espera de um filho adotivo.

A cada fala das autoridades e do público era evidenciada a forte ligação individual com o tema. Como adotada, a deputada Dirce agradeceu a iniciativa de sua família; como mãe adotiva, Ana Paula destacou a missão de unir o desejo das crianças abrigadas ao desejo dos inscritos nos cadastros para adoção. Já Maria Cecília, aos 75 anos, destacava o amor incondicional aos seus oito filhos adotivos, enquanto o secretário Hildrebrandt comemorava nove meses de
convivência com suas novas filhas, reforçando uma das grandes metas da campanha Adoção – Laços de Amor: sensibilizar a sociedade para a adoção de crianças mais velhas e adolescentes, reduzindo o número de abrigados. Nas palestras dos especialistas, alguns relatos profissionais foram carregados de tristeza, como a da promotora Kátia ao tratar da devolução de crianças e jovens pelos pais adotivos. “Em um ano e meio de atuação já acompanhei quatro casos. Eles chegam de mãos dadas com os filhos para devolvê-los… E sempre culpando as crianças!”, lamentou a promotora.
LONGA ESPERA

A maior queixa – tanto dos responsáveis pelas casas Lares e Casas de Acolhimento, como dos que aguardam nos cadastros -, é a espera de anos – em média cinco anos – para consolidar as adoções, fazendo com que as crianças cresçam nas instituições, afastando-se da idade preferida pelos pais adotivos (abaixo de três anos), e que nesse período ganhem mais irmãos na mesma situação, fazendo-os aguardar ainda mais nestes pela preferência da adoção múltipla. A promotora Kátia lembrou que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina tentativas de reintegração à família biológica como preferenciais. A colocação para adoção é considerada a última alternativa, só permitida após a destituição judicial do poder familiar.

“Algumas vezes, as tentativas exaustivas de restituição acabam prejudicando a escolha e a aproximação da família substituta, pois não é justo com a criança ou jovem estimular novos vínculos que podem nem ser mantidos”, afirmou a promotora. “Minha angústia é que temos que andar rápido, mas existem situações em que isso não é possível e que as dificuldades da família biológica podem ser superadas com o devido apoio. Não podemos atropelar o processo, temos
que ver a possibilidade de reinserção”.

Outra realidade que ocorre principalmente com adolescentes que conseguem estar aptos à adoção é que eles, mesmo morando nas instituições, acabam recusando uma nova família. “Muitos mantêm vínculos afetivos fortes com a família biológica, independente das dificuldades que enfrentaram, e recusam-se à adoção. Essa resistência impede o processo”, relatou.

NOVAS PROPOSTAS

Preocupada com as gestantes em situação de vulnerabilidade, que costumam ser assediadas para adoção direta e sem amparo legal, a promotora de Justiça propôs uma nova abordagem através da conscientização da legalidade da entrega dos filhos. “A entrega consciente também é um ato de amor. Nos casos de impossibilidade de criar um filho, significa a busca de um melhor caminho para ele”. Um trabalho integrado das assistentes sociais do município, dos hospitais
e do serviço social forense pode esclarecer e auxiliar essas mulheres.

Outra difícil realidade foi alertada por Kátia: adolescentes usuários de drogas e/ou com problemas psiquiátricos são colocados nas instituições de acolhimento sem cuidados especiais e nem espaço diferenciado, podendo influenciar e expor os demais abrigados. “Precisamos de um funcionamento melhor da rede de saúde mental e também construir um local específico para esses jovens”, afirmou.

SEGURANÇA JURÍDICA

Em sua palestra, o juiz Álvaro Pereira de Andrade alertou para os riscos da “adoção à brasileira”, feita através de contatos diretos entre mães biológicas e pais adotivos, e que não possuem amparo legal. O arrependimento dos pais biológicos, que conhecem a família adotiva, ou sua interferência na vida da criança podem ser prejudiciais e tornam vulneráveis os pais adotivos, ficando a própria adoção sujeita à questionamento judicial.

“A Lei 12.090, de 2009 – a Lei Nacional da Convivência Familiar [2] -, assim como Estatuto da Criança e do Adolescente [3], prevê apenas três casos para adoção direta, ou seja, de pessoas que estão fora dos cadastros de adoção. Casos de homens que casam com mães solteiras e assumem suas crianças como filhos; familiares que requerem
a adoção de crianças retiradas dos pais; e tutores ou pessoas com guarda legal tendo comprovados laços de afetividade e afinidade com seus tutelados”, esclareceu Andrade.

Apesar do grande tempo de espera das crianças acolhidas, Andrade alertou serem essenciais os procedimentos previstos porque fornecem segurança jurídica às adoções. No caso de Blumenau, o juiz destacou a boa atuação do Ministério Público, que ajuíza ação para destituição do poder familiar paralelamente às tentativas de reinserção nas famílias biológicas. “Com isso, ganha-se um tempo precioso para o caso da reinserção ser frustrada. Nas situações
contrárias, o processo extingue-se. Além disso, o acompanhamento da promotoria em suas reuniões constantes nas Casas Lares e de Acolhimento faz com que cada caso, casa jovem e criança, tenha um acompanhamento individualizado. Isto faz com que as coisas sejam melhores em Blumenau.”

Andrade ainda ressaltou os avanços alcançados com instrumentos legais vigentes, como a Constituição de 1988, o Estatuto e a Lei 12.090, que passaram a tratar a criança e o adolescente como cidadão de direito e não apenas como sujeitos de políticas públicas. Hoje existem prazos para notificar situações de acolhimentos, que antes permaneciam
desconhecidas até dos juízes, e para a tramitação dos processos de destituição do poder familiar. “Os cadastros de adoção também surgiram para reduzir os prazos dos processos”, concluiu.


NOVAS AUDIÊNCIAS

O ciclo de audiências públicas “As condições dos processos de adoção e das casas de acolhimento no Estado” será levado às seguintes cidades:

-06/10 (quinta-feira): Chapecó
-19/10 (quarta-feira): Criciúma
-20/10 (quinta-feira): Lages
-31/10 (segunda-feira): Joinville
-04/11 (seta-feira): Canoinhas
-07/11 (segunda-feira): Florianópolis

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