sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A excessiva demora nos processos de Adoção

Não imaginei ao escrever “A culpa não é do habilitado” abrir uma verdadeira “caixa de Pandora”. Escrevi como uma forma de desabafo, desabafo esse que foi compartilhado e complementado por várias pessoas.
Um dos problemas levantados foi justamente o já criticado Parágrafo único do Artigo 158 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que diz que deverão ser esgotados todos os meios para a citação pessoal dos genitores em caso de destituição do poder familiar.
Paira, então, uma pergunta: o que significa esgotar? Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa a palavra tem os seguintes significados:
esgotar - Conjugar
(es- gota + -ar)
v. tr., intr. e pron.
1. Vazar(-se) até à última gota; tornar(-se) seco (ex.: os poços esgotaram(-se); esgotar a água da fonte). = EXAURIR, SECAR
2. Consumir(-se) até ao fim; dar cabo de (ex.: esgotaram as reservas de ouro; o petróleo esgotar-se-á um dia; as suas poupanças esgotaram). = ACABAR, GASTAR, EXAURIR ≠ POUPAR
3. Fazer perder ou perder a força, a vitalidade; ficar exausto (ex.:o turno da noite esgota (qualquer um); as suas forças esgotaram-se). = DEPAUPERAR, EXAURIR, EXTENUAR
4. Fazer vender ou ser vendido até ao último item; distribuir ou ser distribuído até não haver mais (ex.: os impressos esgotaram(-se); o grupo esgotou o auditório).
v. tr. e pron.
5. Dizer a última palavra sobre (ex.: esgotar um tema de conversa; a análise da situação não se esgota num artigo).
v. tr.
6. [Figurado] Beber todo o líquido de (ex.: em pouco tempo esgotaram um garrafão de tinto. = ENXUGAR
7. [Pouco usado] Colocar esgotos.

Para a presente análise utilizaremos esgotar como exaurir, contudo, ainda resta a dúvida: para todos os Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos esgotar tem o mesmo significado? Acreditamos que não.
Já verificamos, por exemplos enviados, que alguns juízes, promotores de justiça e defensores públicos, eis que funcionam nos procedimentos de destituição do poder familiar formando o triangulo basilar da justiça, tentam esgotar as possibilidades até a exaustão: (1) tentam realizar a citação no primeiro endereço informado; não tendo êxito, o que é comum, (2) oficiam a Receita Federal e o Tribunal Regional Eleitoral, ao receberem os endereços fornecidos, quando o são, tentam a citação em tais endereços (3) que, em grande parte, são diferentes; não logrando êxito, oficiam (4) concessionárias de energia elétrica, de gás, de água e as empresas telefônicas. O tempo levado para tudo isso? Longo demais, principalmente para as crianças.
Por vezes ainda, não estamos exagerando, buscam homônimos, realizam citação por precatória para estados diferentes. A compreensão de esgotar torna-se extenuante.
Finalmente, depois de dois, três anos, realiza-se a citação por edital e nomeia-se Curador Especial ao ausente que, pasmem, ainda apresenta contestação por negativa geral. Fico imaginando se o advogado perde o prazo, ou o Defensor Público, essa criança seria devolvida para quem?
Se esses pais, de fato, tivessem qualquer interesse por seus filhos não desapareceriam, jamais configurariam o abandono material e afetivo.
A criança já está abandonada há 3, 4 anos, na convivência de sua única família, a substituta, e a busca dos laços biológicos têm quer ser exaurida.
Obviamente jamais seremos contrários a ampla defesa e ao contraditório, apenas pontuamos que essa necessidade de esgotar os meios de citação pessoal termina por exaurir os adotantes e as próprias crianças e, principalmente não atende aos princípios constitucionais da Duração Razoável do Processo e da Celeridade da Prestação Jurisdicional, do Melhor Interesse da Criança e da Dignidade da Pessoa Humana.
Crianças se encontram numa fase muito especial e de curta duração. A infância passa num estalar de dedos e, por tal motivo, ela não pode se dar ao luxo esperar, pois o decurso inexorável do tempo corre contra ela, violando totalmente inúmeros preceitos constitucionais.
A criança, enquanto não deferida sua adoção, tem subtraído o direito a ter o seu nome de família. Quantos pais e quantas crianças já não passaram pelo constrangimento de ser chamada, por exemplo, de Maria Santos, quando na realidade seu nome social, o único com o qual se identifica como pessoa, seria de Ana Ferreira? Quantas crianças perguntam quem é Maria, mamãe? Ou, porque eles estão chamando Maria se meu nome é Ana? Ou, o que já presenciamos: Maria, mamãe, é aquele outro nome, eu não sou Maria eu não quero ser Maria.
Esse constrangimento dura anos, na maioria das vezes um tempo excessivo.
A situação agrava-se, ainda mais, quando a criança passa a frequentar o colégio. Muitas vezes a criança é alvo de chacota na hora da chamada e, mais uma vez, passa por sérios constrangimentos. Não se trata de negar a adoção, não é isso, pois, defendemos sempre que a adoção não é um segredo e que deve ser contado a criança desde sempre, não se tratando de uma revelação, pois, só se revela segredos ou assuntos escondidos. A criança tem o direito ao nome de família e tal direito está sendo negado.
O Artigo 199-C do Eca determina que os recursos nos procedimentos de adoção e de destituição do poder familiar serão processados com prioridade absoluta. Perguntamos: porque não tratar com a mesma prioridade a citação dos genitores decifrando o enigma insculpido na palavra “esgotar”?
O Artigo 161 do ECA determina que é obrigatória a oitiva dos pais sempre que esses forem identificados e estiverem em local conhecido. Se já foram buscados através da Receita Federal e do Tribunal Eleitoral, ou seja, se a pessoa a ser citada não tem CPF e não cumpre com suas obrigações eleitorais, terá ela contas em seu nome? Tal possibilidade inexiste. Tais pessoas estão, obviamente, em local desconhecido e não sabido e as possibilidade de citação pessoal já foram mais que esgotadas, exauridas ou qualquer outro sinônimo existente.
Os processos que tratam de crianças e adolescentes devem ser céleres e atentar para o decurso de tempo em que se desenvolverá a infância e a adolescência, pois, é fugaz e o decurso inexorável do tempo trabalha contra a criança e o adolescente tirando-lhes direitos preponderantes e imensuráveis, tal qual o nome de família.
Essa excessiva morosidade e esgotamento trazem um decurso de tempo que coloca a criança em risco de ter subtraídas etapas de sua vida, sendo cada etapa, à sua maneira, um período pleno, a ser respeitada pelo mundo adulto, principalmente pelo judiciário. Mais uma vez trata-se de respeito ao principio constitucional da prioridade absoluta, do respeito ao melhor interesse da criança a prevalecer sobre qualquer outro interesse.

Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos devem ter em mente tais princípios e devem unir-se para respeitá-los em sua integralidade, devem ter a consciência que o sujeito e o destinatário final de suas respectivas atuações são a criança e o adolescente.
Por isso defendemos, sempre, que as pessoas a trabalharem na área da infância e a juventude devem ser vocacionadas, pois, apenas por vocação se atuará despido de excessivos legalismos e interpretações exacerbadas da lei que, no fundo, privam crianças e adolescentes do direito fundamental à convivência familiar e a própria personalidade que lhe confere o nome de família.
A concepção de pertencimento a uma família se dá notadamente pelo sobrenome comum. Essa espera exaustiva, além de angustiante, é o exemplo mais claro da desimportância com que são tratados nossas crianças e adolescentes que voltam ao antigo estágio de objeto e não de sujeito de direito.
Silvana do Monte Moreira
Coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II
Diretora Jurídica da ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção
Silvana.mm@globo.com
http://www.silvanammadv.blogspot.com/

Nenhum comentário: