sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Mulher tem licença para amamentar filho de companheira

Preservação da vida

O juiz Marco Antonio da Silva Lemos, titular da 3ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, concedeu licença-maternidade para uma servidora pública amamentar o filho de sua companheira. Mesmo após reconhecer que a administração pública teve base legal para negar o pedido, o juiz entendeu que está em jogo a preservação da saúde e da vida da criança. As duas mulheres são casadas e o bebê foi registrado em nome de ambas.
De acordo com o processo, a mãe biológica, que é profissional autônoma, não pode amamentar seu filho. O menino nasceu com baixo peso e tem dificuldades para sugar o leite materno. Sua companheira, que é funcionária pública, decidiu fazer tratamento hormonal para produzir o leite e amamentar o bebê por meio de translactação. A técnica consiste em uma sonda que liga um recipiente com leite ao bico do seio materno. Dessa forma, ao sugar o peito da mãe, o bebê recebe o leite do recipiente.
A servidora recorreu ao Judiciário após ter o pedido de licença negado pela administração pública. Apesar de o juiz considerar o ato do poder público legal, uma vez que a lei determina a concessão da licença apenas a gestantes, ele garantiu a licença-maternidade. “A Administração se sujeita à observância estrita do que esteja estampado em texto legal, e a lei não contempla a pretensão da impetrante; não há, pois, como verberar ou censurar o procedimento da autoridade impetrada. Muito embora o favor legal receba o nomen juris de ‘licença-maternidade’, a mera condição de mãe não autoriza sua concessão; exige-se a condição de gestante”.
Silva Lemos, porém, reconheceu que o fato é controverso e ainda não está pacificado na jurisprudência. Segundo o juiz, não se trata apenas do direito da mulher à licença-maternidade, mas de garantir a vida da criança. “Torna-se evidente que, no caso, existe inquestionável periculum in mora, relativamente às necessidades do recém-nascido, com vistas à preservação de sua saúde e mesmo de sua própria vida. Esses valores devem ser preservados, por imperativo de justiça e de efetividade da ordem jurídica, em sendo o caso até mesmo de ofício”, afirmou o juiz.

Texto alterado às 20h24 para correção de informações.

http://www.conjur.com.br/2013-jan-23/mulher-tirar-licenca-maternidade-amamentar-filho-companheira?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook



"Relatei. Decido.
“Pode toda regra jurídica ser considerada como uma proposição que subordina a certos elementos de fato uma conseqüência necessária; incumbe ao intérprete descobrir e aproximar da vida concreta, não só as condições implícitas no texto, como também a solução que este liga às mesmas” [1]
“A atividade do hermeneuta é uma só, na essência, embora desdobrada em uma infinidade de formas diferentes. Entretanto, não prevalece quanto a ela nenhum preceito absoluto: pratica o hermeneuta uma verdadeira arte, guiada, cientificamente, porém jamais substituída pela própria ciência. Esta elabora as regras, traça as diretrizes, condiciona o esforço, metodiza as lucubrações; porém, não dispensa o coeficiente pessoal, o valor subjetivo, não reduz a um autômato o investigador esclarecido” [2]
De início, reitero o que tive ensejo de afirmar, já por diversas vezes, a respeito da confusão que, lamentavelmente, ainda paira nos meios jurídicos a respeito dos institutos de mandado de segurança e antecipação de tutela, e, em tal contexto, entre “direito líquido e certo” e “verossimilhança”. Não são eles idênticos nem intercambiáveis. O mandamus, por sua natureza mandamental, só é viável para proteção de direito líquido e certo, cuja existência, eficácia e exigibilidade possam ser aferidos já de imediato, no próprio ato da impetração, uma vez que o instituto não comporta dilação probatória nem manejo para assegurar a aplicação de princípios jurídicos como a razoabilidade e a proporcionalidade. Precisamente para isso é que o legislador previu a possibilidade de outro instrumental jurídico, que vem a ser a antecipação de tutela, que se dá no curso de procedimento processual ordinário, onde se torna possível a invocação e obtenção liminar do direito perseguido, bastando para tanto que se demonstre sua verossimilhança (o direito buscado não é certo nem líquido, mas é verossímil), uma vez que nele existe a possibilidade de dilação probatória e comprovação do alegado, a posteriori. Numa tutela antecipada, pela flexibilidade e plasticidade do instituto , aí sim, são invocáveis princípios como os da analogia, razoabilidade e da proporcionalidade, não sendo exigíveis peremptoriamente a liquidez e a certeza que devem necessariamente existir para o êxito de mandamus.
Este é precisamente o caso dos presentes autos.
Não há aqui, como facilmente se pode depreender, qualquer direito “líquido e certo”, porquanto o direito material de que se cuida, a rigor, é endereçado a mulher gestante, v.g., a mulher em estado de gravidez, na dicção tanto do artigo 7º, XVIII, CF, quanto da Lei Complementar 790/2008/DF. Gravidez ou prenhez é a condição da mulher (homens, seres masculinos, ao menos por ora, não são susceptíveis de engravidamento) que carrega no ventre um óvulo fecundado, e este, confessadamente, não é o caso da impetrante. Embora não se contenda sobre sua condição de co-mãe, quem engravidou e deu à luz a ------------------------------------- não foi ela, mas sua consorte, ------------------------------------------. Nem há que se falar em ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada, pois o direito em discussão (direito de mãe não gestante a licença-maternidade) não foi ainda objeto de previsão legal estrita e sequer restou pacificado ainda na jurisprudência. Trata-se de tema novo e sujeito a controvérsia. A Administração se sujeita à observância estrita do que esteja estampado em texto legal, e a lei não contempla a pretensão da impetrante; não há, pois, como verberar ou censurar o procedimento da autoridade impetrada. Muito embora o favor legal receba o nomen juris de “licença-maternidade”, a mera condição de mãe não autoriza sua concessão; exige-se a condição de gestante.
Outra seria a hipótese se a impetrante tivesse se valido de ação ordinária com pedido de antecipação de tutela. Em tese, sua pretensão poderia ser acolhida liminarmente, ante o fato de que esse seu alegado direito, conquanto não líquido nem certo, apresentaria entretanto certa verossimilhança, o que poderia ser comprovável em fase probatória, e a antecipação poderia então ser concedida, fundando-se, a discrição do julgador, no fumus boni iuris e no periculum in mora, sendo-lhe permitido valer-se inclusive de mecanismos de analogia e de integração – razoabilidade e proporcionalidade – para conduzir e dar solução à lide. De todo modo, e para além disso, de melhor exame do processo, constato que ele apresenta uma outra faceta. É que, no bojo da lide, faz-se presente um outro interesse, que é abarcado e afetado pela controvérsia ora posta em juízo, que vem a ser o direito de ----------------------------------------, recém-nascido, com menos de um mês de vida. Trata-se, consoante os registros e relatórios médicos que acompanham a inicial, de criança de baixo peso, com dificuldade de sucção ao seio materno, a necessitar de cuidados especiais. Informa-se também que sua mãe biológica, --------------------------------- --------------------, por ser profissional autônoma, está impedida de atender às necessidades de aleitamento e cuidados do neonato, motivo pelo qual a impetrante optou por efetuar tratamento hormonal com vistas a produzir leite materno, e que está presentemente fornecendo ao filho aleitamento mediante a técnica de translactação (relatório de fl. 17). Ora, esta é uma realidade fática que não pode ser encarada ou enfrentada com visão meramente formal ou acadêmica. Explanando sobre o novo Código Civil, Miguel Reale ressaltou a importância dos princípios que essa codificação instituiu ou que atualizou, com vistas a tornar o direito efetivo, real, concreto e operante:
“O novo Código Civil reconheceu e instrumentalizou novos princípios, ou revitalizou
alguns já existentes, tais como a boa fé, a eticidade e a operabilidade. Por operabilidade, deve ser entendido que, a partir de seu reconhecimento e aplicação, o CC não mais deve estar cingido ao "academicismo puramente teórico", e sim à vida prática, vez que as leis têm por escopo servir à pessoa humana, e nunca o contrário. Isso foi titanicamente debatido quando da elaboração do projeto do novo Código Civil, onde restaram proclamados novos princípios informadores do Direito, entre os quais a eticidade, sociabilidade e operabilidade. O princípio da operabilidade entende que é da essência do Direito a sua realizabilidade. Realizabilidade, acrescente-se, proveniente de realizar, que vem significar pôr em prática, tornar real, executar, efetuar. Ou seja, a norma deixa de ser um modelo esquemático ou tão-somente uma moldura para a realidade, passando a ser um modelo funcional, ou seja, com vistas a uma realizabilidade". Precisamente em atenção a esse propósito de eliminar ou minimizar essas perplexidades é que os responsáveis pelo novo Código Civil optaram por edificar o chamado princípio da operabilidade.Na eventual indeterminação exegética, ou impossibilidade de se poder, com absoluta segurança, precisar-se o princípio ou regra aplicável a um caso concreto, há que se preferir, em caráter de decisão, aquele que permita melhor e mais justa composição da controvérsia. O tema, por sinal, havia sido objeto de discussão já na elaboração do novo CC, e teve aliás, como epicentro, a questão sobre prescrição e decadência. O princípio da operabilidade, nesse particular, deve se sobrepor à necessidade de separar ou estremar com rigor absoluto prescrição e decadência, como adverte Miguel Reale, o revisor do projeto do novo CC: “O terceiro princípio que norteou a feitura deste nosso Projeto – e vamos nos limitar a apenas três, não por um vício de amar o trino, mas porque não há tempo para tratar de outros, que estão de certa maneira implícitos nos que estou analisando – o terceiro princípio é o "princípio da operabilidade". Ou seja, toda vez que tivemos de examinar uma norma jurídica, e havia divergência de caráter teórico sobre a natureza dessa norma ou sobre a convivência de ser enunciada de uma forma ou de outra, pensamos no ensinamento de Jhering, que diz que é da essência do Direito a sua realizabilidade: o Direito é feito para ser executado (grife i); Direito que não se executa – já dizia Jhering na sua imaginação criadora – é como chama que não aquece, luz que não ilumina, O Direito é feito para ser realizado; é para ser operado (grifei). Porque, no fundo, o que é que nós somos – nós advogados? Somos operadoresdo direito: operamos o Código e as leis, para fazer uma petição inicial, e levamos o resultado de nossa operação ao juiz, que verifica a legitimidade, a certeza, a procedência ou não da nossa operação – o juiz também é um operador do Direito; e a sentença é uma renovação da operação do advogado, segundo o critério de quem julga. Então, é indispensável que a norma tenha operabilidade, a fim de evitar uma série de equívocos e de dificuldades, que hoje entravam a vida do Código Civil (grifei).
(...)
Isto posto, o princípio da operabilidade leva, também, a redigir certas normas jurídicas, que são normas abertas, e não normas cerradas, para que a atividade social mesma, na sua evolução, venha a alterar-lhe o conteúdo através daquilo que denomino "estrutura hermenêutica". Porque, no meu modo de entender, a estrutura hermenêutica é um complemento natural da estrutura normativa. E é por isso que a doutrina é fundamental, porque ela é aquele modelo dogmático, aquele modelo teórico que diz o que os demais modelos jurídicos significam. Estão verificando que tivemos em vista esses três princípios, e outros também, que levam em conta a concreção humana. Poderia acrescentar, aqui, o "princípio da concretitude", que, de certo modo, está im plícito no de operabilidade. Concretitude é palavra que tem sido, às vezes discutida: há quem queira concretude. Mas, se nós formos ao Dicionário Aurélio, veremos que ele não registra "concretude" e sim "concretitude", assim como há "negritude", "plenitude", e assim por diante, segundo o espírito de nossa língua. Concretitude, que é? É a obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, para um indivíduo perdido na estratosfera, mas, quanto possível, legislar para o indivíduo situado: legislar para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto um ser subordinado ao poder familiar. Quer dizer, atender às situações sociais, à vivência plena do Código, do direito subjetivo como uma situação individual; não um direito subjetivo abstrato, mas uma situação subjetiva concreta (grifei)” (Miguel Reale, Visão geral do Projeto de Código Civil, inhttp://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm , última visita em 03.08.12) Torna-se evidente que, no caso, existe inquestionável periculum in mora, relativamente às necessidades do recém-nascido, com vistas à preservação de sua saúde e mesmo de sua própria vida. Esses valores devem ser preservados, por imperativo de justiça e de efetividade da ordem jurídica, em sendo o caso até mesmo de ofício Em assim sendo, invocando os princípios da efetividade e operabilidade  e mais o poder geral de cautela reconhecido ao magistrado, diante do exposto e das características do caso concreto, presentes perigo na demora e a fumaça de bom direito, na forma do art. 798, CPC, concedo à impetrante medida cautelar preparatória para assegurar a efetividade e a operabilidade de ação principal, a ser interposta em até 30 (trinta) dias, consistente em a ela se garantir o gozo imediato de licença-maternidade, sem prejuízo de suas remuneração ou funções que ora exerce, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias. A manutenção da presente cautela, excepcionalmente concedida, fica condicionada ao ajuizamento de ação principal, no prazo de 30 (trinta) dias."
[1] GENY, François, Méthode d’Interpretacion et Sources em Droit Privé Positif, 2ª ed., 1919. vol. 1, p. 254, apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1991
[2] REUTERSKIOELD, C.A., Über Rechtsauslegung, p. 85, apud MAXIMILIANO, Carlos.Hermenêutica e Aplicação do Direito., 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991
                                                                                                                             
 
http://s.conjur.com.br/dl/licenca-mae-homoafetividade1.pdf

Nenhum comentário: