quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

PEDIDO A UM JULGADOR

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 Exmo. Sr, Desembargador, meus respeitos. Aprendi a admirar a Magistratura durante meus quase trinta anos de convivência com o mundo do Direito. Escolhemos estas carreiras jurídicas porque certamente desejamos fazer o bem ao próximo: dar ao jurisdicionado a proteção que a lei lhe confere e que muitas vezes só pode ser alcançada pela intervenção do Judiciário. É uma bela missão a de julgar. Também é árdua: não é raro que as opções do julgador sejam dramáticas, radicais, e acabem por exigir da pessoa investida no cargo de juiz mais coragem e disposição do que apenas saber jurídico. Há também assuntos que aparentemente são mais informados pelo senso comum do que pela própria lei. As relações familiares frequentemente levadas a juízo estão dentre destas causas mais avaliadas pelo bom-senso do que pela norma jurídica. Esse “fazer-justiça-pelo-que-se pensa-da-vida” foi sendo incorporado na prática forense, desconfio eu, naturalmente: na História o juiz nasceu antes do legislador, pois havia quem compusesse os litígios mesmo antes da invenção da escrita. Acontece que os antigos, os verdadeiros inventores do Direito, acabaram convencidos que se deixassem tudo por conta dos julgadores, os conflitos levados a julgamento não teriam uma uniformidade em suas decisões. Assim nasceu a lei, com a função nobilíssima de criar segurança jurídica para o grupo social. Pois bem. A lei trouxe duas vantagens: além de balizar o julgador em sua missão de decidir sobre a vida alheia, também trouxe para sociedade a para o cidadão a possibilidade de se pautar pelo que ela prescreve antes da geração de qualquer conflito. Em outras palavras, a lei permite que as pessoas sigam o caminho do bem voluntariamente, quando decidem por si só agir de acordo com seus preceitos. Assim, quando o Estado cria a lei faz uma promessa ao cidadão de que, a cumprindo, não terá qualquer prejuízo material ou moral. Acontece que, mesmo diante da clareza meridiana da lei, nos assuntos mais íntimos do ser humano, como as já citadas relações familiares, há magistrados (e demais profissionais da justiça) que insistem em aplicar o que lhes parece mais conveniente, colocando em risco ou causando danos efetivos justamente aos bens jurídicos mais preciosos e que a norma preterida pretendia tutelar. Trocando em miúdos, ao tentar fazer justiça aplicando convicções pessoais e deixar de buscar na lei sua real vocação protetiva, o julgador tira o cobertor do mais fraco e cobre o mais forte, Deixar de fazer a justiça de todos para fazer a sua, nascida de seu “achismo”. Assim, se permite o atrevimento, ao analisar uma causa que verse sobre a infância atente para o fato de a lei ter escolhido que nestas relações o principal sujeito de direitos é a CRIANÇA. Portanto, os direitos dos adultos importam menos que os dela e em nenhuma hipótese podem prevalecer sobre o que seja melhor para ela. Criança é gente: ama e precisa ser amada, se apega e precisa permanecer com quem ela aprendeu a amar. Sávio Bittencourt Procurador de Justiça do Estado do RJ

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