segunda-feira, 13 de março de 2017

Busca por crianças com 'perfil ideal' é entrave para adoção (Reprodução)

11/03/2017

São muitos motivos que levam à decisão da adoção. O desejo de construir laços afetivos e uma família é, geralmente, o que guia casais ou pessoas solteiras ao ato de adotar. No entanto, esse desejo, muitas vezes, esbarra em expectativas que nem sempre são alcançadas. Por procurarem ‘perfil ideal’ de criança, apesar da demanda por adoção ser menor que o número de crianças que aguardam por uma nova família, os abrigos continuam lotados. 

Uma das características mais difíceis de serem correspondidas é a idade. Em um dos últimos levantamentos divulgados pelo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os dados apontam que apenas 6% das crianças aptas a serem adotadas no Brasil têm menos de um ano de idade, enquanto 87,42% têm mais de cinco anos, faixa etária aceita por apenas 11% dos pretendentes. 

Em Teresina, de acordo com o Centro de Reintegração Familiar e Incentivo à Adoção (Cria Piauí), nove abrigos estão disponíveis para acolher crianças e adolescentes. Entre eles, a Casa de Acolhimento Livre Ser, que funciona há dois anos em Teresina e, atualmente, recebe 16 crianças, de 3 a 12 anos. 

A coordenadora técnica do abrigo, Sandra Regina Dias, reforça o que os dados do Conselho acusam. “Já consideramos como adoção tardia a partir dos cinco anos de idade porque, realmente, as pessoas geralmente buscam bebês recém-nascidos. Nós entendemos que esses pais querem viver a experiência da maternidade e paternidade por completo, segurar a criança no colo e tudo mais, mas a realidade não é essa”, reforça. 

Direcionadas aos abrigos, muitas vezes, as crianças são encaminhadas pelo Conselho Tutelar, advindas de realidades de violência e maus tratos. E a realidade dos abrigos é de crianças com idade variadas, que esperam encontrar uma família capaz de acolhê-las em sua completude. 

Na Casa de Acolhimento Livre Ser, a maioria dos que aguardam adoção são crianças e adolescentes do sexo masculino, sendo 11 meninos e cinco meninas. 

Mas além de possibilitar a adoção, o abrigo tem como missão buscar a reintegração da criança a sua família de origem. “Nosso objetivo não é só possibilitar a adoção, mas primeiramente buscar reintegrar as crianças a sua família, que pode ser a tia, avó, primo, prima, por exemplo. Quando não conseguimos e o adolescente passa da idade de permanência no abrigo, nosso objetivo se volta a possibilitar a independência dele. O caminho é jovem aprendiz, aluguel social, inserir ele na sociedade como trabalhador dando todo suporte através da rede para ele ter o próprio sustento”, explica. 

O Livre Ser funciona com aporte de dez educadores com uma estrutura que garante a necessidade geral das crianças. A capacidade do abrigo é de 20 crianças. 

“A adoção não é por você, é pelo outro”, destaca a coordenadora Sandra Regina
A idealização faz parte do processo de aguardar a chegada de um novo ente familiar. Imaginar como será o convívio, personalidade, ensinamentos que serão divididos é um processo que se constrói para além de laços de sangue. Por isso, é normal que pais que querem adotar tenham expectativas e desejos, mas para Sandra, que trabalha há seis anos em abrigos de realidades distintas, isso não pode cercear o desejo de construir uma família. 

“Um ponto importante que tenho visto, com frequência, nesses anos de trabalho é que a adoção não é por você, é pelo outro. Quando você olha pro outro e o enxerga completamente, você entende. Porque quando você adota você sempre está pensando no outro para lhe dar o melhor, ela é mais pelo outro que por você mesmo. Por isso, que idade, sexo e demais características, no final, podem não ser decisivas", considera a coordenadora. 

Apesar do pouco tempo de funcionamento, a Casa de Acolhimento Livre Ser pode comemorar vitórias em que o laço do amor se sobrepôs a qualquer diferença. Ao todo, cinco crianças já tiveram seu processo de adoção iniciados a partir do abrigo, sendo, dois deles, um casal de irmãos que foi adotado. Aos 11 e 13 anos, a adoção tardia dos irmãos mostra que sempre é possível acreditar na consolidação de sentimentos familiares.

Processo leva algum tempo para ser finalizado, em razão das exigências das etapas a seguir
Processo de adoção é realizado através de muitas etapas. A adoção de crianças não é um processo tão simples. Os adultos interessados em adotar um pequeno levam um ano ou mais para viabilizar esse sonho. Sobram motivos para a demora em ter a criança. É preciso que inúmeros dados dos possíveis responsáveis sejam checados e aprovados. 

A primeira providência para dar início ao processo é que o interessado se dirija a Vara da Infância e Juventude mais próxima, com os documentos de RG e comprovante de residência. Após esse processo, a vara agendará uma data para uma entrevista com o setor técnico. É então que os interessados poderão selecionar o tipo físico, idade e sexo da criança desejada. 

O passo seguinte é receber a lista dos documentos de que a vara precisará paradar continuidade ao processo. Estes documentos variam de vara para vara, mas geralmente são: - Cópia autenticada da certidão de casamento ou nascimento - Cópia do RG - Cópia do comprovante de renda mensal - Atestado de sanidade física e mental - Atestado de idoneidade moral assinada por 2 testemunhas, com firma reconhecida - Atestado de antecedentes criminais. 

Até dois meses, uma psicóloga do juizado agendará uma entrevista para conhecer o estilo de vida, renda financeira e estado emocional. Ela também pode achar necessário que uma assistente social visite a casa do interessado para avaliar se a moradia está em condições de receber uma criança. 

Já perto da conclusão, a partir das informações no seu cadastro e do laudo final da psicóloga, o juiz dará seu parecer. Isso pode demorar mais um mês, dependendo do juizado. Com a ficha aprovada, a pessoa ganhará o Certificado de Habilitação para Adotar, válido por dois anos em território nacional. É então que o nome do proponente a adoção estará inserido no Cadastro Nacional de Adoção. 

Com o certificado, a pessoa entra automaticamente na fila de adoção nacional e aguardará até aparecer uma criança com o perfil desejado. Ou poderá usar o certificado para adotar alguém que conhece. Nesse caso, o processo é diferente: será preciso a intervenção de um advogado para entrar com o pedido no juizado. 

Quantidade de casais habilitados supera o número de crianças disponíveis
Caso a adoção em Teresina fosse uma equação, a conta nunca fecharia. Isso porque, apesar dos números possíveis de se complementarem, a expectativa de casais em busca de crianças com perfis definidos impede que os processos de adoção tenham ‘o seu final feliz’. Segundo Joselisse Nunes de Carvalho, promotora da 45ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude, a quantidades de casais habilitados é maior que o número de crianças que esperam uma família em abrigos.

“Essa história das pessoas chegarem pedindo uma criança do sexo feminino, loirinha, do olho verde, é uma falácia. As pessoas não chegam pedindo isso como se fosse comprar no supermercado, o existe é uma certa discrepância entre o que a gente tem a oferecer e o que as pessoas esperam, isso existe”, destaca a promotora. 

Como a coordenadora da Casa de Acolhimento Livre Ser, Sandra Regina, destacou em seu depoimento, um dos grandes impedimentos é a idade. “Geralmente as famílias buscam crianças de até dois anos”, constata a Joselisse. 

Mas não só a idade é barreira, as doenças associadas, sejam elas curáveis ou não, também se tornam um empecilho na hora da aceitação da criança para adoção. “Grande parte das crianças que nos chegam são oriundas de lares disfuncionais, lares onde mães e pais fazem uso abusivo de drogas e, em virtude disso, as crianças nascem com alguma má formação ou deficiência. E o fato de alguns casais estabelecerem idade máxima, estabelecerem que querem crianças saudáveis, impede a adoção”, afirma acrescentado que a cor tem sido uma questão superada. 

Antes da adoção, a promotoria atua no sentindo de tentar fazer a criança se reintegrar ao seu lar de origem, caso não seja possível, em cenários em que o ambiente não é saudável para o pleno desenvolvimento da criança, ela será habilitada para o cadastro de adoção. 

Para superar a barreira de critérios exigidos pelos pais na hora da adoção, são realizados os cursos de adoção. “Tentamos sensibilizar dentro dos cursos de adoção, que é um curso essencial para a pessoa conseguir a sua habilitação, então há uma parte que é trabalhado a questão da faixa etária para que eles entendam que quanto mais restritiva eles forem, mais difícil vai ser chegar ao objetivo principal que é alcançar a adoção. Nesse processo, algumas pessoas chegam a mudar”, constata. 

Os casais que se preparam para adoção passam pelo processo de informações e esclarecimentos jurídicos, bem como aspectos social e psicológico que envolve o processo, com destaque para sua irrevogabilidade. É por isso, de acordo com a promotora, que o ato da adoção deve ser um passo de muita responsabilidade por parte dos que se apresentam com esse propósito.

Processo de destituição familiar tem lentidão no Piauí
Todos os vínculos jurídicos com os pais biológicos e parentes são anulados com a adoção, salvo os impedimentos matrimoniais - para evitar casamentos entre irmãos e entre pais e filhos consanguíneos. Esse processo jurídico de ‘separação’ entre pais biológicos e filhos é chamado de destituição familiar. No Piauí, os processos chegam a demorar mais de um ano para a sua conclusão. 

“A destituição era para ser mais rápida, até porque sempre gosto de dizer que, dentro do Ministério Público, se tem algo que vem em prioridade é a destituição do poder familiar, porque sem ele não tem como tirar a criança dos abrigos. Mas infelizmente nós só temos uma única vara da infância e da juventude de natureza civil em Teresina”, esclarece a promotora Joselisse.

Em todo o Piauí, além de Teresina, apenas os municípios de Piripiri e Parnaíba possuem abrigos para crianças e jovens. Por esse motivo, a Capital concentra grande parte dos órfãos de todo o Estado. 

“A grande maioria das crianças e adolescentes que temos institucionalizados são oriundos de outros municípios. Acaba que tudo isso vem pra cá e trabalhamos lotados. Na Vara da Infância não tramita só ações de destituição, porque tem a adoção propriamente dita, ações de guarda quando está em família substituta, pedidos de providencia, entre outros. Temos muitos processos andando e temos essa dificuldade do andamento desses de destituição”, relata. 

A promotora faz saber que adoção é irrevogável, mas os pais adotivos estão sujeitos à perda do poder familiar pelas mesmas razões que os pais biológicos: por abandono, castigar imoderadamente o filho, praticar atos contrários à moral e aos bons costumes, descumprir determinações judiciais, etc. Pobreza e miséria não são motivos suficientes para a destituição do poder familiar.
Por: Glenda Uchôa - Jornal O Dia


Reproduzido por: Lucas H.

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