segunda-feira, 13 de março de 2017

Especial Adoção: Quando o Amor Transcende o Impossível, por Karol Pinto (Parte 05) (Reprodução)

12 de março de 2017     

“Chorei, choramos. O sofrimento acabou, o sonho se realizou”
Antes da adoção, Juliana Sellanes, 33 anos, professora, não se considerava uma pessoa completa. Descreve-se como: “Eu era só a Juliana, formada em biologia, louca por natureza, defensora dos animais, casada com o Mauro e com um desejo enorme de ser mãe”.

Não sabe ao certo quando a vontade de ser mãe surgiu em sua vida, mas, quando estava no seu segundo ano de casamento, começou a tentar biologicamente. “Passaram-se um, dois, três, sete anos. Com esses anos, muitos tratamentos. A adoção não foi uma segunda opção, desde o namoro falávamos dessa possibilidade, não sei dizer porque esperamos sete anos até ir ao Fórum iniciar o processo. Nunca houve em nós o desejo único e exclusivo de ser pais biologicamente. Só queríamos ser pais, ponto final”.

A dedicação excessiva ao trabalho, de certa maneira, era uma espécie de fuga para Juliana, que sentia que algo faltava em sua vida, em sua família. “Eu era uma pessoa muito voltada ao meu trabalho. Tive oportunidades e crescimento profissional devido a minha dedicação. Faltava tempo para mim, para meus sonhos, para o Mauro, para escrever (algo que adoro fazer). Também sempre frequentei a Igreja com meu esposo e trabalhávamos juntos no Departamento Infantil. Mas a dedicação ao trabalho foi aumentando tanto que até isso eu deixei de fazer. Eu era feliz, meu esposo é um grande parceiro e amigo, sempre respeitou minha dedicação, mas eu era incompleta. Faltava algo”.

O que faltava para Juliana e Mauro, na verdade, era alguém, que já havia nascido, que já tinha nome e uma história de vida. “Então, a Vivi chegou quando fizemos dez anos de casados. Ela fez um rebuliço na minha vida. Ela precisava de mim e eu precisava dela. Larguei um cargo na Secretaria de Educação, voltei a lecionar apenas meio período. Ela tinha uma rotina que mudou toda a minha, ela tinha necessidades que me fizeram ler, estudar, procurar ajuda. Então, nasceu a ‘Mãe da Vivi’, uma esposa mais presente em casa, uma mãe em busca de ser melhor a cada dia para sua filha”.

Buscando compartilhar sua experiência e relatar cada passo de sua nova história de vida, Juliana criou uma página em uma rede social, um blog chamado Mãe da Vivi, onde escreve sobre dois assuntos especiais: adoção e amor de mãe e filha. “O que me levou à adoção foi a gravidez da Vivi, que durou dez anos de gestação no peito, não na barriga, de desenvolvimento no coração, não no útero. Escrevo, pois minha filha me inspira, me transforma, faz eu repensar sobre a vida. Se vou adotar novamente? Com certeza! Quero mais filhos, mais anjos me ensinando. Quero mais desse amor genuíno, puro, verdadeiro. Se eu vou continuar escrevendo sobre a Vivi? Só enquanto eu respirar”.

Mas nem mesmo as palavras conseguem descrever com exatidão o “nascimento” da Vivi. “Foi há um ano atrás. Depois de dez anos de espera, oito horas de parto e 700 quilômetros de viagem. Ela nasceu pesando 29 kg, com 1,28m e sete anos me esperando. Lá estava ela, com um vestidinho preto, sentada no colo da psicóloga, um sorriso tímido, um olhar curioso. E lá estava eu, coração acelerado, tremendo de emoção, achando que estava sonhando. Desci do carro, atravessei a porta de vidro. Eu sabia que era ela e ela sabia quem eu era. A porta se abriu, ela correu ao meu encontro, pulou no meu colo e eu a agarrei com toda força. Chorei, choramos. O sofrimento acabou, o sonho se realizou.
Depois de um longo abraço eu a soltei, olhei para o Mauro, ele olhou para mim e me disse com os olhos brilhando: é ela! Eles se abraçaram. E eu agradeci a Deus. Foi nesse dia que nós nascemos. Foi nesse dia que soube que Deus realmente não tarda e não falha”.

“No dia que ela faleceu, recebemos a Certidão de Nascimento”
Quem acompanhava os perfis em uma rede social, do advogado Pedro Cascaes Neto e da Biomédica Ana Paula Krieck Cascaes, via as fotos publicadas e era contagiado pela alegria da típica família feliz, composta através da adoção. Para os que desconheciam particularidades do processo, algo bem incomum saltava aos olhos, já que o casal conseguiu adotar uma menina, de pele, cabelos e olhos claros, recém-nascida: a preferência da maioria maçante dos adotantes. Contudo, o que eliminaria Ana Clara (ou Clarinha, apelido carinhoso dado pelos pais) deste perfil idealizado, era a condição de saúde delicada da menina.


Quem teve o primeiro contato com Clarinha, foi Ana, que trabalhava no mesmo hospital em que a menina nasceu. Pedro conta que o casal, pouco tempo antes, decidiu que não evitaria a gravidez biológica, que deixariam transcorrer naturalmente. “Pensávamos que teríamos assim nove meses para organizar nossas vidas. Porém, não foi este o plano de Deus. Ana estava trabalhando e a chamaram para conhecer uma menina que seria encaminhada à adoção, ainda no hospital”. Ana complementa relatando: “A Clarinha nasceu com a cabeça pontudinha, o que pode acontecer no parto normal. Curiosa, fui conhecê-la e me encantei na hora. Falei para o Pedro que precisávamos adotá-la. Mas havia um porém, não estávamos na fila, não éramos habilitados”.


As visitas de Ana para Clarinha se tornaram diárias, até que a menina foi adotada. Porém, 15 dias após sua adoção, a menina foi devolvida pela família adotiva. “O casal que a adotou descobriu que ela tinha Hidranencefalia, uma doença que consiste na ausência do córtex, ou seja, líquido no lugar da parte cinzenta do cérebro. Assim, ela só exerceria funções que não exigem raciocínio”.


Devolvida ao Fórum de Gaspar, a pequena Clarinha foi novamente encaminhada ao Hospital. Ana foi comunicada de seu retorno e, completamente envolvida, começou a comprar o que a menina precisava. “Fraldas, lenços, tudo o que era necessário. Quando retornou ao hospital possuía somente uma muda de roupa, um sapato e um par de brincos, além da carteirinha de saúde e alguns exames neurológicos”, explica a mãe.


Pedro, que já sabia das frequentes visitas de Ana à UTI e do envolvimento de sua esposa, questionou sobre os motivos que levaram a devolução. “Ana disse que ela tinha um probleminha de saúde, Hidranencefalia. Naquele momento, achei que seria impossível a adotarmos, pela complexidade da doença. Decidimos que seríamos padrinhos da Clarinha e, assim, garantir, até o fim de seus dias, que ela tivesse uma vida digna”.


Então, mesmo sem estar devidamente convencida que seu papel na vida de Clarinha seria somente como madrinha, Ana se dispôs a batizar, na capela do hospital, a menina, mas nem chegou a comentar com seu esposo, pois acreditava que ele não aceitaria. “Pela gravidade da doença, ela corria risco de morrer diariamente. Por conta disso, um batizado foi oferecido devido a importância da preparação antes da partida”.


Pedro, advogado do mesmo hospital, chegou na instituição de saúde e foi surpreendido pelas pessoas o cumprimentando, pois se Ana seria a madrinha, a ele estava reservado o posto de padrinho.


E não apenas ele se fez presente. Segundo a capelaria do hospital, em 150 anos de história, nenhum batizado havia sido realizado dentro da instituição. Com isso e pela história de Clarinha, fruto de um estupro, abandono, adoção e uma devolução, o momento foi presenciado por inúmeras pessoas. “Até então eu nem conhecia a menina, mas eu fui. Antes de começar o batizado, a Ana Clara começou a ter uma crise convulsiva, que é normal da doença dela, mas nunca tínhamos presenciado e é uma cena bastante chocante. Durante a crise, a Ana pegou Clarinha no colo e se aninhou comigo. Abracei as duas e, então, a Ana Clara se acalmou e dormiu no meio de uma crise. Nunca tive um filho natural, mas acredito que quando os pais pegam um filho pela primeira vez no colo, eles mudam por inteiro.

A hora em que eu peguei a Ana Clara no colo junto com a Ana, me deu uma sensação que eu não sei explicar. Uma desconstrução e reconstrução, algo totalmente surreal. A energia daquele momento foi tão forte, que não há como explicar”.

Naquela noite, Pedro sonhou com Clarinha. “Depois disso, comecei a ir ao hospital. Era a melhor hora do meu dia. E tudo foi ficando mais forte”.

Assim, os dias foram passando, o amor de pai e mãe, disfarçados na figura de padrinhos, crescendo ainda mais. “Dez dias depois que ela foi devolvida, veio um ofício do juiz de Gaspar, determinando a remoção dela ao abrigo. Os médicos teriam que a liberar. Ela precisava de amor, medicações nos horários certos, mas não de uma UTI”, conta Ana. Pedro complementa dizendo que na hora em que chegou o ofício, o casal decidiu que Clarinha não iria para um abrigo e, sim, para a casa deles. “No dia seguinte, fui procurar ajuda para entrar com o processo de adoção. Foi tudo muito rápido, não avisamos ninguém. Quando contamos, já estávamos aguardando a liminar. Já amada por todos, quando Clarinha foi para nossa casa, todos foram olhar. Ela é um anjo que veio para ensinar muita coisa”.
A expectativa de vida de Clarinha nunca foi das melhores. “A expectativa inicial era de nem nascer, caso nasça, que viva horas”. E, segundo Ana, “já era um milagre ela estar com a gente todo esse tempo. Ela foi ficando melhor, mas, então, a cabecinha dela começou a crescer, porque havia uma desproporção entre a produção do líquido e absorção dele pelo corpo”.

A luta do casal foi incansável para oferecer conforto, amor e dignidade à Clarinha. “Procuramos especialistas e ficamos sabendo que havia um meio de drenar o líquido do cérebro. Apesar de arriscada, a cirurgia foi um sucesso. No entanto, no mesmo dia, ela precisou de oxigênio e, então, foi entubada. Foi só aí que descobriram que ela tinha problemas no coração e pulmão. O médico que a operou falou que a cirurgia tinha sido um sucesso, mas que não era nem para ela estar viva, que a nossa filha era um caso clínico de aborto e que seu estado não poderia nem ser considerado vida”.

Agarrando-se a fé, Pedro e Ana enfrentaram 17 dias de UTI. “Às 21h nós fazíamos uma cadeia de oração e, nesse momento, o monitor de batimentos cardíacos e oxigenação registrava sua melhora. Apesar das incertezas dos médicos, Clarinha saiu bem do hospital. O próprio médico que falou para nós que não valia a pena, foi o que deu a alta, chorou e rezou conosco. Clarinha fez algo surreal e essa foi a escolha mais feliz da nossa vida”, relembra o pai.

Depois de três semanas, Ana recorda que Clarinha ficou estranha. “Não comia mais, só conseguíamos a hidratar. A médica, nossa conhecida, disse que a internaria por precaução e, enquanto aguardávamos, Clarinha começou a ter uma parada respiratória. Pedro entrou no consultório e a médica a pegou no colo, levou ao pronto atendimento e, em seguida, de ambulância, à UTI. Ana Clara teve uma infecção generalizada por conta do cateter. A cirurgia que era para ser 100%, não foi nem 20% e passou, naquela hora, para 3%”.

Depois de três dias internadas, os pais de Ana Clara foram à Capela do hospital rezar por ela. “Quando ela ficou internada pela primeira vez, pedimos que ela voltasse com a gente para casa. Na segunda vez, pedimos que acontecesse o que fosse melhor para ela. Seria egoísmo nosso pedir para ela ficar, porque a gente queria que ela ficasse”.

Pedro e Ana não queriam mais que sua filha sofresse e desejavam o que fosse melhor para ela naquele momento. “Não queríamos que ela sentisse dor. Ela foi melhorando e a infecção foi sendo controlada. No terceiro dia, o médico disse que ela iria para o quarto e a Ana tinha ido para casa, pois íamos trocar às 2h da manhã. Umas 22h ou 23h a oxigenação dela começou a baixar, chamei o médico, mas ela parecia bem. Perto das 2h, o médico me disse: – Pedro, ela vai partir agora. Liga pra Ana, que chegou a hora”.

Enquanto o pai tentava desesperadamente ligar para Ana, a mãe de Clarinha já estava chegando ao hospital. “Quando eu cheguei, eles logo falaram para deixar tudo ali e entrar na UTI. Entrei em pânico. Peguei a Ana Clara no colo e vi que o monitor mudou completamente, a oxigenação foi lá em cima. Aos poucos, foi caindo de novo. Passei ela para o colo do Pedro e aconteceu a mesma coisa. Entendemos que era a hora dela partir. Fizemos uma oração todos juntos”, diz Ana. Complementando a fala um do outro, emocionado, o casal relatou como a foi a partida de Clarinha: “Eu até cheguei a cantar. Mas aí ela partiu. No dia que ela faleceu, veio a Certidão de Nascimento. Foram pouco menos de cinco meses que a tivemos junto a nós. Foi a melhor passagem da nossa vida. A melhor escolha da nossa vida. Os melhores dias da nossa vida. Faríamos tudo de novo, sem dúvidas”.

A experiência da adoção foi tão intensa, que Pedro e Ana agora seguem os trâmites normais para adotar novamente. “Estamos no Cadastro de Adoção de novo e sem restrições. A Ana Clara não foi nossa escolha, ela escolheu a gente. E dessa vez a gente está buscando os dois, os naturais e os adotivos. A Clarinha ensinou muita gente. Mesmo com pouco tempo, ela já fez muita coisa”, finaliza Pedro.

Da instituição acolhedora à adoção
A retirada de uma criança ou de um adolescente de sua família biológica ou natural ocorre em situações de risco. O primeiro atendimento, geralmente, é efetuado pelo Conselho Tutelar. A juíza de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Blumenau, Dra. Simone Faria Locks, explica que, nesses casos, o referido órgão retira e acolhe a criança para salvaguardar os seus interesses e direitos fundamentais. “Posteriormente, a situação chega ao Poder Judiciário, que, depois de ouvido o Representante do Ministério Público, avalia caso a caso. As situações corriqueiras de situação de risco são negligência na parte da higiene, da saúde, da alimentação e da educação, como por exemplo, deixar a criança fora da escola e não atender o que a escola determina com frequência, situações graves de falta de higiene, falta de alimentação. Em muitas oportunidades, encontramos panelas com mofo de comida, xepas de cigarro no meio da comida ou no chão da casa, fralda suja no meio da sala, criança fora da sala de aula, maus tratos, abuso sexual, violência verbal. Geralmente, há conjugação de vários desses fatores”, explica a juíza.

Somente em Blumenau são, aproximadamente, 80 crianças acolhidas, mas nem todas aptas à adoção. “Hoje, em Blumenau, aptos à adoção, nós temos duas meninas, uma de 9 e a outra de 17 anos de idade. É primordial que se esclareça que nem todas as crianças que estão institucionalizadas serão direcionadas para a adoção. A maioria está com processo em trâmite para que os pais sejam destituídos do Poder Familiar, porém pode acontecer de a família biológica, natural ou extensa, reverter a situação que levou ao acolhimento e, neste caso, a criança ou o adolescente retorna para o seio familiar ou, caso contrário, a destituição será efetuada e a criança ou o adolescente será encaminhado para a adoção. Sempre falo que, na área da infância e da juventude, dois mais dois não são quatro. Não tem uma forma, ou melhor, uma fórmula em que todos os casos são encaixados. Cada caso é diferente um do outro. Outra situação, também, que pode gerar a demora para os casais adotarem, é o perfil do adotando. O perfil mais querido e procurado é o de menina, até três anos, pele branca, olhos claros, saudável. Talvez, se houver uma mudança desse perfil, com alguma característica a menos ou a mais, já passa de um funil para uma situação mais ampla”, revela.
E para modificar esta preferência em relação ao perfil de bebê a ser adotado, o tema é abordado durante o curso obrigatório realizado pelos pretendentes. “O Estatuto da Criança e do Adolescente exige que os adotantes, para fazerem o cadastro, tenham que frequentar um curso, é obrigatório. É um curso de dois dias inteiros, que é ministrado por assistentes sociais, psicólogos, eu faço a parte jurídica junto com o Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Nesse curso, os pretendentes têm uma visão geral do que é a adoção, do perfil, como funciona o Cadastro Nacional de Adoção – CNA e, às vezes, em decorrência dessa conversa, eles ampliam as características desse perfil de preferência do adotado. A partir da participação no curso de pretendentes à adoção, eles conseguem ter uma visão geral do que é adotar e do que é necessário para tanto. Hoje em dia, as pessoas estão mais abertas para receberem grupos de irmãos, doenças tratáveis e a adoção tardia, normalmente efetivada com crianças de oito anos ou mais. As pessoas estão mais receptivas, muitas até pelo fato de que talvez estejam visualizando que, assim, terão sucesso mais rápido. Claro que se a vontade é a de adotar um bebê ou uma criança com pouca idade, tem que persistir no seu sonho, mas tem que ter a consciência de que vai ter que aguardar mais. Porque todo o processo de destituição, que vai possibilitar que a criança ou o adolescente fique apto a ser adotado, deve seguir um trâmite que a lei determina e que, se não seguido, pode ser, futuramente, anulado. Nós tentamos agilizar o máximo que conseguimos, mas, mesmo assim, existem procedimentos que não podemos deixar de praticar, assim como, também, surgem alguns entraves que tem que ser transpassados e isso leva tempo”, explica.

Por fim, a magistrada esclarece que, depois de o processo de destituição ser julgado e a criança ou o adolescente estar apto à adoção, a lei determina um prazo de convivência entre pretendente e pretendido. Após esta convivência e juntado laudo favorável da Assistente Social forense, o processo de adoção é finalizado, ou seja, julgado, com a determinação para que o Cartório de Registro Civil competente emita uma nova Certidão de Nascimento com todos os dados dos pais adotantes e do adotado e, então, surge uma nova família.

Original disponível em: http://rebuscando.org/especial-adocao-quando-o-amor-transcende-o-impossivel-por-karol-pinto-parte-05/

Reproduzido por: Lucas H.

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