segunda-feira, 1 de maio de 2017

Uma em cada três denúncias de violação dos direitos de crianças e adolescentes tem mães envolvidas (Reprodução)

26/04/2017

Em 2016, o Disque 100 – linha telefônica gratuita que recebe denúncias de violações de direitos humanos – foi acionado 4.250 vezes por catarinenses. Dessas ligações, 64,49% tiveram como motivação a violência sofrida por crianças e adolescentes a partir da ação, principalmente, da própria mãe dentro de casa. Idosos e pessoas e com deficiência aparecem na sequência entre as vítimas mais atingidas no Estado. O balanço foi divulgado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania.

O número geral de denúncias em Santa Catarina — que ainda contempla a população negra, LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgênero), pessoas em restrição de liberdade e em situação de rua — indica uma leve diminuição em relação ao ano anterior. O que chama mais atenção no apontamento é o principal suspeito da violação. Um quarto das denúncias têm como possível algoz a mãe e, quando isolada a estatística focada em crianças e adolescentes, o mesmo dado sobe para um terço. Negligência, violência física e violência psicológica são os tipos de violação mais denunciados ao Disque 100.

Para a ouvidora nacional de direitos humanos Irina Bacci, a mãe é tão vítima quanto a criança. A representante da secretaria nacional defende o ponto de vista ao lembrar que é dada à mulher a responsabilidade da obrigatoriedade do cuidado — mais do que em relação ao pai. E que, por esse motivo, a matriarca acaba sendo autora ou co-autora da maioria das violências que acontecem no Estado e no país. 

— Seja cometida pelo pai, pelo padrasto e até mesmo por um conhecido, o fato dessa criança ter sido submetida a uma violação, muita das vezes a mãe acaba sendo também a violadora. A negligência é uma das violações mais relatadas, até porque não acontece sozinha. Então, nesse sentido, a mãe acaba sendo co-autora pela responsabilidade que a sociedade coloca nela da criação da criança, do cuidado e assim sucessivamente — defende. 

Mesmo ponto de vista é compartilhado pela conselheira da região Norte da Ilha de Santa Catarina, Indianara Trainatti. Ela reforça que o pai não costuma ser responsabilizado pelo abandono quando deixa o lar com toda a responsabilidade da criação para a mãe. 

— O dado não me impressiona, porque muitas famílias são chefiadas por mulheres. A gente tem um índice de divórcio muito grande.  Então a mãe, que tem a responsabilidade, acaba violando o direito da criança. Acaba sendo uma responsabilidade que é deixada 100% para ela. Não é para ser, mas acaba sendo. Por isso, ela é a violadora do direito, se ela é a responsável. É assim com a maioria dos casos que eu atendo, em que os genitores sequer estão no mesmo município — comprova. 

O especialista em direitos humanos da Universidade do Vale do Itajaí, Jonathan Cardoso Régis, que pesquisa a vulnerabilidade entre aqueles amparados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lembra que os pais têm a responsabilidade primária da tutela dos menores de idade. 

O estudioso, que também é sub-comandante da Polícia Militar em Itajaí, cidade que aparece no terceiro lugar em relação ao número total de denúncias em SC, salienta que essa tarefa é estendida ao Estado. Ele lembra, no entanto, que nem sempre o governo consegue atuar com políticas públicas indiretamente relacionadas à proteção, como com a ampla oferta de vagas em creches ou com a educação em período integral, para que os tutores possam trabalhar. 

— Pelo fato de ter contato diário e direto, a omissão e a violência psicológica e física ficam voltadas à questão dos pais. É complicado o Estado ter mecanismos suficientes para ter uma fiscalização efetiva dos cuidados da criança e do adolescente. Isso é preocupante porque essas violações refletem negativamente nos índices de suicídios, vitimização e envolvimento em prática de infrações penais, como furto, roubo e tráfico. Isso acaba gerando um ciclo vicioso — problematiza.


Estrutura da rede de apoio no Estado é preocupante

A coordenadora das Delegacias de Proteção à Mulher, Criança e Idoso em Santa Catarina Patrícia Zimmermann explica que as informações repassadas pelo governo federal são recebidas pela ouvidoria da Polícia Civil. Essa, por sua vez, encaminha os casos à investigação das delegacias. Casos mais urgentes, como quando envolve tortura ou lesão corporal, podem recair diretamente, quando envolvem menores de 18 anos, nos conselhos tutelares. Não há índices de apuração e resolução das denúncias. 

Especificamente em relação à criança e ao adolescente, a delegada reforça a possibilidade de existir a alienação parental — interferência na formação psicológica dos pequenos promovida ou induzida pelos responsáveis —, especialmente em situações de violência psicológica. Por isso, a necessidade de haver rigor na apuração. 

— A nossa preocupação é com a veracidade da informação. Há muitos casos de separações mal resolvidas, por exemplo, em que o cônjuge usa os filhos (para denunciar o outro). Temos muito cuidado no que diz respeito a esse tipo de investigação. Apostamos em um trabalho interdisciplinar, com a saúde olhando, por exemplo, o tipo, o local e o tempo de lesão, que nos dá subsídios para distinguir casos de maus-tratos, lesão corporal e tortura contra crianças e adolescentes — explica. 
O quadro atual de infraestrutura nesta rede de apoio no que envolve os conselhos tutelares no Estado é preocupante. Em Florianópolis, onde há o segundo maior número de denúncias de violação de direitos humanos, os conselheiros estão com as atividades parcialmente fechadas (só estão atendendo casos de emergência) em protesto pelas más condições de trabalho. Os profissionais estão até mesmo sem celular para atender às denúncias que chegam via Disque 100 e telefone municipal (0800-6431-4007).

A coordenadora-geral do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente Elaine Paes Lima garante que a situação não se limita à capital catarinense. Com isso, ela teme o descrédito desses canais, cujas ligações chegam, mas nem sempre são encaminhadas. 

– Acredito que 90% dos conselhos tutelares e conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente não funcionem conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente. Não tem infraestrutura básica de apoio, como sala, computadores e telefone, que é dever dos municípios assegurarem. Por outro lado, as violações dos direitos aumentam a cada dia, já que a sociedade se sensibiliza cada vez mais. 


Reproduzido por: Lucas H.


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