segunda-feira, 15 de maio de 2017

António foi adotado pela Rainha das Artes e vive na antiga galeria (Reprodução)

12 DE MAIO DE 2017


Conheceu Ileana Sonnabend quando estudava Engenharia na Suíça. Desde aí a vida de António Homem passou a estar ligada à galerista e ao marido que em 1987 o adotaram.
Quem passa pelo 420 West Broadway, no Soho, em plena Baixa de Manhattan, não adivinha o que aquelas paredes escondem. Entrar na casa de António Homem é entrar num verdadeiro museu, com quadros de Andy Warhol pendurados nas paredes, desenhos de Roy Lichtenstein por cima das portas e estátuas africanas espalhadas por cima dos móveis. Confortavelmente sentado numa poltrona, António explica que as obras "africanas, primitivas" foram compradas depois de fechar a galeria que durante anos funcionou ali. "Agora posso pensar mais em mim", diz o português que em 1987 foi adotado por Ileana e Michael Sonnabend e viria a herdar a coleção de arte do casal após a morte da galerista, em 2007.
"A galeria era o prolongamento das nossas vidas, não era um objeto em si", explica António, antes de garantir que foi fácil fechar. Aberta desde 1971, a Galeria Sonnabend continuou ativa até há pouco mais de dois anos, quando António decidiu fechar. "Passei mais de um ano a pensar nisso", admite António. Reticente em levar a vida social que a galeria exigia e decidido a manter só a parte da atividade que lhe interessava, desfazendo-se do resto, acabou por se decidir. "Quando alguém morre aqui nos EUA, metade vai para os impostos", explica ainda. E foi o que aconteceu em 2007. Forçados a vender algumas das obras mais importantes - incluindo peças de Warhol, Jasper Jones, Robert Rauschenberg e Cy Twombly -, António e Nina, filha de Ileana, doaram parte da coleção a uma fundação que funciona um pouco como um museu sem paredes. Entre os trabalhos da fundação e os que herdou, António tem uma coleção que mantém a narrativa da coleção inicial. É daí que vêm as obras que mostra nas exposições como a que organizou na Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva, em Lisboa, em 2015, e em Serralves, em 2016.

Aos 77 anos, António sublinha que continua a fazer "a maior parte das coisas que fazia antes mas de forma mais independente". E garante que não se arrepende de ter fechado a galeria. "Quem quer ver a coleção pode sempre ver", esclarece, antes de admitir que "era um grande peso". Até porque hoje "uma galeria é uma coisa mais profissional", enquanto Ileana e Leo (Castelli, o primeiro marido da galerista, com quem esta manteve uma boa relação e uma colaboração profissional até à morte dele em 1999) "tiveram sempre uma atitude desprendida de factos económicos". Mesmo se "como galeria perdemos sempre dinheiro". Foi como colecionistas, comprando trabalhos desses artistas, que depois aumentavam muito de preço, que fizeram dinheiro, financiando "a galeria e as nossas vidas".

António continua a fazer esse trabalho mas com a ajuda das novas tecnologias. "Tenho um website. Mandam-me mensagens, organizo exposições", explica. E projetos não lhe faltam. No verão vai apresentar em Veneza uma parte da coleção, ligada à pop art. E para 2018 tem já prevista a apresentação da segunda parte da coleção em Serralves. A parte "que trata da arte conceptual, da utilização da fotografia e dos artistas que emergiram nos anos 1980, como Jeff Koons". Quanto à descoberta de novos talentos, António afirma que "não procuro artistas, mas às vezes encontro artistas que me parecem ter lugar nos temas da coleção". Um dos mais recentes, conta, é "um artista alemão que usa fotografia". "Gosto muito de uma série de trabalhos recentes em que ele fotografa paletas de pintores", acrescenta.

Da Engenharia às Artes

Nascido em Lisboa em 1939, aos 16 anos foi para Zurique estudar Engenharia. Questionado sobre se foi o pai que o pressionou, António explica: "Não diria que era uma pressão do meu pai, era mais uma escolha feita por ele sem que eu tivesse a mínima ideia do que queria fazer." E lembra que na altura, na primeira metade dos anos 1950, "não conhecia galerias de arte moderna em Lisboa", questionando-se se as haveria. E admite nunca ter pensado em galerista como uma profissão. "Ser advogado, engenheiro, arquiteto ou médico eram as únicas possibilidades que eu conhecia."

Apesar de não o ver como saída profissional, António garante que os pais "gostavam ambos de arte", tendo ele acesso às bibliotecas de ambos desde muito cedo. Uma tendência para as artes que até se manifestava mais no pai. "O meu pai era avant-garde, ia a Paris e trazia postais de Matisse e Picasso." Foi também através dele que, adolescente, conheceu Maria Helena Vieira da Silva na capital francesa. Mas foi um amigo do pai que lhe deu o que ainda hoje recorda como "o melhor presente". António teria "12, 13, 14 anos" e esse amigo do pai disse-lhe: "Vai à Bertrand e compra o que quiseres." Uma liberdade rara, mesmo se António recorda os pais como pessoas que sempre lhe deram "liberdade intelectual". E conta um episódio em que, depois de ter lido no liceu uma passagem de As Cidades e as Serras, pediu como prenda de anos as obras completas de Eça de Queirós. E se As Cidades e as Serras "não tinha problema nenhum, o Primo Basílio ou Os Maias não eram coisa que se desse a ler a um filho de 13 anos. Mas eles deram".

Graças à mãe, António contactou com os autores franceses, livros que esta trouxera de visitas a Paris "nos anos 20 ou 30". Eram obras sobre "a sociedade francesa. Reveladoras do modo como as pessoas pensavam na altura. Xenófobos, antiamericanos", lembra, antes de acrescentar: "Agora estamos a dar razões ao antiamericanismo europeu."

Mas foi em Zurique que a sua vida mudou para sempre. Visitante assíduo de museus e galerias, interessado pelo surrealismo, mas cada vez mais atento aos trabalhos de Picasso ou Matisse, em 1964 é convidado para um jantar na nova galeria de Bruno Bischofberger, que inaugurava uma exposição sobre pop art americana. Ali conheceu Ileana Sonnabend. Convencido de que a sua vida teria sido "muito diferente" se tivesse ficado em Portugal, António garante que quando conheceu Ileana, e mais tarde Michael Sonnabend, "não pensava no futuro, pensava que eles viviam uma vida que me interessava".

Foi com a mulher, grega, que viajou até Paris no ano seguinte para visitar a galeria dos Sonnabend no Quai des Grands-Augustins. A mulher pensava interessar-se pelo trabalho numa galeria e foi o que fez durante uns meses, antes de o casal se separar. No verão de 1966, António visita os Sonnabend em Veneza durante a bienal, mas quando Ileana, a quem chamavam "rainha das artes", o convida para trabalhar com eles hesita. Decide terminar os estudos e volta a Zurique, onde acaba por trabalhar com Bruno Bischofberger na galeria deste, uma espécie de estágio para o trabalho que virá a fazer quando dois anos depois se muda para Paris para trabalhar na Galeria Sonnabend. "Passei quase toda a minha vida, dos 29 anos até aos 67, há dez anos, quando a Ileana morreu, a viver com eles, sempre de um modo que me pareceu o mais natural para mim", conta. Uma convivência facilitada por António e a galerista terem "muito comum", além de estarem "ambos abertos a receber influências um do outro".
Durante os anos em que trabalhou com os Sonnabend, primeiro em Paris e depois em Nova Iorque, onde estes abriram uma galeria em 1970 (primeiro na Madison Avenue e, no ano seguinte, no 420 West Broadway), Antonio Homem conheceu grandes artistas: de Warhol a Jeff Koons, de Roy Lichtenstein a Jasper Jones, mas sobretudo Rauschenberg. Quanto à memória que guarda deles, António gosta de sublinhar que "a imagem que fica de uma pessoa é sempre simplificada e logo não muito exata". E no caso de Warhol prefere remeter para a leitura dos diários do artista que, garante, "dão uma ideia perfeita dele, como se o conhecesse durante muitos anos".

Tantos anos a trabalhar juntos, António e Ileana acabavam muitas vezes por fazer as mesmas escolhas. E um dia a galerista romena naturalizada americana sugeriu adotar António. "A minha adoção foi feita por razões práticas e não me pareceu mudar nada", explica António. Mas lembra como o tocou a reação de Michael, que, quando a mulher lhe falou na ideia, exclamou: "Mas claro que sim, ele já é nosso filho há tanto tempo!" Também Nina Sundell, a filha do primeiro casamento de Ileana, aceitou sem problemas o que António descreve como um "fait-accompli", ou seja, um facto consumado.

Reconciliação com Portugal

Com a noite a cair sobre esta zona de galerias no Soho, é num português perfeito que decorre a conversa. Um feito para alguém que vive há tantos anos longe de Portugal. "Durante muitos anos não falei português", confessa o galerista. Mas agora fala muito, sobretudo com a tia Maria Helena, que reencontrou há uns anos. "Por sinal, devia fazer um Skype com ela", lança, enquanto se levanta. Sai da sala e volta com o iPad para uma rápida conversa com Maria Helena, viúva de um irmão do pai com quem se habituou a falar várias vezes ao dia.
"Curiosamente foi o facto de a minha tia me ter contactado que me fez voltar a pensar em Portugal em termos de presente", explica António, para quem as exposições em Lisboa e no Porto foram "muito comoventes" uma vez que teve "a impressão de que finalmente a minha infância e a minha vida adulta se tinham reunido pela primeira vez".
O galerista admite que "ao princípio tinha dificuldade com Lisboa porque via sempre a cidade em função do passado". Foi a tia e as exposições que o ajudaram a "pôr um presente em Lisboa". Além da tia, António tem primos e primas tanto da parte do pai como da parte da mãe a viver em Portugal, cujas relações gosta de cultivar. E nas suas recentes visitas a Portugal, encontrou um país "muito mais próspero e aberto intelectualmente do que se recordava.

Pelo lado negativo, António lamenta que tendo "alguns dos arquitetos mais interessantes do mundo - o Siza [Vieira], o Souto de Moura" -, tanto "Lisboa como a maior parte do país tenham sido tão destruídos pelas novas construções". Mesmo se admite que na capital começa a haver consciência da necessidade de "respeitar e revitalizar a cidade", dando como exemplo de sucesso o Terreiro do Paço. Já no Porto, António garante que "um museu como Serralves é sempre uma surpresa. Um lugar perfeito!"

Uma vida dedicada à arte acabou por ter consequências para António a nível familiar. Garantindo que "nunca houve um corte com a minha família, quando compreenderam que eu tinha tomado uma decisão, aceitaram-na de um modo que apreciei muito", o galerista lamenta durante muitos anos não ter tido com o filho a relação que queria. Mas "nos últimos 22 anos, a partir dos 30 dele, temos tido uma relação que me dá muita felicidade", explica. Apesar de terem vivido longe um do outro durante tanto tempo, António garante que têm "muito em comum", destacando uma "cumplicidade que vai mais longe do que a relação entre pai e filho". Antes de se mudar para a Califórnia, o filho viveu mesmo ali ao lado e hoje António tem um quarto sempre pronto para o receber com a família.

Numa sala repleta de obras de arte, António hesita em escolher a sua favorita, mas destaca a cabeça de buda em cima da mesa. "Comprei-a e disse ao meu filho: "Não tenho onde a pôr, vou mandá-la para a Califórnia."" Enquanto isso, acabou por pô-la ali. E ali ficou. Nas paredes, até um olhar pouco especialista em arte consegue reconhecer vários warhols. Obras que António explica terem sido compradas "há 20 e tal anos" numa feira de arte. "Eram tão baratos. Pensei: que parvoíce. Devíamos comprar. Hoje custariam dez vezes mais." Ri-se, antes de rematar: "Gosto muito de viver aqui."

Em Nova Iorque

A jornalista viajou a convite da FLAD


Reproduzido por: Lucas H.

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