21/10/2014
por Fernanda da Costa
Estatuto da Criança e do Adolescente determina que acolhidos passem no máximo dois anos nessas casas, mas a regra não é cumprida
Para cumprir a lei que determina a reavaliação das crianças que vivem em abrigos a cada seis meses, a Justiça criou um mutirão em Porto Alegre. O trabalho é essencial para que os acolhidos passem menos tempo nesses locais e impede que eles fiquem fora do Cadastro Nacional de Adoção, o que aconteceu com 10% dos abrigados na Capital.
Uma juíza foi designada na segunda-feira especialmente para a ação, que deve durar um ano. O trabalho será realizado pelo 2° Juizado da Infância e Juventude, responsável pelas ações de acolhimento, alteração do poder familiar e adoção. A medida visa cumprir a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que prevê a avaliação de todos os abrigados semestralmente.
Conforme a juíza Sonáli da Cruz Zluhan, responsável pelo mutirão, o 2º Juizado tem atualmente 4,5 mil ações, o que torna muito difícil o acompanhamento das crianças de seis em seis meses. Por isso, além da juíza titular da pasta, a magistrada foi designada exclusivamente para o trabalho, que será feito por meio de audiências concentradas.
— Nessas audiências, discutimos o caso de cada criança com a equipe técnica do abrigo, formada por psicólogos e assistentes sociais, e procuramos ouvir a criança, para opinar pelo retorno dela à família biológica ou pelo encaminhamento à adoção — explica Sonáli.
A medida deve contribuir para que as crianças vivam menos tempo nos abrigos, sendo encaminhadas com mais agilidade à família biológica ou à adoção. Embora a lei estipule que os acolhidos passem no máximo dois anos nessas casas, a norma não é cumprida para um terço dos abrigados no país. Um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgado no último ano mostrou que 10 mil crianças ou adolescentes estavam há mais tempo nessas casas.
O mutirão do Judiciário ainda servirá para fiscalizar o atendimento que o abrigo dá aos acolhidos.
— Às vezes, chega ao absurdo de termos crianças nos abrigos que não sabemos quem são — acrescenta a magistrada.
Um levantamento realizado pelo Ministério Público (MP) no último mês mostrou que 128 crianças ou adolescentes, quase 10% dos 1.350 abrigados na Capital, estavam fora do Cadastro Nacional de Adoção mesmo tendo sido destituídas da família biológica. Ou seja, a Justiça determinou que a família não tem condições de criá-los, mas não os incluiu no sistema de adoção, o que os condena a viver nos abrigos. Segundo o MP, o órgão se comprometeu oficialmente em incluir os nomes até novembro.
MUTIRÃO TERÁ DURAÇÃO DE APENAS UM ANO
Embora pretenda cumprir a determinação de avaliar semestralmente as crianças, o mutirão montado pelo Judiciário tem duração de apenas um ano. Questionada sobre o risco de novas crianças serem esquecidas quando o trabalho acabar, a juíza Sonáli relata que seu prazo é prorrogável.
— A medida temporária não resolve, temos de ter sempre alguém trabalhando nisso — acrescenta.
Além do trabalho do Judiciário, o MP também montou um mutirão para regularizar a situação jurídica dessas crianças, que deve durar dois meses. O levantamento do órgão mostrou que 510 dos acolhidos, quase 40% do total, não possuem ações de destituição do poder familiar. O processo, movido pelo MP contra os pais da criança quando eles não têm condições de criar os filhos, é um pedido para que a Justiça destitua o poder legal da família biológica, trâmite necessário para a adoção. Outros 73 acolhidos não tinham nem sequer a ação de acolhimento, que oficializa a estadia nos abrigos.
NO BRASIL, MAIORIA DAS CRIANÇAS É ABRIGADA POR MAUS-TRATOS
O acolhimento é feito por determinação da Justiça ou por requisição do Conselho Tutelar e deve ser provisório. No Brasil, conforme uma pesquisa divulgada pelo CNMP no último ano, há pelo menos 2,3 mil casas de acolhimento, que abrigam 30 mil crianças e adolescentes. Apenas 25% dessas crianças foram acolhidas por ser órfã. A maioria está nessas casas por serem
VÍTIMAS DE MAUS-TRATOS E ABUSO SEXUAL.
Conforme o CNMP, no país, mais de 80% das crianças foi acolhida por negligência ou por terem responsáveis dependentes químicos, 77% por abandono, 60% por violência doméstica e 45% por abuso sexual praticado pelos pais ou responsáveis. Muitos dos acolhidos foram para abrigos por mais de um motivo, e por isso as porcentagens ultrapassam 100%.
Quando a criança ingressa em um abrigo, o poder público deve trabalhar com os pais ou os parentes para reinserí-la na família biológica. Caso isso não seja possível, a criança precisa ser destituída da família e encaminhada à adoção.
Foto: Tatiana Cavagnolli / Agencia RBS
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/10/mutirao-deve-diminuir-permanencia-de-criancas-em-abrigos-4625937.html
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