domingo, 30 de novembro de 2014

JUÍZA ALDA HOLANDA - A CRIANÇA QUE PASSA MUITO TEMPO EM UM ABRIGO PERDE A IDENTIDADE


Sexta-feira, 28 de Novembro de 2014

Quando olhamos as novelas, encontramos, hoje em dia, o tema Adoção cada vez mais na pauta de seus produtores ou escritores. Autores levam o assunto que nos remete a cinco séculos da sociedade brasileira e procura glamourizar o tema, levando celebridades como exemplos e até ícones da Adoção pelo mundo, ou aqui mesmo no Brasil. Porém, nem sempre se põe a prática o que de fato corre por trás de processos de Adoção que, no Ceará, por exemplo, ganha impulso com especialização da 3ª. Vara da Infância e Juventude. Foi numa conversa com a juíza Alda Maria Holanda Leite, titular dessa 3ª. Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, que se pode avaliar o tema e até comemorar as vitórias conseguidas graças à Justiça no Estado. As decisões partidas de audiências autorizam cada vez mais, com maior celeridade processos que dão vida nova e uma família para crianças cearenses.

O QUE LEVA FORTALEZA A TER HOJE, CERCA DE 478 CRIANÇAS EM SUAS CASAS DE ABRIGOS?
As crianças são levadas ao abrigo ou por negligência familiar, violência ou abandono por parte dos pais. Normalmente, é o Conselho Tutelar que deflagra o processo. São os conselheiros que trazem as crianças para o abrigo e informa a Vara sobre os acontecimentos. Em seguida, a Defensoria Pública pede o acolhimento institucional e dá entrada ao processo judicial. Precisamos de uniformidade na atuação jurisdiscional; Ministério Público e Defensoria Pública. Temos que garantir o direito de toda criança viver em família e ser amada, amor tão fundamental para a formação de seu caráter e personalidade. Não podemos ser omissos, amor é atitude.

COMO A SENHORA SE SENTE AO VER AINDA QUE O PROCESSO PARA SE ADOTAR É BUROCRÁTICO, HAJA VISTA QUE O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL GERA PREJUÍZOS IRREPARÁVEIS NA VIDA DE UMA CRIANÇA?
O acolhimento é para ser provisório. Tanto que a Lei de Adoção diz que o acolhimento institucional deve durar apenas dois anos. O juiz precisa estar sempre revisando esses acolhimentos. Nós fazemos essa reavaliação duas vezes ao ano, uma em abril e outra em outubro, por meio das audiências concentradas. Em outubro, nas 66 audiências concentradas, 28 crianças voltaram para a família biológica. Tentamos o retorno de todos, mas nem todos voltam e continuam nos abrigos. Nessas audiências concentradas, contamos com promotor, defensor, os responsáveis pelos abrigos, representantes da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), Educação, Saúde, Secretaria Municipal de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Setra) do Município de Fortaleza, Fundação de Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Nem todos comparecem, mas quando vêm buscamos fazer o possível para resolver a situação. Claro que criança não nasceu para ficar em abrigo. A permanência por menor que seja, já vai causar traumas. Primeiro que antes de a criança chegar em uma instituição, ela passa por situações que geram traumas como abuso, maus-tratos, negligências, ninguém passa por isso sem ficar marcado. No acolhimento, a criança vai se deparar com outras pessoas estranhas ao seu convívio familiar. A criança ou o adolescente que passa muito tempo em um abrigo, ela perde a identidade. Mesmo elas tendo apoio psicológico e sendo acompanhadas por uma assistente social, não tem como cada um ser tratado com individualidade. Não tem amor, não tem carinho. O abrigo é uma situação extrema na vida de uma criança e deve durar muito pouco. Muitos não são visitados nem pelos pais ou parentes.

NO CASO DE NEGLIGÊNCIA DOS PAIS, O QUE É TRABALHADO COM AS FAMÍLIAS, PARA QUE A CRIANÇA VOLTE PARA CASA COM SEGURANÇA?
O abrigo vai visitar a família, servidores da Vara da Infância e da Juventude também visitam e se busca fazer a vinculação afetiva. Muitas famílias vivem em condições de uso de drogas, não têm onde morar, não têm trabalho. A Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social da Prefeitura de Fortaleza, trabalha uma chance de os pais serem inseridos no mercado de trabalho, são aconselhados a fazer tratamento nos Caps e de terem chance de alcançarem a autonomia e reaverem seus filhos. Tem também a Habitafor, onde se tenta uma casa para estas famílias. Muitas famílias se erguem com essa ajuda, de 100%, cerca de 30% têm seus filhos de volta.

E QUANTO TEMPO DEVE SE TENTAR A REINTEGRAÇÃO DA FAMÍLIA BIOLÓGICA?
Cada caso é um caso. A minha ideia pessoal é que a gente tente por seis meses. Não havendo retorno, a gente já passa para a destituição do poder familiar para que a criança não envelheça no abrigo. Às vezes, seis meses é pouco, tendo em vista que não deu tempo a família responder ainda. Mas a se a família não visita, logo os pais vão mostrando se há um vínculo afetivo ou não. Se existe um vínculo afetivo, mas a família não tem condições de levá-lo, podemos estender um pouco mais para dar uma chance de ela reestabelecer e buscar uma ajuda e melhorar de vida.

O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DEIXA A DESEJAR?
Sim. São poucos abrigos, poucas pessoas para trabalhar nessas instituições, além de muitas não terem uma boa infraestrutura. Vai haver um movimento para a regionalização dos abrigos, haja vista que tem muitas crianças que vêm do interior para Fortaleza. Cada município se responsabilizará pelas instituições, para que os abrigos estejam mais próximos de sua família biológica e mais perto da sua convivência comunitária em sua cidade de origem. Estamos vivendo um momento desesperador porque não há vagas para acolhimento e quando precisamos acolher alguma criança ou adolescente é muito complicado porque todos os abrigos estão lotados. Esbarramos nessa dificuldade. Os conselhos tutelares, como disse, precisam de ampliação. O trabalho deles é muito importante, valiosíssimo. Há poucos conselheiros para tanta demanda, reafirmo.

NESSE CASO DE ABANDONO DOS PAIS E FAMILIARES, PORQUE EXISTE DEMORA PARA DAR ENTRADA NO PROCESSO DE ADOÇÃO DE UMA CRIANÇA?
Conforme disse, a lei nos obriga a fazer a reavaliação do acolhimento institucional e quando não é possível fazer a reivinculação com a família de origem ou pelo menos com a família ampliada, que são os avós, os tios, os padrinhos ou até mesmo amigos da família que queiram ficar com a criança, se faz outro procedimento, o de destituição do poder familiar. Aquela criança vai ser desvinculada da sua família de origem para ser posta em adoção. Com isso, o nome dela vai para o Cadastro Nacional de Adoção, para ver se conseguirmos a possibilidade de elas serem adotadas.

AINDA EXISTEM CRIANÇAS ABRIGADAS HÁ MUITO TEMPO NESSA SITUAÇÃO, SEM SOLUÇÃO?
Tem sim. Antes de a Vara ser especializada, esses processos não tinham tanta atenção e as crianças iam ficando nos abrigos, em razão da urgência de julgar processos de atos infracionais de crianças e adolescentes. Tudo era julgado junto. Por exemplo, como tínhamos urgência em resolver casos de crianças e adolescentes que estavam matando e roubando ou em situação de internação provisória, nesses casos, o juiz tem 45 dias para julgar o processo, então, a atenção era desviada para esses casos e resolução dos processos das crianças ia se atrasando.

O PERFIL PROCURADO POR PESSOAS QUE QUEREM ADOTAR VEM SENDO AMPLIADO?
Depois que a Vara foi ampliada, houve a adoção de criança de 17 anos, como também de quatro e cinco anos. Acho que as pessoas estão ficando mais conscientes sobre a realidade dos abrigos, estão mudando a cabeça e o coração. Uma adoção de criança de zero a dois anos é muito limitada. Criança com três e quatro anos ainda é uma criança pequena, precisa de uma família e tem muito a oferecer como criança. Muitos acham que não vai ser construída uma relação forte, se a criança foi maior, isso depende muito do amor, da atenção, do respeito que vai ser vivenciado.

COM A ESPECIALIZAÇÃO DAS VARAS, QUAIS AS PRINCIPAIS CONQUISTAS?
De junho para cá, fizemos vários julgamentos e audiências para entregar os mandados de inscrição. Ao todo foram 43. O documento permite aos adotantes registrarem a criança ou o adolescente no cartório no nome deles. Nesse momento, falamos com todos, damos a palavra para que se manifestem, reclamem, sugiram, é um momento bem informal, mas de grande valia. Ao todo, de junho até hoje, proferimos 317 sentenças podem culminar em adoção, como despacho de guarda provisória, tutela, destituição de poder familiar, ação civil pública, medida de proteção, mandados de segurança, além de adoções. As partes já dizem que os processos estão andando mais rápido, o que é um alento para nós, que ouvimos tanta reclamação sempre, o que é verdade porque tínhamos de dar conta de processos envolvendo atos infracionais e adoção ao mesmo tempo. Havia sempre um clamor por causa do adolescente que está cumprindo medida socioeducativa, em virtude da violência e tudo o mais. Nesse cenário, era inevitável não priorizar esse tipo de processo em detrimento às adoções, porque a criança estava abrigada e o adolescente não. Então ouvir das próprias partes que hoje os processos estão caminhando mais rápido é um reconhecimento do nosso trabalho.

O QUE AINDA FALTA MELHORAR?
Muita coisa avançou. Nesses quatro meses, algumas crianças chegaram aos abrigos e foram adotadas em três meses. Cada caso é um caso. Com a especialização das Varas, esses processos têm ganhado mais atenção, mas ainda precisamos melhorar. Ainda não está como desejamos. Precisamos ter mais julgamentos, para isso é necessário dispor de mais servidores, pelo menos de mais um promotor e um defensor público para que audiências ocorram pela manhã e à tarde, sendo assim, seremos capazes de julgar mais casos.
Por rochana lyvian
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