Robson Relma lidera projeto social na comunidade e forma atletas. Em vez do sonho comum de ser jogador de futebol, muitos meninos focam nas lutas
17/11/2014
Por Ivan Raupp Rio de Janeiro
Assim como muitos outros moradores da Vila Cruzeiro, favela localizada no bairro da Penha, no Rio de Janeiro, Carlos Eduardo da Silva teve a facilidade de entrar para o tráfico e, por consequência, viciou-se no uso de drogas. Só que, ao contrário da maioria, ele encontrou forças para deixar tudo no passado e mudar de vida. O caminho foi o MMA.
- A luta hoje em dia é minha vida, vivo dela. Graças a Deus larguei os vícios, cigarro, bebida, drogas e um monte de amizades erradas. Larguei tudo por causa da luta. Estou muito feliz e seguindo meu caminho. O esporte é tudo - comemora.
No começo de outubro, Carlos Eduardo ganhou a chance de lutar na edição número 50 de um dos maiores eventos do país, o Shooto Brasil. E venceu. Aplicou uma guilhotina e finalizou João Paulo Cardozo aos 4m42s do terceiro round. Virou exemplo para Jean, Josué e Ryan.
O trio de meninos da Vila Cruzeiro tem em comum um desejo que foge totalmente do habitual. Na comunidade onde Adriano Imperador é o ídolo maior e um espelho para que todo garoto sonhe em se tornar jogador de futebol, o MMA também tem espaço. Jean, Josué e Ryan, por exemplo, têm só uma ideia fixa em mente para o futuro: lutar profissionalmente.
- Tenho muito amigo que quer ser bandido quando crescer, mas tem outros que vão para o caminho certo. Eu acho que lutar é bem legal, porque você fica honrado. E também aprende com os erros. O importante é ter fé - disse Josué Henrique Silva, que tem 10 anos, treina MMA há três meses e é fã de Lyoto Machida.
Robson Relma é a personificação da mudança de vida para todos eles. É ele quem lidera o projeto social que existe em torno da equipe Relma Combat, cujos treinos são numa laje. Ele conseguiu alugar o local de graça a partir da amizade com o dono da padaria ao lado, que também é dono do espaço. Relma estima ter cerca de 300 alunos, entre crianças e adultos - tem filial do projeto em Rio das Pedras, Olaria, Bonsucesso, Cordovil e São João de Meriti -, e não esconde a satisfação ao falar sobre o trabalho que faz.
- Eu me sinto muito feliz de dar oportunidade para essas crianças. Quando a gente caminha aqui na comunidade, vê muitas crianças jogadas na rua. Tem criança que não tem nem pai nem mãe. Às vezes os pais eram envolvidos com o tráfico e morreram, e elas ficam sem parente. Quando vejo que elas estão jogadas, eu as chamo para treinar. Me orgulho muito de vê-las aqui do meu lado. Elas se espelham em mim. Já tirei muitas crianças do tráfico e das drogas. Eu mesmo já fui chamado várias vezes para o tráfico e hoje estou praticando esporte. E estou sem patrocínio, sem apoio nenhum, só com a ajuda de Deus - afirmou.
Foi vendo Relma na televisão, dando entrevistas e atuando no córner de seus atletas nos eventos de MMA, que Carlos Eduardo decidiu procurá-lo. Saiu do tráfico, largou as drogas e começou a treinar, ainda sem intenção de se profissionalizar. Mas acabou pegando gosto pela coisa. Atualmente ele luta e dá aulas na Relma Combat.
- Já vi de tudo nessa vida. Vivi nesse mundão do tráfico. Até hoje tenho pesadelos. O esporte mudou minha vida. Se não fosse o esporte, acho que eu estaria morto hoje. Nunca imaginei dar uma entrevista assim, como atleta. Já imaginei aparecer na televisão com as pessoas dizendo que matei, roubei, fui morto, mas não assim. Minha família está super orgulhosa de mim. Está tudo dando certo - disse Carlos.
Com um cartel de uma vitória e três derrotas, Relma teve abreviada sua carreira de lutador por conta das lesões. Os dois joelhos são ruins até hoje e precisam de cirurgia, mas ele aguarda o sistema de saúde público para poder resolver seu problema. Apesar das dificuldades, Relma se motiva a partir do tratamento que recebe nas estreitas ruas da Vila Cruzeiro.
- Quando passo na rua aqui na comunidade, os pais dos alunos vêm falar comigo: "Pô, Relma, sou muito orgulhoso de você. Meu filho ficou mais calmo depois que começou a treinar contigo. Está mais esperto, mais saudável". Isso me dá força para continuar o meu trabalho. Se fosse outro, já tinha parado. Ninguém apoia, ninguém ajuda. Não cobro nada para treinarem aqui. E não recebo incentivo nenhum do governo, de ninguém.
Ativo na comunidade, o atacante Adriano Imperador é visto por Relma como um possível colaborador do projeto social. Mas o treinador entende que não é algo simples. E não deixa de elogiar o talento do companheiro de Vila Cruzeiro:
- O Adriano é gente boa, é um moleque puro mesmo. Ele veio aqui, visitou meu projeto, deu uma olhada e achou bacana. Só que é como todos sabem, o cara ficou famoso, com dinheiro, então muita gente fica em cima. E ele não tem tempo para nada. Eu, quando era mais novo, já joguei futebol com ele. O Adriano sempre foi aquilo mesmo, uma lenda no esporte. Desde novinho ele jogava bem, já me deu vários dribles.
RELMA TEM 39 ANOS, É CASADO E TEM TRÊS FILHOS. ASSIM COMO MUITOS DE SEUS ALUNOS, FOI ADOTADO QUANDO ERA PEQUENO. A MÃE BIOLÓGICA FOI ASSASSINADA APÓS SE ENVOLVER COM O TRÁFICO, E O PAI FOI EMBORA COM OUTRA MULHER. APESAR DA BOA INFLUÊNCIA DOS PADASTROS SÔNIA E VALDIR, ELE CHEGOU A TRILHAR O CAMINHO ERRADO. QUEM O AJUDOU A SE RECUPERAR FOI EUGÊNIO TADEU, UM DOS ÍCONES DA HISTÓRIA DA LUTA LIVRE NO BRASIL.
Nunca imaginei dar uma entrevista assim, como atleta. Já imaginei aparecer na televisão com as pessoas dizendo que matei, roubei, fui morto, mas não assim. Minha família está super orgulhosa de mim" Carlos Eduardo da Silva, lutador de MMA
- A gente não tem cabeça nenhuma quando é mais novo, quer fazer besteira. Eu era brigão, ia para baile funk para brigar, era aquele menino rebelde que gostava de brigar em bar. Na verdade fui levado pelas pessoas, me envolvi com as pessoas erradas. Pensava que era onda, mas com o tempo vi que não era. Aí fui convidado pelo mestre Eugênio Tadeu para fazer um treininho de luta livre. Soube que ele era uma lenda e fui lá na academia dele. E me tornei faixa-preta de luta livre do mestre Eugênio e do Hugo Duarte. Também sou faixa-preta de kickboxing.
RELMA NEGA SER "ESCADA" DE EQUIPES GRANDES
Como não recebe nada pelos treinos na academia, Relma sobrevive com "bicos" de segurança, os quais também consegue para alguns alunos, e com a porcentagem da bolsa de luta dos atletas, que segundo ele é de 20%. Ele costuma colocá-los para competir no Jungle Fight, XFC, Shooto, Wocs, entre outros eventos. E Relma também tem de lidar com críticas pelo fato de muitos considerarem sua equipe uma "escada" para que os lutadores de times maiores construam bons cartéis. As reclamações são de que a maioria dos atletas da Relma Combat não tem condições de competir de igual para igual com os da Nova União e da Team Nogueira, por exemplo. O treinador defende seu lado e o dos seus alunos:
- O que tenho a dizer é que todo lutador tem que ter uma chance de subir lá e fazer o seu melhor, o seu trabalho. Para os críticos eu digo: como a gente está vindo de duas vitórias no Shooto? Vindo de vitória no Gringo Fight? No Wocs? Mas sei que quem critica é a minoria. A maioria me elogia. A inveja rola em todo canto. A gente não liga para isso. Os eventos têm dado oportunidade, e agradeço muito a todos. Só de o menino estar lutando, já está longe do tráfico e das drogas. Eles mesmos chegam para mim vibrando pelo fato de a luta deles ter aparecido na televisão. O pessoal diz que é escada, mas os garotos estão tendo oportunidade. Isso fica bonito para eles. Adoram criticar, mas tem muita gente que está parada por aí. Os meus alunos estão lutando e ganhando. E todo mundo sabe que luta é luta. Não adianta criticar. É muito melhor eles estarem lutando do que voltando para o tráfico. O pessoal fala demais.
Filho mais novo de Relma, o menino Ryan Barbosa, de nove anos, treina MMA há cinco anos e é fã de Jon Jones. Além de querer seguir o caminho do pai, ele incentiva os colegas a fazerem o mesmo. Mas às vezes é difícil mudar uma mentalidade equivocada e fácil de se encontrar nas favelas.
- Cheguei para um garoto da minha escola e falei: "Cara, por que não vai treinar lá com meu pai?". E ele respondeu: "Não quero não. Lutar machuca os outros. É melhor ser bandido do que ficar na luta". Eu falei para ele que aquele era o caminho errado e que ele deveria seguir o certo - disse Ryan.
André Chatuba, Igor Chatubinha e Júnior Abedi são alguns nomes rodados do MMA nacional formados na Relma Combat e que hoje não fazem mais parte do time. Os que mais se destacam no grupo atualmente são José Cláudio Paraíba, Eduardo Bahia, Ricardo Rodrigues, André Minobroca, entre outros. E se depender da vontade de Jean Silva Monteiro, ele próprio estará em evidência dentro desse grupo daqui a alguns anos. Assim como os colegas Josué e Ryan, ele enxerga futuro no MMA. Fã de Anderson Silva e Vitor Belfort, já pratica o esporte há quatro anos e meio.
- Eu quero muito ser lutador. É o meu grande sonho - confessa o menino de 10 anos.
http://sportv.globo.com/…/na-vila-cruzeiro-mma-e-opcao-para…
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