18.11.2014
* Por Frederico Mattos
Poucos assuntos são tão silenciados quanto as exorbitantes cifras gastas por casais que querem acima de quase tudo realizar o sonho de ter um filho. Para tal, investem todas as possibilidades emocionais e financeiras em métodos clínicos para engravidar. Depois desse silêncio, vemos centenas de outros casais em filas de adoção, como se fossem degredados de guerra que como prêmio de consolação acabam levando um filho adotivo para casa num misto de alegria e pesar.
Maternidade e paternidade parecem ter importâncias distintas no imaginário popular. Homens quando imaginam, logo jovens, uma vida ideal normalmente pensam em um bar com amigos, bebendo, rindo, se divertindo como se não houvesse amanhã em meio a mulheres semi-nuas dançando. Para a mulher, o que se prega é uma família estável, com filhos rosadinhos brincando em volta do sofá. O cenário é bem diferente e por isso a esterilidade, quando chega na vida de um casal que se dispõe a ter filhos, parece ser exclusivamente bombástica para a autoestima da mulher. O comparativo masculino seria ter pinto pequeno ou uma conta bancária pequena; a cultura machista reservou sentimentos de status e fracasso diferente para homens e mulheres.
MULHER FRUSTRADA COM A MATERNIDADE
O equivalente do homem que não se deu bem na profissão é simbolizado pela mulher frustrada com a maternidade inexistente. Sobre ela recai uma sensação de ter sido amaldiçoada por Deus ou pelo destino. Nossa sociedade tem cada vez mais cultivado uma idolatria pela infância, a ideia de que as crianças são as coisas mais importantes na vida de um casal. Certamente, como qualquer ser humano, uma criança merece ser bem cuidada, educada e amada, mas há certo exagero em imaginar que um casal não pode em hipótese alguma ser feliz sem filhos por perto. A própria ideia de família não contempla apenas um casal, como se não havendo um terceiro elemento não haja família de fato.
PROPÓSITO DE VIDA: MÃE
Esse peso se deve a uma restrição ao papel de mulher como exclusivamente doadora de vida, como se a única função social dela fosse perpetuar a espécie. Para a mulher parece não caber algum tipo de satisfação na vida que não fosse o de ter filhos cercando seus passos. A falta de representação no imaginário coletivo de uma mulher feliz sem filhos cria um pano de fundo meio mórbido para a mulher que não pôde ter filhos. Ela é vista com certa piedade aos olhos dos outros, como se fosse incompleta ou infeliz por natureza. A própria mulher compra essa ideia cegamente e não consegue abrir espaço para pensar na vida em outros contextos ou papéis que não o da maternidade.
TER O CONTROLE DA VIDA
Por causa desse imaginário da Maria, mãe de deus, as mulheres desenvolveram uma arrogância silenciosa com efeitos colaterais pesadíssimos. Elas se acreditam detentoras do poder sobre a vida. O que leva toda mulher a querer controlar cada metro quadrado que a cerca com alguma obsessividade que não permite escapar nada. Essa apreensão se estende na gravidez e principalmente na ausência dela. A “falha” pela infertilidade parece sempre recair sobre a mulher, que é vista como menos feminina porque não tomou as rédeas de seu útero e não pariu. A culpa passa a ser acompanhante de mulheres estéreis que se acreditam incapazes diante de um fato sobre o qual não têm a menor capacidade de arbitrar.
CRENÇA DE QUE GRAVIDEZ É UM ATO DE VONTADE
Outro aspecto muito difundido é a suposta ideia de que o não engravidamento tem um componente psicológico determinante: “você não engravida, mas é coisa da sua cabeça, já vi muita mulher conseguir depois de adotar um filho e ver que está tudo bem”. Esta falácia psicossomática pode se aplicar em poucos casos onde o excesso de ansiedade e estresse pode elevar o nível de adrenalina ou vasodilatadores no sangue.Mas afirmar que a pessoa engravida como ato mental de controle sobre o aparelho reprodutor é meio presunçoso. A ideia parece criar uma aura de duplo fracasso na mulher. Além de se sentir fracassada (sem ser de fato) pela infertilidade, ainda precisará carregar o peso de ser mentalmente fraca para forjar com poderes psíquicos um filho no útero. É ingenuidade misturada com ignorância colocar todas as fichas nisso.
COMPARAÇÃO COM AMIGAS
Parece haver um castigo ainda mais gritante para as mulheres estéreis na modernidade: o instagram das amigas. Principalmente aquelas da mesma faixa de idade parecem induzir uma sensação de gravidez coletiva. Todas estão namorando, casando e tendo bebês lindos enquanto ela que não engravida fica para trás na maratona da feminilidade. As fotos de barriga, aplicativos com bebês que mandam mensagens de dentro da barriga (WTF??) começam a inundar a timeline de progesterona. A sensação despertada é de impotência, anormalidade e fracasso como mulher. Nessa hora a inveja é exacerbada constantemente ao mesmo tempo que abre um abismo dentro da mulher e seu sonho puro de virtude maternal.
CRISE NO CASAL: QUEM É O ERRADO
A infertilidade parece criar uma guerra nunca admitida ou declarada no casal. A parte relutante em ter filhos (como se fosse a tal força de vontade mental) é vista como sabotadora da união. Ela que “estragou” a felicidade máxima do casal, que não é o amor de duas pessoas, mas a existência de um terceiro elemento. O resultado é um tipo de ressentimento velado da parte fértil da relação, como se estivesse se privando de algo especial por causa da outra pessoa defeituosa e estragada da relação. Isto não é um cenário muito otimista para um relacionamento saudável. Nessa hora a pessoa fértil precisa tomar uma decisão: bancar a relação como ela é (sem filhos) ou buscar o sonho com outra pessoa. Ficar e constranger o outro é o pior panorama e infelizmente é o que a grande parte dos casais estéreis vive.
ADOÇÃO
Nesse cenário posto é que a ideia da adoção costuma surgir como uma alternativa do tipo “prêmio de consolação” em que a criança adotada, que deveria ser recebida num ninho de amor e abertura, acaba sendo o depósito de frustrações e nostalgia por uma vida que poderia ter sido de outro jeito. O resultado subliminar é uma educação cheia de culpa (pela raiva projetada no filho adotivo que simboliza o “fracasso” prévio) e consequente permissividade que muitas vezes arruína uma personalidade vinda de condições de vida mais delicadas. A adoção em si poderia ser linda se a cabeça dos pais fosse emocionalmente mais preparada e sem a fuligem da tentativas anteriores mal sucedidas. Pais inteiros criam filhos mais plenos, sejam eles naturais ou adotados.
No final das contas aqueles pais que imaginam que os filhos têm função de preencher suas incompletudes ou fazer companhia na velhice acabam se desapontando quando eles crescem e buscam caminhos próprios. Então se dão conta de que o que poderiam ter feito de melhor para os filhos teria sido viver suas vidas mais dedicadas a si mesmos do que para eles. Ao sair de casa, um filho sente o amargor dos pais que nunca viveram por si e para si e acabam lamentando testemunhar o envelhecimento de pais sem poupança, sem alegria no casamento e cheios de nostalgia, vivendo em função de que os netos venham.
Os casais que não têm filhos, seja por escolha ou impossibilidade biológica, deveriam ver nisso a perspectiva de antecipar o destino inevitável de todo casal que sobrevive ao tempo: trocar um amor voluntário e não-hierarquizado entre dois adultos que precisam escolher todo dia se seguem juntos na jornada sem se refugiar atrás de um laço “eterno” da maternidade.
Ps: se você ficou em crise com os temas abordados aqui, amanhã sai outro texto falando sobre 17 motivações ocultas de muitas mulheres querem ser mães.
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros “Relacionamento para leigos (série For Dummies)“, ”Como se libertar do ex” e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos
http://www.sobreavida.com.br/2014/11/18/infertilidade/
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