quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Abordagem das novelas


Hoje depois de ouvir Barbara Toledo no Seminário do GAA Adote e Ame, em Duque de Caxias/RJ, peguei-me pensando sobre a abordagem da adoção ilegal empregada por Glória Perez na novela Salve Jorge.

A abordagem é crua, nua, cruel. Os mecanismos utilizados, a falsificação das certidões de nascimento, a compra de crianças, são absurdos.

É função da TV mostrar as mazelas da sociedade? Acredito que sim, contudo, ficam algumas dúvidas acerca do momento e da oportunidade da veiculação. Sendo um pouquinho ruim: será que o destaque para o “caso Monte Santo” teria tanta intensidade se a questão das adoções ilegais não fosse abordada pela novela? Questões que ficarão eternamente sem resposta.

Outra questão que fica é se os exemplos mostrados na TV não podem dar ideias para pessoas com objetivos escusos, ou mesmo para pessoas que querem um filho por qualquer custo – inclusive o de cometer um crime.

Não consigo entender como a exposição de práticas do submundo pode ser producente sem que o contraponto – o correto -, seja igualmente exposto.

Estamos vendo o erro, o crime, a desconsideração da humanidade de pequenas crianças manuseadas, exploradas e vendidas como coisas, mas, onde está a colocação correta? Onde se encontra o contraponto?

Porque, então, divulgar o erro – dar ideias para malfeitores e criminosos– sem mostrar a forma correta de agir?

Acredito, por óbvio, que as sanções vão existir e os crimes serão punidos, mas, o correto será também material da novela? Glória Perez mostrará como se faz uma habilitação? Como funcionam os grupos de apoio à adoção? Como se processam as adoções em Juízo?

Cansa, cansa mesmo, duas abordagens nefastas sobre adoção: 1) Em Guerra dos Sexos a estranha relação de Charlô com seu filho que, a todo instante, é abordado como adotado e não como filho. O adotado é usado reiteradas vezes com tom pejorativo. 2) Em Salve Jorge o trafico de bebês.

Na novela Salve Jorge nos deparamos com adoções ilegais já concretizadas lembrando os casos recentemente divulgado de adoções ilegais de crianças do sul. Nesse caso fui contatada por alguns jovens de Israel, há cerca de dois anos, que alegavam terem sido adotados ilegalmente na década de 80. Senti-me impossibilitada de auxiliá-los em função do nível de abrangência das investigações e indiquei que procurassem o Ministério Público e a Comissão de Direitos Humanos da OAB. Conversei bastante com um rapaz e com uma moça, da mesma faixa etária, que ligavam buscando uma indicação de como agir, a quem recorrer.

Tais adoções foram matéria de várias reportagens em agosto deste ano – matérias intituladas “Órfãos do Brasil”, Diário Catarinense.

Escrevo para sugerir, - assim como fizemos, juntamente com inúmeras outras pessoas, para Agnaldo Silva quando da novela Fina Estampa – que Glória Perez faça “um laboratório” junto aos grupos de apoio à adoção e aborde a forma correta da adoção, com a habilitação prévia, em sua novela.

Chega de ser mostrado o erro, a mácula da adoção. Chega de ser mostrada a adoção com sentido pejorativo. Chega de desvirtuarem o amor existente em uma adoção.

É mais uma desabafo de quem já está ficando cansada de bater sempre na mesma tecla.

Silvana do Monte Moreira
Advogada - Infância, Juventude e Família
Presidente da Comissão Nacional de Adoção do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família
Coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II
Diretora Jurídica da ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção
silvana.mm@globo.com
http://www.silvanammadv.blogspot.com/


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