Sobre Monte Santo e outras questões
Muito se tem falado e elucubrado acerca dos acontecimentos que envolvem a adoção de 5 irmãos em Monte Santo, interior da Bahia e em outras localidades. Várias versões vieram a público, acusações, teorias, contudo, nada ainda de concreto foi veiculado eis que todos os procedimentos que envolvem crianças e adolescentes tramitam em segredo de justiça.
Algumas dúvidas cercam todo o procedimento: os genitores eram cumpridores das obrigações inerentes ao poder familiar? As crianças se encontravam devidamente registradas, vacinadas e, as que se encontravam em idade escolar, já frequentavam a escola?
O Ministério Público atuou no procedimento? Quais foram os fatores que ensejaram a propositura da ação de destituição do poder familiar? A família extensa foi ouvida sobre a possibilidade de manter as crianças com a família? Os genitores tiveram direito à ampla defesa e ao contraditório? Os genitores foram assistidos por advogado?
Ainda existem outras questões a serem respondidas, mas, as perguntas básicas estão acima.
Com relação aos guardiões das crianças: Estão habilitados? Estão inseridos no CNA? Mantém, entre eles, vínculos afetivos de forma que os laços fraternos entre os cinco irmãos sejam mantidos por visitação, telefonemas? De que forma tomaram conhecimento dos 5 irmãos em Monte Santo?
Não se pode defender ou acusar quem quer que seja sem as respostas a tais questionamentos.
Não vi, ainda, questionamento sobre as crianças: como estão? De que forma adaptaram-se aos guardiões? Estão mantendo contato entre si? Desejam voltar para os genitores biológicos?
Será necessária a realização de estudos com essas crianças e de um bom trabalho para que sejam reinseridos em seu núcleo familiar biológico, caso essa seja a decisão sobre a situação dos irmãos.
Não será uma decisão fácil. Será necessário ponderar vários aspectos, mas, principalmente verificar a situação das crianças como grupo de irmãos e de cada uma de per si. Não se trata de poder econômico ou de melhor situação social e sim do atendimento ao melhor interesse em sentido lato. Serão vários aspectos a ponderar...
Paralelamente a tudo isso as adoções ilegais continuam a ser praticadas. Foge-nos a compreensão de que forma estão sendo realizadas. Com a DNV, como alguém ainda pode realizar uma adoção ilegal? Onde está acontecendo a falha?
Tem aumentado, ainda, a manutenção de crianças sem guarda e sem qualquer documentação até completar 3 anos, na tentativa de solidificar o vínculo e só requerer a adoção com o fato já constituído, utilizando-se, assim, o judiciário como mero homologador de uma “adoção” de fato já existente.
E os riscos? Porque as pessoas continuam a não considerar os riscos? Será que vale ter um filho a qualquer custo?
Na adoção ilegal os adotantes terão pela frente uma vida de medo, nunca conseguirão ter um sono tranquilo. Os pais biológicos podem a qualquer momento alegar sequestro, podem requerer o exame de DNA, podem dizer–se enganados, ludibriados. A criança nunca saberá sua história de adoção, pois, os adotantes jamais admitirão a pratica de um crime.
Na questão de se manter uma criança sob a guarda de fato os “adotantes” estão cometendo um terrível crime contra a criança, pois, estará tal criança sem a garantia de seus direitos previdenciários e sucessórios. Imagine-se que durante essa guarda de fato os adotantes morram, o que será feito dessa criança? Não herdará nada de seus guardiões de fato nem receberá pensão de qualquer espécie. Caso o casal venha a divorciar-se a criança não terá direito a alimentos. Ou seja, a criança está sendo lesada.
A adoção consensual não fica atrás. Não é ilegal, mas muito arriscada. Os genitores podem desistir e ao desistirem nunca colocam os fatos como ocorreram. Recentemente tomei conhecimento de uma situação onde os genitores alegaram “emprestar” a criança e não entregá-la em adoção.
Outro fato que tem se tornado comum é o adotante homem inserir seu nome no registro da criança como se pai biológico fosse. Nos últimos meses recebi mais de 3 consultas com a mesma base. Segundo nos informaram foram orientados a fazê-lo por profissionais do “direito”. Sinceramente custa-me a acreditar que nos dia atuais alguém possa sugerir tamanho descalabro.
Assim, é preciso que os adotantes tenham sempre em mente que a adoção tem por objetivo atender ao superior interesse da criança. Não busca a adoção atender interesses dos adotantes, ou suprir a lacuna do filho não gerado ou do filho perdido. Adoção não salva casamento, não supre lacunas, não ampara velhice ou visa suprir solidão.
Para que tudo ocorra dentro da lei é necessário: 1) habilitar-se perante a vara da infância do local de seu domicílio; 2) com a habilitação em mão aguardar a chamada da equipe técnica de sua comarca ou de qualquer outra que tenho escolhido quando de sua inserção no CNA; 3) visitar entidades de acolhimento institucional para verificar a realidade das crianças acolhidas, tomando o cuidado de não se fixar nessa ou naquela criança, pois, a visitação não objetiva facilitar a adoção e sim familiarizar os habilitados com a realidade do acolhimento institucional. Muito cuidado para não se magoar e para não fazer uma criança sofrer com falsas expectativas.
Com relação à criança já deverá se encontrar ajuizado algum procedimento em face dos genitores, preferencialmente a Ação de Destituição do Poder Familiar. Para a colocação da criança em guarda provisória para fins de adoção é necessário haver decisão no sentido de suspender o poder familiar dos genitores. Estudos técnicos devem existir informando da impossibilidade da reinserção familiar. A família extensa - familiares com os quais a criança mantenha laços de afinidade e afetividade – deverá ser consultada acerca de possibilidade de assumir a responsabilidade pela guarda da criança.
Existem, ainda, algumas comarcas – poucas - onde o Ministério Público, mesmo diante de fatos que dão fundamento a ação de destituição do poder familiar, não o faz. Aguarda a chegada de adotantes para dar início a ação. Em tal caso será necessária a verificação de que todas as possibilidades de manutenção da criança na família extensa já foram esgotadas, sendo caso de ajuizamento da ação de adoção em conjunto com a ação de destituição do poder familiar.
Com relação aos grupos de irmãos: devem ser mantidos juntos, podendo ser separados em casos excepcionais, como, por exemplo, a inviabilização da adoção. No caso de divisão de irmãos a adoção deverá ser realizada entre pessoas amigas e/ou residentes na mesma cidade para que os laços fraternos sejam mantidos.
Com referência ao perfil: não o altere para agilizar a adoção, só o altere depois de muita reflexão e se tiver plena certeza de que está apto para tal ampliação. Verifico várias pessoas incluindo grupo de irmãos para facilitar a adoção de um bebê. A criança mais velha poderá transformar-se em estorvo caso essa alteração não se dê em função do amadurecimento do perfil. É preciso muito cuidado. É difícil e demorado adotar uma criança recém-nascida, mas não é impossível. Se o desejo real for o de maternar e paternar uma criança bem pequena, mantenha o seu perfil, não o altere e aguarde, pois, um dia o seu telefone irá tocar.
Finalizo apenas alertando para não iniciarmos qualquer julgamento sem provas e para que estudem o ECA nas horas vagas, pois, é nele que se encontra a base para uma adoção segura. Frequentem, também, os grupos de apoio à adoção e não tenham vergonha de perguntar: perguntem tudo! Entrem de corpo e alma no mundo da adoção, mas com segurança e estritamente dentro da lei.
Abraços,
Silvana do Monte Moreira
Advogada - Infância, Juventude e Família
Presidente da Comissão Nacional de Adoção do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família
Coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II
Diretora Jurídica da ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção
silvana.mm@globo.com
http://www.silvanammadv.blogspot.com/
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