Queridos amigos da adoção:
Compartilho algumas inquietações
decorrentes do meu exercício profissional e também da prática do voluntariado.
Recebemos inúmeras consultas
acerca da adoção consentida partindo de pessoas habilitadas e de pessoas não
habilitadas e a partir desse número crescendo farei algumas observações.
No Rio de Janeiro é cada vez
menor o número de comarcas que aceitam tal modalidade de adoção, a qual
depende, basicamente, do entendimento do Juízo acerca da aplicabilidade do
artigo 166 do ECA que assim trata a questão:
Art.
166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do
poder familiar, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em
família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em
petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de
advogado. (Redação
dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 1o Na hipótese de concordância dos pais, esses serão
ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público,
tomando-se por termo as declarações. (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 2o O consentimento dos titulares do poder familiar
será precedido de orientações e esclarecimentos prestados pela equipe
interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, em especial, no caso
de adoção, sobre a irrevogabilidade da medida. (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 3o O consentimento dos titulares do poder familiar
será colhido pela autoridade judiciária competente em audiência, presente o
Ministério Público, garantida a livre manifestação de vontade e esgotados os
esforços para manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou
extensa. (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 4o O consentimento prestado por escrito não terá
validade se não for ratificado na audiência a que se refere o § 3o
deste artigo. (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 5o O consentimento é retratável até a data da
publicação da sentença constitutiva da adoção. (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 6o O consentimento somente terá valor se for dado
após o nascimento da criança. (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 7o A família substituta receberá a devida orientação
por intermédio de equipe técnica interprofissional a serviço do Poder
Judiciário, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução
da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
O que entendo já coloquei em
alguns textos e menciono o que entendo mais adequado: http://silvanammadv.blogspot.com.br/2012/02/adocao-intuitu-personae-e-necessaria.html
A questão tem assumido mais
relevância a partir do momento em que crianças colocadas em família substituta através
de guarda provisória concedido em procedimento de adoção consentida estão
retornando às famílias de origem depois de 1, 2 ou 3 anos de plena convivência
familiar com os adotantes.
A jurisprudência traz decisões
que privilegiam o atendimento do melhor interesse da criança, contudo, em
função da extrema morosidade do judiciário, tais decisões, notadamente dos
tribunais superiores, podem se dar depois do reestabelecimento dos vínculos com
a família de origem, explico:
A criança convive por 2 anos com
a família substituta, a audiência de confirmação da entrega consensual se dá 18
meses depois da entrega, a família de origem desiste dessa entrega direta
(depois de 18 meses sem qualquer vinculação sócio-afetiva com a criança), a
justiça de 1ª instância decide devolver a criança à família de origem; entra-se
na fase dos recursos à 2ª instância, demora-se um ano nessa fase com a criança
reinserida na família de origem, o procedimento é remetido aos tribunais
superiores que decidem, depois de mais um anos, pelo retorno da criança à
família substituta por se encontrar consubstanciado que o melhor interesse da
criança será atendido por aquela família por “b” razões que fariam esse texto
ter páginas e páginas.
O exemplo acima é totalmente
fictício com relação a fatos e prazos.
A criança, de fato, é a maior
prejudicada com essa inversão de guardas e pode acumular sequelas emocionais
que a acompanharão por toda a vida. Esse é o maior risco de uma adoção
consensual: os danos psicoemocionais que trarão à criança em caso de litígio.
Outra possibilidade presente e
também recorrente é na audiência de ratificação o Juízo entender pela colocação
da criança na primeira família da fila de habilitados por entender que a adoção
consensual “fura a fila do CNA”. Independentemente do tempo de convivência da
criança com a família substituta, os danos psicoemocionais são instalados na
criança.
No caso de pessoas não habilitadas
creio nem ser necessário mencionar que o risco de insucesso é mil vezes maior,
pois, a habilitação só é dispensável para três casos específicos e a adoção
consensual não é um deles:
Art. 50. ...
§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato
domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei
quando: (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
I - se tratar de pedido de adoção unilateral; (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha
vínculos de afinidade e afetividade; (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior
de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência
comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a
ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238
desta Lei. (Incluído
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
Alguns profissionais indicam aos
futuros adotantes que “criem vínculos com a criança” e só entrem com a adoção
depois de 3 anos, fazendo uma leitura equivocada do Inciso III acima
transcrito. Tal orientação fere o princípio do melhor interesse da criança que
durante 3 anos ficará sem qualquer segurança jurídica, colocada no verdadeiro
limbo por quem deveria lutar por seus direitos, além de colocar os detentores
de sua “guarda de fato” em situação de total vulnerabilidade inclusive podendo
ser inserido na prática de crime como a “subtração de incapaz” (Código Penal,
Art. 249), sequestro, dentre outros.
Outra modalidade de consulta que
está surgindo não diz respeito à adoção consentida mas à vinculação com
crianças acolhidas e, em algumas situações, contam com o apoio dos dirigentes
das entidades de acolhimento que, sem a anuência do judiciário, permitem que
pessoas – habilitadas ou não – vinculem-se a crianças acolhidas.
Entendo que tal possibilidade
inexiste e não pode ser acatada pelo judiciário nem contará com parecer
favorável do Ministério Público, pois, inverte tudo o que se trabalha em termos
de habilitação e adoção.
Não verifiquei, até está data,
vinculação com crianças maiores ou grupos de irmãos, mas apenas e tão somente vinculação
com crianças recém-nascidas, pequenas, saudáveis.
Recentemente chegou a meu
conhecimento que uma pessoa que tentou a adoção de uma criança em tais moldes
recebeu sentença negativa e também foi inabilitada – não sei se de forma
definitiva.
A visitação às entidades de
acolhimento, prevista no ECA em seu artigo 197A, não tem por objetivo vincular
as pessoas às crianças e sim trazer para quem está se habilitando a realidade das
crianças em acolhimento institucional.
É preciso que se tenha em mente
que a adoção tem por objetivo atender ao melhor interesse da criança, ou seja,
propiciar a criança o direito à convivência familiar. É por elas – crianças –
que a lei existe. É por elas que os grupos de apoio à adoção trabalham.
Existem, como em todas as
situações que vivenciamos, exceções à regra. Existem inúmeras adoções
consentidas legítimas e exitosas, existem, também, inúmeras vinculações reais e
que não foram “maquiadas”, existem casos e casos, situações e situações e não
estou escrevendo para “macular” os adotantes e sim para alertar sobre os riscos
que correm e para os danos que podem causar às crianças envolvidas.
Lembrem, ainda, que trazer uma
criança de outro estado sem a respectiva guarda provisória poderá coloca-los em
risco. Vivenciamos situação onde a criança – adoção consensual – foi trazida de
carro de determinado estado, os guardiões entraram com processo de adoção
consensual e quando a carta precatória foi emitida para o estado de origem da
mãe biológica, o Juízo de tal estado emitiu medida de busca e apreensão da
criança para colocação da mesma em casal habilitado do próprio estado.
Preocupa-me, profissional e
pessoalmente, o sofrimento que o ímpeto do momento pode causar. Por isso faço
esse alerta para que analisem profundamente toda e qualquer situação que se
apresente, busquem orientações da vara onde a adoção será realizada, não tomem
atitudes levados pela emoção.
Poderia relatar centenas de casos
próprios ou compartilhados por terceiros de sucessos e insucessos de adoções,
mas creio ter dado um bom exemplo dos riscos existentes.
Estou aberta para quaisquer
questionamentos, pois, entendo que o assunto merece uma boa discussão e peço
aos demais operadores presentes que contribuam com o assunto.
Abraços,
Silvana do Monte Moreira
GAA Ana Gonzaga / Comissão de
Adoção – IBDFAM/ANGAAD
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