domingo, 13 de julho de 2014

Adoção consentida, criação de vínculos e outros assuntos para discussão

Queridos amigos da adoção:
Compartilho algumas inquietações decorrentes do meu exercício profissional e também da prática do voluntariado.
Recebemos inúmeras consultas acerca da adoção consentida partindo de pessoas habilitadas e de pessoas não habilitadas e a partir desse número crescendo farei algumas observações.
No Rio de Janeiro é cada vez menor o número de comarcas que aceitam tal modalidade de adoção, a qual depende, basicamente, do entendimento do Juízo acerca da aplicabilidade do artigo 166 do ECA que assim trata a questão:
Art. 166.  Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)   Vigência
        § 1o  Na hipótese de concordância dos pais, esses serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por termo as declarações. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência
        § 2o  O consentimento dos titulares do poder familiar será precedido de orientações e esclarecimentos prestados pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, em especial, no caso de adoção, sobre a irrevogabilidade da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência
        § 3o  O consentimento dos titulares do poder familiar será colhido pela autoridade judiciária competente em audiência, presente o Ministério Público, garantida a livre manifestação de vontade e esgotados os esforços para manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou extensa. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência
        § 4o  O consentimento prestado por escrito não terá validade se não for ratificado na audiência a que se refere o § 3o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência
        § 5o  O consentimento é retratável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência
        § 6o  O consentimento somente terá valor se for dado após o nascimento da criança. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
        § 7o  A família substituta receberá a devida orientação por intermédio de equipe técnica interprofissional a serviço do Poder Judiciário, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência

O que entendo já coloquei em alguns textos e menciono o que entendo mais adequado: http://silvanammadv.blogspot.com.br/2012/02/adocao-intuitu-personae-e-necessaria.html
A questão tem assumido mais relevância a partir do momento em que crianças colocadas em família substituta através de guarda provisória concedido em procedimento de adoção consentida estão retornando às famílias de origem depois de 1, 2 ou 3 anos de plena convivência familiar com os adotantes.
A jurisprudência traz decisões que privilegiam o atendimento do melhor interesse da criança, contudo, em função da extrema morosidade do judiciário, tais decisões, notadamente dos tribunais superiores, podem se dar depois do reestabelecimento dos vínculos com a família de origem, explico:
A criança convive por 2 anos com a família substituta, a audiência de confirmação da entrega consensual se dá 18 meses depois da entrega, a família de origem desiste dessa entrega direta (depois de 18 meses sem qualquer vinculação sócio-afetiva com a criança), a justiça de 1ª instância decide devolver a criança à família de origem; entra-se na fase dos recursos à 2ª instância, demora-se um ano nessa fase com a criança reinserida na família de origem, o procedimento é remetido aos tribunais superiores que decidem, depois de mais um anos, pelo retorno da criança à família substituta por se encontrar consubstanciado que o melhor interesse da criança será atendido por aquela família por “b” razões que fariam esse texto ter páginas e páginas.
O exemplo acima é totalmente fictício com relação a fatos e prazos.
A criança, de fato, é a maior prejudicada com essa inversão de guardas e pode acumular sequelas emocionais que a acompanharão por toda a vida. Esse é o maior risco de uma adoção consensual: os danos psicoemocionais que trarão à criança em caso de litígio.
Outra possibilidade presente e também recorrente é na audiência de ratificação o Juízo entender pela colocação da criança na primeira família da fila de habilitados por entender que a adoção consensual “fura a fila do CNA”. Independentemente do tempo de convivência da criança com a família substituta, os danos psicoemocionais são instalados na criança.
No caso de pessoas não habilitadas creio nem ser necessário mencionar que o risco de insucesso é mil vezes maior, pois, a habilitação só é dispensável para três casos específicos e a adoção consensual não é um deles:
Art. 50. ...
        § 13.  Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência
        I - se tratar de pedido de adoção unilateral; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência
        II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência
        III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência
Alguns profissionais indicam aos futuros adotantes que “criem vínculos com a criança” e só entrem com a adoção depois de 3 anos, fazendo uma leitura equivocada do Inciso III acima transcrito. Tal orientação fere o princípio do melhor interesse da criança que durante 3 anos ficará sem qualquer segurança jurídica, colocada no verdadeiro limbo por quem deveria lutar por seus direitos, além de colocar os detentores de sua “guarda de fato” em situação de total vulnerabilidade inclusive podendo ser inserido na prática de crime como a “subtração de incapaz” (Código Penal, Art. 249), sequestro, dentre outros.
Outra modalidade de consulta que está surgindo não diz respeito à adoção consentida mas à vinculação com crianças acolhidas e, em algumas situações, contam com o apoio dos dirigentes das entidades de acolhimento que, sem a anuência do judiciário, permitem que pessoas – habilitadas ou não – vinculem-se a crianças acolhidas.
Entendo que tal possibilidade inexiste e não pode ser acatada pelo judiciário nem contará com parecer favorável do Ministério Público, pois, inverte tudo o que se trabalha em termos de habilitação e adoção.
Não verifiquei, até está data, vinculação com crianças maiores ou grupos de irmãos, mas apenas e tão somente vinculação com crianças recém-nascidas, pequenas, saudáveis.
Recentemente chegou a meu conhecimento que uma pessoa que tentou a adoção de uma criança em tais moldes recebeu sentença negativa e também foi inabilitada – não sei se de forma definitiva.
A visitação às entidades de acolhimento, prevista no ECA em seu artigo 197A, não tem por objetivo vincular as pessoas às crianças e sim trazer para quem está se habilitando a realidade das crianças em acolhimento institucional.
É preciso que se tenha em mente que a adoção tem por objetivo atender ao melhor interesse da criança, ou seja, propiciar a criança o direito à convivência familiar. É por elas – crianças – que a lei existe. É por elas que os grupos de apoio à adoção trabalham.
Existem, como em todas as situações que vivenciamos, exceções à regra. Existem inúmeras adoções consentidas legítimas e exitosas, existem, também, inúmeras vinculações reais e que não foram “maquiadas”, existem casos e casos, situações e situações e não estou escrevendo para “macular” os adotantes e sim para alertar sobre os riscos que correm e para os danos que podem causar às crianças envolvidas.
Lembrem, ainda, que trazer uma criança de outro estado sem a respectiva guarda provisória poderá coloca-los em risco. Vivenciamos situação onde a criança – adoção consensual – foi trazida de carro de determinado estado, os guardiões entraram com processo de adoção consensual e quando a carta precatória foi emitida para o estado de origem da mãe biológica, o Juízo de tal estado emitiu medida de busca e apreensão da criança para colocação da mesma em casal habilitado do próprio estado.
Preocupa-me, profissional e pessoalmente, o sofrimento que o ímpeto do momento pode causar. Por isso faço esse alerta para que analisem profundamente toda e qualquer situação que se apresente, busquem orientações da vara onde a adoção será realizada, não tomem atitudes levados pela emoção.
Poderia relatar centenas de casos próprios ou compartilhados por terceiros de sucessos e insucessos de adoções, mas creio ter dado um bom exemplo dos riscos existentes.
Estou aberta para quaisquer questionamentos, pois, entendo que o assunto merece uma boa discussão e peço aos demais operadores presentes que contribuam com o assunto.
Abraços,
Silvana do Monte Moreira
GAA Ana Gonzaga / Comissão de Adoção – IBDFAM/ANGAAD

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