domingo, 20 de julho de 2014

Em alta, adoção de crianças entre conhecidos preocupa

Publicado por Academia Brasileira de Direito (extraído pelo JusBrasil) - 5 anos atrás
1
A pequena Patrícia, 5 meses, (todos os nomes na reportagem são fictícios) é o segundo filho que a manicure Vitória decide entregar para adoção. Com um detalhe: ela conhece a nova mãe de sua filha. Será uma cliente do salão. Em Ribeirão Preto, a adoção feita entre famílias que já se conhecem é mais freqüente do que a de casos vindos da fila de espera.
Nos pedidos da chamada adoção direta ou pronta, quando chegam à Vara da Infância e Juventude, na maior parte das vezes, a criança já está no novo lar há meses ou até anos. E há situações em que a mãe biológica mantém contato com o filho. Especialistas apontam que essa situação pode trazer prejuízo à criança caso a nova família não saiba lidar com a situação.
A adoção direta é baseada no princípio do direito chamado "intuito personae". O termo latino é empregado quando a mãe declara que, não só abre mão do filho, como indica a quem quer entregá-lo.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), no artigo 166 , prevê a modalidade de adoção quando os pais apontam uma família substituta. Mas a decisão não depende só dela. É o juiz quem avalia se a criança fica com a família escolhida pela mãe biológica.
Na opinião do juiz da Infância e Juventude, Paulo César Gentile, entretanto, houve um desvirtuamento dessa modalidade de adoção. "A lei tentou preservar a escolha quando há um laço de afeto entre as famílias. Mas nos deparamos com casos de pessoas que descobrem a quem querem entregar o filho para a adoção, se aproximam da mãe e a assediam."
O melhor meio, aponta o juiz, é quando o interessado se inscreve no cadastro existente para adoção. A pessoa é avaliada por psicólogos para saber se tem o perfil adequado. A avaliação elimina sentimentos de adotar uma criança por caridade, pelo fato de a pessoa se sentir sozinha ou para pagar promessa. "São sentimentos que tendem a ser efêmeros. Passou a emoção, a pessoa rejeita a criança. Já me deparei com situações de arrependimento."
As adoções diretas ou prontas acontecem de diferentes formas e envolvem razões econômicas e sociais. Há situações de pessoas que adotam um parente ou a figura do "padrinho", o que ocorre geralmente entre patrão e empregados. Há casos em que as mães biológicas e adotivas não se conhecem e a troca é combinada por um intermediário, que pode ser desde uma conhecida das mães até a figura de um advogado.
Outro caso é daquela adoção que surge sem intenção. Como a da pequena Patrícia, citada no início da reportagem. Com os filhos já crescidos, Regina, candidata a nova mãe, começou apenas cuidando da bebê enquanto a mãe trabalhava. Hoje, luta para obter a guarda definitiva da menina.
Atualmente, existem 103 pessoas na fila para adotar uma criança. Na outra ponta estão de 20 a 25 crianças aptas a serem adotadas, mas a maioria com mais de dez anos de idade, parda e com grupos de irmãos -fora do perfil procurado pela maioria das famílias que querem adotar uma criança.
Segundo a assistente social do Fórum de Ribeirão, Genecy Duarte Passos, antes que chegue à Justiça, a adoção já aconteceu na prática. "Quando vemos, a mãe adotiva já está com a criança há dois, três anos."
Mães que entregam seus filhos, em muitos casos, alimentam a esperança de vê-los crescer. Genecy relata casos de mães biológicas que procuram seus filhos na porta da escola ou que passam feriados com eles. Para ela, essa proximidade pode não ser saudável para a criança. "A mãe que entrega quer ver o filho de vez em quando, e a criança fica confusa."
Adoção direta denuncia fragilidade social
A situação de mães que entregam filhos para adoção por conhecidos revela fragilidades da sociedade brasileira, como acesso a creches e situação de pobreza, na opinião da psicóloga Fernanda Neísa Mariano.
A psicóloga desenvolveu sua pesquisa de doutorado na USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto. Ela estudou casos de adoções entre conhecidos de 2004 a 2006. Ouviu dez pessoas, entre mães que entregaram filhos e as adotivas.
O perfil da mãe que leva a criança para adoção, segundo a pesquisadora, geralmente é de uma mulher sozinha ou, se tem um companheiro, a relação é instável ou está em crise. "Percebemos que, à época da entrega, por alguma razão, a mulher estava sem algum tipo de apoio familiar", disse.
Também há situações em que a criança não era esperada e a mulher já tinha outros filhos, além de dificuldades financeiras e de moradia.
Já entre os casais que adotam, segundo a psicóloga, muitos já estão cadastrados na fila de adoção, mas começam a procurar opções.
Elemento cultural
A adoção direta consiste em um hábito antigo na cultura brasileira, segundo ela. "O cadastramento é uma conduta mais recente. Procurar um filho em hospital, em albergue é uma prática centenária."
Na conversa com as mães biológicas, Mariano conta que as mães dizem entregar o filho para que ele tenha uma melhor condição de vida. "Mas existe depois uma cobrança com ela mesma. Fica a culpa de não ter dado conta daquela situação."
Para casais que pensam em adotar uma criança, existe em Ribeirão Preto um projeto chamado Pappa (Programa de Acompanhamento Pré e Pós-Adoção). Segundo a psicóloga Lilian de Almeida Guimarães Solon, uma das coordenadoras, a adoção direta acontece em muitos casos quando o casal candidato não agüenta esperar pela criança ideal na fila de espera -geralmente, bebês.
"Então, ficam sabendo que existe o bebê de uma funcionária de uma amiga ou por um advogado ou um pastor", disse. Em geral, conta Solon, as famílias adotivas buscam se distanciar da original. "Fica o medo de perder o filho para mãe biológica e um sentimento de desigualdade."
Amplie seu estudo
 
 

Nenhum comentário: