quarta-feira, 9 de julho de 2014

BEBÊS QUE VIERAM DO CÉU


07.07.2014
Post por Glauciana
A mãe que ninguém vê
Depois de oito anos de casamento e um projeto de não ter filhos, o empresário paulista José mudou de opinião quando sua esposa, a funcionária pública Leda, engravidou e perdeu o bebê no início da gestação. A gravidez veio sem planejar e para mudar o que estava estabelecido. A partir de então, começaram a nutrir o desejo de ter um filho. Durante sete anos perseguiram o sonho e quando, finalmente, ele se realizou, veio multiplicado por três. José e Leda, que tanto queriam um filho, ganharam três.
Na década de 80, os namorados José e Leda decidiram se unir. Ela, que já tinha dois filhos de um casamento anterior — Edith com quatro anos e Caio com seis —, decidira montar uma nova família ao lado de José, sete anos mais novo.
Os anos foram passando e o marido começou a sentir a necessidade de ter um herdeiro, embora considerasse os filhos da esposa como seus. As crianças moravam com eles e José se sentia pai, pois, desde que se casou com Leda, passou a ajudar na educação dos rebentos. Entretanto, a vontade de acompanhar os primeiros meses de uma criança e ver seu desenvolvimento desde o início despertou o interesse de José em ter seu próprio filho. Leda, por sua vez, também comprou a idéia e o casal decidiu engravidar novamente, mesmo depois da primeira perda.
Meses depois, veio a boa surpresa: Leda esperava um bebê. Aos 35 anos e com filhos já adultos, a gestação trouxe novo fôlego à Leda e contagiou toda a família. A gravidez foi evoluindo bem, mas, aos cinco meses, ela contraiu citomegalovírus, uma doença herpes-virótica que causa infecções. No seu caso, o órgão afetado foi o fígado e, tanto Leda quanto seu filho, corriam risco de vida. Havia uma controvérsia entre os médicos se o bebê estaria ou não contaminado, o que deixou o casal angustiado com a possibilidade de terem um filho com seqüelas. Com muito medo e sofrimento, Leda decidiu interromper a gravidez, seguindo orientação médica.
⎯ A decisão de interromper a gravidez foi totalmente minha e o maior sofrimento da minha vida. Os médicos induziram um parto normal prematuro quando o feto estava com cinco meses. Foi uma violência! ⎯ contou Leda.
Mesmo assim, continuaram seguindo em frente com o sonho de terem um filho. Oito meses depois, aguardavam um novo bebê. Mais uma vez, a gestação ocorreu bem. No quinto mês, exatamente na semana da interrupção da gravidez anterior, a bolsa se rompeu, Leda foi para o hospital e perdeu mais um bebê. Essa terceira perda deixou o casal extremamente abalado, Leda principalmente, já que ela se questionava pela decisão que tinha tomado na outra gravidez, culpando-se por não tê-la deixado evoluir.
Durante um período, Leda ficou emocionalmente anestesiada. Em paralelo, uma doença grave manifestou-se em seu corpo: um resto embrionário continuou a se desenvolver em seu útero, formando um tumor. Uma forma, talvez, de continuar gerando os bebês que havia perdido. E, mais angústia, pois foi submetida a um tratamento quimioterápico.
O trauma da última perda foi grande. Já sabiam o sexo, o nome estava escolhido e o enxoval montado, além de toda a expectativa natural que envolve a espera de um bebê. Apesar de muito difícil, essa perda foi o despertar para uma nova situação: de que o filho que o casal tanto queria poderia vir de uma outra forma. Muito religiosa, Leda clamou ao plano espiritual.
⎯ Eu me ajoelhei no chão e disse: “Meu Deus do céu, me ilumine nesse momento de tanta dor. Eu peço ao plano espiritual que traga esses seres que estão em volta de mim e querem chegar. Que eles venham de onde for, que eu estou pronta pra recebê-los” ⎯ lembrou Leda emocionada.
A partir de então, entendendo que filhos poderiam vir por vários caminhos, o casal decidiu adotar uma criança. Com todo o sofrimento passado, José se convenceu de que a adoção seria uma alternativa, pois sempre teve muita resistência com o tema.
ONGs, amigos em comum e Juizados da Infância e da Juventude foram os meios pelos quais Leda e José procuravam pelo filho. Não faziam exigência quanto ao sexo da criança, desde que fosse um bebezinho, afinal o pai gostaria de ter a sensação de cuidar de um recém-nascido.
⎯ Tinha que ser bem novinho. Era uma condição que eu coloquei na época para a adoção. Queria que fosse o mais novo possível para trocar fralda, dar mamadeira. Isso porque eu nunca tinha sido pai e era importante para mim esse contato desde o início ⎯ lembrou José.
Para alegria da família, amigos do casal souberam de uma moça, de uma comunidade carente do interior de São Paulo, que estava grávida e não ficaria com o filho. José e a esposa acompanharam a gravidez como se a criança estivesse sendo gerada no ventre de Leda. Fizeram os exames pré-natais, comprara enxoval e os amigos e o restante da família aguardavam o nascimento do bebê. Quando chegou a grande hora, ainda na maternidade, a mãe desistiu de entregar a criança. Ainda que compreensível, Leda e José sofreram outra perda.
Foram mais quatro longos anos de espera pelo filho tão desejado. Nesse tempo todo, o casal não recebeu sequer uma ligação do juizado, apesar de estar na fila de adoção há anos, inclusive em varas de outros Estados. Então, decidiram optar por métodos de reprodução assistida e, em 1996, fizeram uma inseminação artificial. Implantaram três embriões no útero de Leda e um deles se fixou. Ao contrário das situações anteriores, dessa vez ninguém — além dos filhos de Leda, Edith e Caio — sabiam da gravidez.
Dando as boas-vindas ao ano de 1997, o casal e os dois filhos viajaram de férias e, quando retornaram, receberam a notícia tão esperada. Por meio de um telefonema, um amigo informou que, no comecinho do ano, dia 5 de janeiro, um anjo passara e deixara um presente a eles.
O novo ano começava com boas novidades e o filho que tanto desejavam chegara. Agora, por duas vias, afinal, a gravidez de Leda evoluía bem e um outro filho — supostamente uma menininha — os esperava em algum lugar do Estado de São Paulo. Sem pensar duas vezes, decidiram buscar a criança, mesmo com a gestação de quatro meses de Leda.
Sequer tiraram as malas do carro e rumaram para o litoral norte paulista, em busca daquilo que esperaram por tanto tempo. Antes disso, passaram em um hipermercado para comprar, pelo menos, coisas básicas para uma criança, como mamadeira, fraldas e roupinhas. A viagem foi repleta de euforia. Entre nomes, palpites e expectativas, Leda, José e Edith passaram a noite na estrada.
⎯ Aquela noite foi mágica, porque já tínhamos desistido da adoção, afinal depois de tantos anos. Mas temos certeza que foi mesmo um anjo que passou e nos deixou o presente, pelo modo como tudo aconteceu. Justamente porque já estávamos grávidos. Fomos flutuando buscar nossa filha ⎯ disse José.
A madrugada era quente, bem típica do litoral em noites de verão, e os amigos lotavam a casa de um amigo, que havia ajudado no parto e na adoção. Ainda na sala, Leda e José viram descer a escada o amigo com seu presente no colo. Com três dias de vida, Luiza encontrava seus pais.
Mas, surpresa! Como se o anjo travesso quisesse recompensar Leda e José por tantas perdas e tantos anos de luta e espera pelo filho, decidiu trazer não só um presente, mas dois. Não bastasse a felicidade dos novos pais com Luiza nos braços, mais um bebê desceu as escadas, como se viesse mesmo do céu. Isabel, a irmã gêmea, também nascia para o casal.
⎯ Eu tive certeza absoluta de que elas eram as crianças que eu tinha perdido e, nesse momento, o bebê mexeu em minha barriga. Eu estava com as minhas três filhas junto de mim e dava graças a Deus, porque finalmente nos encontramos. Foi o dia mais feliz da minha vida, porque eu pude entender aquele processo. Tanta dor, agora, fazia sentido. Eu estava sendo preparada para um encontro sagrado, para uma missão divina. — contou Leda.
Leda e José, que tanto quiseram um filho, voltaram para casa com dois bebês. Seis meses depois, Victória nasceu! A família comemorava as “trigêmeas”, como sempre foram chamadas as irmãs. A felicidade chegou em dose tripla.
Apesar de serem chamadas de trigêmeas, a diferença de alguns meses entre as irmãs causou questionamento por parte das meninas, conforme foram crescendo. Os pais, que nunca quiseram esconder a verdadeira história, foram contando aos poucos, mas a grande conversa ocorreu quando as pequenas tinham cinco anos. A esposa de Caio, filho mais velho de Leda, perdeu o bebê que esperava e a mãe foi dar a notícia a Isabel, Luiza e Victória, que estavam felizes com a chegada de um sobrinho.
⎯ Contei pra elas: “A Karin perdeu o bebê”. E a Isabel olhou pra mim assustada e disse: “Mãe, como perdeu? Manda o Caio procurar!”. E a Luiza falou assim: “Não, Bel, perdeu porque o bebê morreu” ⎯ lembrou Leda.
A situação foi uma deixa para que a mãe contasse às meninas de onde e em que circunstâncias elas vieram. Quando Isabel perguntou por que Karin tinha perdido o filho, Leda explicou que algumas mães têm muita dificuldade para terem seus filhos e que, às vezes, estes filhos constroem caminhos para encontrarem seus pais e vêm da barriga de outras mães. Nesse momento, as meninas ⎯ anunciando que já sabiam de algo ⎯ perguntaram: “como nós?”. Foi a oportunidade de expressar com palavras a felicidade que as irmãs representam para o casal e contar toda a triste história de perda de bebês.
⎯ Eu disse que elas eram a coisa mais maravilhosa que nos aconteceu, porque a gente conseguiu se encontrar. Porque, às vezes, esses filhos e essas mães não conseguem se achar e passam a vida inteira se procurando. E nós nos encontramos logo que elas nasceram, quando fomos correndo buscá-las. Daí, a gente se abraçou e elas entenderam o processo ⎯ disse Leda.
As três meninas se amam e interagem como qualquer irmão da idade: brincam, estudam, brigam. A relação de Isabel e Luiza é mais próxima, provavelmente por serem gêmeas, o que acaba gerando um desconforto em Victória que se sente, às vezes, deixada de lado pelas duas. O contato das gêmeas é tão estreito e a cumplicidade entre elas é tão forte que, por vezes, a mãe as pega dormindo na mesma cama, ainda hoje, que estão com 10 anos.
O final desse conto de fadas é bem contemporâneo. Leda e José se separaram em 2001 e as três meninas moram com a mãe, mas, nas noites de quarta-feira, dormem na residência do pai. Os finais de semana são passados alternadamente na casa dos pais.
A vida, como era de se esperar, seguiu em frente. José se casou novamente com a enfermeira Adriana e o novo casal tem um filho de quase dois anos, Plinio. Com isso, Isabel e Luiza desfrutam de dois sólidos lares. E Victória, que não teria irmãs de sua idade, ganhou a companhia de, nada menos, que uma dupla dinâmica.
**Este texto faz parte do livro-reportagem “Filhos do Coração. Histórias Extraordinárias de Adoção”, que escrevi em 2007, como fruto de meu trabalho de conclusão de curso, para a obtenção do diploma da graduação em jornalismo.
***Os nomes dos protagonistas foram trocados, para garantir mais privacidade à família.
http://www.coisademae.com/2014/07/tres-bebes-que-vieram-do-ceu/

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