Por Ana Paula Amaro Silveira*
A adoção é uma instituição tão antiga quanto a própria história da humanidade.Praticamente todos os povos, desde a antiguidade, acolheram crianças geradas por outros, como sendo seus filhos naturais.Uma das histórias mais conhecidas é a de Moisés, adotado pela filha do imperador egípcio após resgatá-lo de um cesto que boiava no rio Nilo.
O instituto da adoção perdurou ao longo da história porque sempre houve crianças que não puderam conviver com suas famílias biológicas pelos mais diversos motivos, muitos deles específicos da cultura e época de um povo e outros que sempre existiram: rejeição da família biológica ou a morte dos pais.
Fato é que após um período de desuso na idade média, a adoção retornou na época de Napoleão. Neste período e durante muito tempo, crianças e adolescentes mudavam para casa de outras famílias, mantendo os laços com sua família de origem. Em troca de abrigo, comida e a possibilidade de educação, desempenhavam tarefas domésticas ou como aprendizes.Quando a família biológica, por razões financeiras não podia sustentá-los, deixavam seus filhos em orfanatos aonde seriam alimentados, enquanto a família buscava se reerguer, mas não podiam ser adotados.
No Brasil, havia os filhos de criação. Crianças de famílias mais necessitadas que recebiam casa e comida e, em troca, prestavam serviços.
Todas essas situações não correspondem a adoção.Contudo, muitas pessoas, principalmente os menos esclarecidos sobre os reais objetivos e os atuais princípios que regem a adoção na atualidade, mantém essa ideia distorcida como se esses dados ainda representassem a realidade.
O Código Civil de 1916, mesmo sendo um avanço na questão do regramento deste instituto, também serviu para reforçar uma ideia de adoção como família de segunda categoria.Somente se autorizava a adoção para adotantes que não tivessem filhos legítimos ou legitimados.O foco era dar filhos a quem não pudesse gerar. Os pais biológicos entregavam seus filhos a quem quisessem. E os filhos adotivos não tinham os mesmos direitos que os filhos naturais.
Tudo isso gerou uma discriminação sobre a adoção, até então ligada à satisfação dos interesses unicamente dos adultos.Longa foi a trajetória evolutiva do instituto da adoção no Brasil, o que pode justificar a existência de algumas poucas pessoas desavisadas das mudanças de paradigmas na área da infância e juventude, reforçadas pela Constituição de 1988.
Nossa legislação dispõe que é direito da criança e do adolescente viver em família seja ela natural ou substituta, sendo filho, sem qualquer discriminação, com todos os direitos, de ser criado e educado com dignidade.Com o advento do Estatuto da Criança e do adolescente, após o Brasil ter assinado a convenção Internacional dos Direitos da Criança, a adoção deixou de ter um caráter assistencialista, como também o foco não é mais o interesse dos adotantes, mas sim da criança.
O Estatuto veio reforçar o que nossa Constituição já declarava em seu artigo 227: “filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, tem os mesmos direitos e qualificações, “proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Foi a partir desse período que o foco passou a ser a criança porque se reconheceu que ela não é objeto de propriedade/posse da família natural, que dela poderia dispor como quisesse, tampouco um objeto de desejo de quem buscava por um filho.
Foi reconhecido que a criança, para poder crescer e se desenvolver de forma saudável, física, mental e emocionalmente, necessita mais do que casa e comida. Necessita de cuidados. Como seres emocionais que somos precisamos de afeto e da sensação de pertencimento. Pertencer a uma família, sermos especialmente amados por alguém que cuide, proteja, ampare. O “poder familiar” não é um direito do adulto sobre a criança. É um dever previsto em lei. Assim como também prevê a lei os casos em que o adulto perde o poder familiar sobre a criança, que tem seus direitos garantidos, sendo eles: o direito à vida, à saúde, à integridade física e emocional, à educação, à profissionalização, à crescer e se desenvolver livre da convivência com pessoas dependentes químicas.
Nessa caminhada talvez os mais incautos não tenham se atentado ao fato de que hoje é preceito constitucional o direito da criança de ser cuidada e que nossa legislação confere deveres aos pais para assegurar esse crescimento de forma saudável. Assim, se pais adultos e capazes que são, não cumprem esses deveres, seja porque espancam seus filhos, negligenciam sua educação, sua saúde, sua vida ou integridade, negam-se a tratarem-se da dependência química, expõe suas crianças a situações de grande perigo, a lei garante a essas crianças o direito de serem criadas e educadas por outros pais que cumpram esses deveres.
A adoção não é buscar crianças para pais inférteis. É buscar pais para essas crianças que estão crescendo e se desenvolvendo sem referência do que seja um lar amoroso e seguro.Tanto é assim que não se exige para habilitação no cadastro de adoção que o interessado seja infértil. Qualquer pessoa, casada ou solteira, que tenha ou que possa ou não ter filhos biológicos, independente de sua classe social, pode adotar.O que se exige é que demonstre condições psicossociais para exercer a maternidade/paternidade responsável.Adoção é ato de amor incondicional, conforme preconizado recentemente pela campanha da assembleia legislativa do Estado de Santa Catarina, apoiado pelo Poder Judiciário e Ministério Público.
Viver em família é um direito da criança.Condená-la a viver em uma situação de constante risco de saúde, de vida, de problemas emocionais apenas para garantir o direito de pais biológicos que não cumprem seus deveres é uma enorme crueldade e afronta aos nossos direitos legais.Da mesma forma que manter uma criança indefinidamente em uma instituição esperando a (im)provável recuperação de quem, muitas e muitas vezes não quer se tratar ou prefere continuar agindo da mesma forma que levou ao afastamento do filho de casa, me parece infringir todos os direitos fundamentais desta criança, colocando-a novamente na posição de objeto e não de pessoa.
O criminoso que comete o mais abominável dos delitos tem seus direitos assegurados. Afastado do convívio social, sabe o tempo da sua pena.A criança vítima de maus-tratos, negligência ou abandono por seus pais, é retirada da casa que conhece, perde os amigos, a escola, perde todas as suas referências. É levada para uma instituição aonde não tem autonomia. Passa a conviver e ser criada por estranhos que muitas vezes, em razão do número de crianças ou até por inabilidade com a função que exerce, nunca vai dispor do tempo que essa criança necessita.Não sabe quanto tempo permanecerá ali em eterna espera.
As vezes acontecem muitas saídas e muitos retornos porque sua família biológica não acordou e comete os mesmos erros ou até mais graves.Pode permanecer ali toda sua infância e adolescência.Até que aos 18 anos as portas da instituição se abrem e ela tem que sair. Para onde? Para quem? Ninguém.Você iria querer isso para você?Pense bem.
*ANA PAULA AMARO SILVEIRA, Vice-Presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, magistrada no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
A adoção é uma instituição tão antiga quanto a própria história da humanidade.Praticamente todos os povos, desde a antiguidade, acolheram crianças geradas por outros, como sendo seus filhos naturais.Uma das histórias mais conhecidas é a de Moisés, adotado pela filha do imperador egípcio após resgatá-lo de um cesto que boiava no rio Nilo.
O instituto da adoção perdurou ao longo da história porque sempre houve crianças que não puderam conviver com suas famílias biológicas pelos mais diversos motivos, muitos deles específicos da cultura e época de um povo e outros que sempre existiram: rejeição da família biológica ou a morte dos pais.
Fato é que após um período de desuso na idade média, a adoção retornou na época de Napoleão. Neste período e durante muito tempo, crianças e adolescentes mudavam para casa de outras famílias, mantendo os laços com sua família de origem. Em troca de abrigo, comida e a possibilidade de educação, desempenhavam tarefas domésticas ou como aprendizes.Quando a família biológica, por razões financeiras não podia sustentá-los, deixavam seus filhos em orfanatos aonde seriam alimentados, enquanto a família buscava se reerguer, mas não podiam ser adotados.
No Brasil, havia os filhos de criação. Crianças de famílias mais necessitadas que recebiam casa e comida e, em troca, prestavam serviços.
Todas essas situações não correspondem a adoção.Contudo, muitas pessoas, principalmente os menos esclarecidos sobre os reais objetivos e os atuais princípios que regem a adoção na atualidade, mantém essa ideia distorcida como se esses dados ainda representassem a realidade.
O Código Civil de 1916, mesmo sendo um avanço na questão do regramento deste instituto, também serviu para reforçar uma ideia de adoção como família de segunda categoria.Somente se autorizava a adoção para adotantes que não tivessem filhos legítimos ou legitimados.O foco era dar filhos a quem não pudesse gerar. Os pais biológicos entregavam seus filhos a quem quisessem. E os filhos adotivos não tinham os mesmos direitos que os filhos naturais.
Tudo isso gerou uma discriminação sobre a adoção, até então ligada à satisfação dos interesses unicamente dos adultos.Longa foi a trajetória evolutiva do instituto da adoção no Brasil, o que pode justificar a existência de algumas poucas pessoas desavisadas das mudanças de paradigmas na área da infância e juventude, reforçadas pela Constituição de 1988.
Nossa legislação dispõe que é direito da criança e do adolescente viver em família seja ela natural ou substituta, sendo filho, sem qualquer discriminação, com todos os direitos, de ser criado e educado com dignidade.Com o advento do Estatuto da Criança e do adolescente, após o Brasil ter assinado a convenção Internacional dos Direitos da Criança, a adoção deixou de ter um caráter assistencialista, como também o foco não é mais o interesse dos adotantes, mas sim da criança.
O Estatuto veio reforçar o que nossa Constituição já declarava em seu artigo 227: “filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, tem os mesmos direitos e qualificações, “proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Foi a partir desse período que o foco passou a ser a criança porque se reconheceu que ela não é objeto de propriedade/posse da família natural, que dela poderia dispor como quisesse, tampouco um objeto de desejo de quem buscava por um filho.
Foi reconhecido que a criança, para poder crescer e se desenvolver de forma saudável, física, mental e emocionalmente, necessita mais do que casa e comida. Necessita de cuidados. Como seres emocionais que somos precisamos de afeto e da sensação de pertencimento. Pertencer a uma família, sermos especialmente amados por alguém que cuide, proteja, ampare. O “poder familiar” não é um direito do adulto sobre a criança. É um dever previsto em lei. Assim como também prevê a lei os casos em que o adulto perde o poder familiar sobre a criança, que tem seus direitos garantidos, sendo eles: o direito à vida, à saúde, à integridade física e emocional, à educação, à profissionalização, à crescer e se desenvolver livre da convivência com pessoas dependentes químicas.
Nessa caminhada talvez os mais incautos não tenham se atentado ao fato de que hoje é preceito constitucional o direito da criança de ser cuidada e que nossa legislação confere deveres aos pais para assegurar esse crescimento de forma saudável. Assim, se pais adultos e capazes que são, não cumprem esses deveres, seja porque espancam seus filhos, negligenciam sua educação, sua saúde, sua vida ou integridade, negam-se a tratarem-se da dependência química, expõe suas crianças a situações de grande perigo, a lei garante a essas crianças o direito de serem criadas e educadas por outros pais que cumpram esses deveres.
A adoção não é buscar crianças para pais inférteis. É buscar pais para essas crianças que estão crescendo e se desenvolvendo sem referência do que seja um lar amoroso e seguro.Tanto é assim que não se exige para habilitação no cadastro de adoção que o interessado seja infértil. Qualquer pessoa, casada ou solteira, que tenha ou que possa ou não ter filhos biológicos, independente de sua classe social, pode adotar.O que se exige é que demonstre condições psicossociais para exercer a maternidade/paternidade responsável.Adoção é ato de amor incondicional, conforme preconizado recentemente pela campanha da assembleia legislativa do Estado de Santa Catarina, apoiado pelo Poder Judiciário e Ministério Público.
Viver em família é um direito da criança.Condená-la a viver em uma situação de constante risco de saúde, de vida, de problemas emocionais apenas para garantir o direito de pais biológicos que não cumprem seus deveres é uma enorme crueldade e afronta aos nossos direitos legais.Da mesma forma que manter uma criança indefinidamente em uma instituição esperando a (im)provável recuperação de quem, muitas e muitas vezes não quer se tratar ou prefere continuar agindo da mesma forma que levou ao afastamento do filho de casa, me parece infringir todos os direitos fundamentais desta criança, colocando-a novamente na posição de objeto e não de pessoa.
O criminoso que comete o mais abominável dos delitos tem seus direitos assegurados. Afastado do convívio social, sabe o tempo da sua pena.A criança vítima de maus-tratos, negligência ou abandono por seus pais, é retirada da casa que conhece, perde os amigos, a escola, perde todas as suas referências. É levada para uma instituição aonde não tem autonomia. Passa a conviver e ser criada por estranhos que muitas vezes, em razão do número de crianças ou até por inabilidade com a função que exerce, nunca vai dispor do tempo que essa criança necessita.Não sabe quanto tempo permanecerá ali em eterna espera.
As vezes acontecem muitas saídas e muitos retornos porque sua família biológica não acordou e comete os mesmos erros ou até mais graves.Pode permanecer ali toda sua infância e adolescência.Até que aos 18 anos as portas da instituição se abrem e ela tem que sair. Para onde? Para quem? Ninguém.Você iria querer isso para você?Pense bem.
*ANA PAULA AMARO SILVEIRA, Vice-Presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, magistrada no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
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