terça-feira, 30 de dezembro de 2014

HISTÓRIAS DE AMOR: EXCEÇÕES NOS CASOS DE ADOÇÃO, DOIS MENINOS PASSARÃO O NATAL COM AS NOVAS FAMÍLIAS


23/12/2014
Luiza Martin
luiza.martin@an.com.br
Um novo ano, dois recomeços
A adoção tardia, quando ocorre depois dos três anos, poderia ser chamada de "adoção ainda em tempo de ser e fazer feliz"
Levou quase um ano de espera, mas o presente de Natal de Guilherme chegou, em forma de mãe e pai, para recomeçar uma história que começou às avessas. A carta, escrita aos oito anos e remetida ao Papai Noel, ganhou a aposta com a realidade. Neste Natal, ele faz parte de uma nova família, depois de viver três anos em um abrigo de Florianópolis.
Assim como ele, o garoto R.C., em 2014, passará as festas de fim de ano longe do abrigo joinvilense em que morava. Crianças como eles provocam o recomeço de famílias catarinenses, em um processo chamado "adoção tardia" - que bem poderia ser rebatizada de "adoção ainda em tempo de ser e fazer feliz".
Gui e R.C. foram resgatados de suas famílias de origem. Moraram em abrigos de forma transitória, até que o vínculo familiar fosse permanentemente rompido. Vivendo situações de abuso e descaso, os meninos foram tirados definitivamente de situações de risco pelas mãos da justiça. Entraram em abrigos como testemunhas da violência, encontrando um destino melhor na adoção tardia.
— É uma adoção de crianças maiores, e nunca é tarde para acontecer — esclarece a assistente social da Vara da Infância e da Juventude de Joinville, Olindina Krueger.
Embora não seja tarde, para algumas crianças que vivem nos abrigos a adoção pode nunca acontecer. É o caso dos adolescentes: jovens com mais de 13 anos tornarem-se parte de novas famílias são raras exceções.
Personagem desta matéria, R.C. foi a criança mais velha a ser adotada em Joinville em 2014: ele tinha 10 anos. A partir dos cinco anos, os nomes passam a integrar um cadastro internacional de adoção, diante da escassez de famílias interessadas em um perfil etário que foge ao dos recém-nascidos e das crianças pequenas.
Casais com idade acima dos 30 anos formam o perfil mais comum de interessados na adoção tardia. Muitos deles estão no segundo casamento, e procuram ser pai e mãe na formação de um novo núcleo familiar.
Ainda existem pelo menos duas ideias pré-concebidas que a assistente social ajuda a desmentir. Uma delas é a de que todas as crianças querem ser adotadas.
— Cada uma reage de um jeito. O mais comum é elas desejarem ser adotadas quando começam a entender a situação — explica — Temos que respeitar o momento e o desejo da criança. Ela precisa estar apta emocionalmente.
A outra ideia que precisa ser desmistificada é a de que toda criança chega recém-nascida aos abrigos. Que a desmintam Gui e RC, e suas histórias.
"Eu quero uma família muito legal..."
— ... e um irmão e uma irmã — escreveu Guilherme, no dia 28 de novembro de 2013.
Com um texto de quem ainda não conhecia vírgulas, o menino reuniu os nomes de todos de quem sentiria saudade ao fazer um pedido especial ao Papai Noel, já com tom de despedida do abrigo.
Na lista de presentes, o carrinho de controle remoto veio depois dos novos irmãos. Assim, ele teria a companhia de quatro, já que vivia no abrigo em Florianópolis com seus dois irmãos biológico. Para finalizar a lista de desejos, pediu:
— Eu quero ir para casa.
Falar da carta escrita pelo filho há pouco mais de um ano deixa o jornalista Reginaldo dos Santos com a voz abafada. Quando se mudaram de Joinville para Florianópolis, ele e sua esposa, Marisete de Oliveira, resolveram adotar uma criança. Entraram na fila, onde ficaram por apenas 11 meses. Querer uma criança de mais idade foi crucial para a aceleração do processo.
— Isso já nos colocou na frente, na ponta — conta ele, que procurava um filho de cinco a
nove anos, independentemente de etnia ou do sexo.
Enquanto Guilherme escrevia a carta, Reginaldo e Marisete planejavam a mudança para Florianópolis. Ela, aos 49 anos, tem uma filha do primeiro casamento. Reginaldo também já foi casado, mas, aos 48 anos, ainda não havia realizado o sonho de ser chamado de pai. A vontade de ter filhos só cresceu ao longo dos 14 anos que o casal está junto e ficou ainda mais forte quando ela teve duas gestações interrompidas, uma delas de gêmeos.
Nem Marisete nem Reginaldo pretendiam deixar Joinville. O trabalho com jovens da igreja freava a mudança em busca de um desafio profissional. O assessor de imprensa chegou a perguntar a Deus se deveria aceitar a proposta.
A resposta veio no dia 27 de outubro de 2014, com a guarda provisória de Guilherme.
O garoto é manézinho, nascido em São José. Fala "avacalhou", "esculhambou" e "baita". A mãe biológica perdeu a guarda dos três filhos, que não puderam permanecer com nenhum familiar próximo, pois ela encontrava os meninos, tirava-os da escola e sumia com eles. Nada disso assustou o casal.
— Independentemente da história de vida, era ele — acreditou Marisete.
R.C., o menino mais velho
R.C. é o primogênito de quatro filhos, três meninos e uma menina. A justiça decidiu tirar a guarda da família biológica quando o caçula, ainda recém-nascido, foi internado às pressas por causa de uma interrupção intestinal. Ao entrar na casa da família, o cenário que o Conselho Tutelar encontrou entre as crianças ia do piolho à desnutrição.
Os meninos, recém-nascidos, foram adotados logo. R.C. esperou até os dez anos. Metade de sua vida, passou no abrigo em Joinville. A primeira metade, na casa do pai presidiário e da mãe dependente química. O décimo primeiro ano de vida, ele comemorou ao lado de seus novos pais, o corretor de imóveis Vivaldo Bordin Júnior, 57 anos, e a funcionária pública Nilza Helena da Silva Vilhena, 51.
A ideia do casal nem sempre foi adotar uma criança mais velha - queriam um menino de dois a seis anos. Mas, depois de participar do curso preparatório para adoção, Nilza refletiu.
— E aos outros, quem vai dar uma oportunidade? Todo mundo quer bebezinho — questionou ela.
Em setembro de 2013, o casal iniciou o processo. Em menos oito meses, ganharam a guarda provisória de R.C.
O primeiro encontro aconteceu no dia 10 de abril. E "foi tenso", na definição de Vivaldo, pois teve a presença da psicóloga e da assistente social. Outro motivo de tensão para os futuros pais era o de não ser compatível com as expectativas do menino.
— Lá dentro, eles montam o sonho de cada um. Nessa idade, idealizam muito. Acreditam em Cinderela, em um mundo ideal. Tem criança que quer a própria família arrumada, e não outra — lembra Nilza.
Nilza e Vivaldo tentaram adotar a irmã de R.C., de dez anos, que ainda vive no abrigo, mas ela não se adaptou, justamente por desejar ter a família biológica reconstruída. Eles agora esperam o tempo da menina, mesmo que, a princípio, tivessem desejado apenas um menino. Mas se engana quem pensa que o casal se interessou pela adoção por pena ou solidariedade.
— Não tem a ver com caridade. Tem a ver com amor maduro, com dar continuidade a algo que você tem dentro de si. É dar sentido à palavra amor — diferencia Vivaldo.
R.C. foi indicado para a família Bordin-Vilhena por ser inteligente e gostar de leitura. Permanecer no abrigo "seria um desperdício de R.C", o menino mais velho a ser adotado em Joinville em 2014. A quase tudo ele responde com "Ah, tá".
— Ele usa muito esse "Ah, tá". Como sujeito, predicado, advérbio e até desculpa esfarrapada — brinca o pai.
Além de corretor e funcionária pública, os pais de R.C. são escritores. Publicaram juntos o livro de contos Meia Dúzia de Olhares. O próximo lançamento de Vivaldo e Nilza terá coautoria do filho, uma "infinitologia", que começa com uma pergunta: o que você mais gosta na casa nova?
Depois de muita dúvida, ele responde.
— Ah, tá! Gosto de brincar com a Mel e a Jade [as duas mascotes da família]. A Jade sempre tenta lamber a minha cara.
http://anoticia.clicrbs.com.br/…/historias-de-amor-excecoes…

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