23.12.14
Mariagrazia
Dra. Mariagrazia,
Fui durante 19 anos mãe de uma Rita encantadora doente de Leucemia desde os 14 anos e que nos deixou em novembro de 2004.
Eu e o meu marido ficámos completamente perdidos, a vida não fazia sentido, precisávamos de dar continuidade ao nosso papel de pais e partimos para a adoção.
Foi-nos proposto em novembro de 2006 adotar dois irmãos, um de 7 anos e outro de 9.
Vieram para nossa casa, eram muito traquinas, muito mentirosos muito maus alunos muito violentos e agressivos mas pensámos sempre que com paciência poderíamos conseguir educar aqueles meninos.
6 meses depois foi decretada a adoção plena.
O que se passou a partir daquela altura foi indiscritível, a escola do mais velho devido ao comportamento marginal dele, às faltas, à agressividade e às falsificações de assinaturas em determinada altura disseram-me que ele tinha sido sinalizado no CPCJ e que possivelmente iria ser expulso. Pedi por favor que o não fizessem pois já o tinha inscrito no Colégio Militar e se ele fosse expulso não aceitavam a matrícula.
Entretanto connosco começaram a ser violentos e agressivos, o mais velho uma vez levantou uma faca para o pai e o mais pequeno quando o tentei ajudar a fazer os trabalhos de casa agrediu-me.
Em determinada altura pedi ajuda à Segurança Social, às técnicas que tinham tratado do processo de adoção…mas fomos completamente abandonados pela Segurança Social. Aliás depois da entrega as crianças só foram visitadas por duas vezes.
A nossa frustração foi aumentando, as crianças foram-se tornando dois rapazes que ninguém queria por perto, roubavam e tratavam mal toda a gente… os amigos e a família desapareceram.
Na ausência de ajuda pela Segurança Social os meus filhos foram ambos acompanhados por pedopsiquiatras, fizeram tudo o que há de medicação para hiperatividade com défice de atenção, ambos mentiram aos médicos e a última reação, do mais pequeno, foi a agressão a um professor e duas agressões a mim. Os médicos desistiram deles, disseram que eles precisavam de Colégio Interno. O mais velho acabou por ir para o Colégio Militar, de onde foi expulso, o mais pequeno foi para um colégio pequenino, com uma turma por cada ano e a Diretora do Colégio como era homeopata andava a tratar dele com produtos homeopatas…creio que só por esse motivo é que ele ainda não foi expulso do Colégio.
No dia 7 de novembro fomos à CPCJ, a partir dessa data a situação em casa e na escola dos dois menores agravou-se substancialmente. O mais pequeno não tinha qualquer respeito por nada nem por ninguém, continuou na provocação de tudo e de todos e agride verbalmente os professores, os auxiliares, todos quantos lhe aparecem pela frente. No entanto como era o pai que o deixava e ia buscar ao Colégio ele tinha menos oportunidades para por em práticas as suas “fugas”. No entanto a Escola Segura foi chamada ao Colégio, pela forma desordeira como ele está tanto no recreio como nas aulas.
Em relação ao mais velho tudo piorou, no mesmo dia em que saiu da reunião, saiu de casa deixando um papel dizendo que ia sair com a namorada, ia para a Alameda e jantava fora, saía vezes sem conta, não explica nem para onde ia nem de onde vinha, diz que “não temos nada a ver com a vida dele”. Depois de termos recebido uma denúncia de que ela tinha estado na nossa casa com uma rapariga, colocámos uma corrente de segurança com fechadura que ele arrombou, foi comunicado o arrombamento à Polícia. No dia do seu aniversário, envergava roupa nova, casaco, calças, ténis e chapéu, nada daquilo tinha sido comprado com o nosso dinheiro, mais uma vez a Polícia foi chamada ele justificou que tudo lhe havia sido dado como presente “Por pessoas que gostavam dele”.
Num final de semana, depois de se recusar a sair com o pai foi de novo chamada a Polícia, acabou por passar o fim-de-semana com o pai. Entretanto apareceu com um telemóvel topo de gama, comprado por ele… gastou 150€, nós não lhe demos esse dinheiro… de onde vinham estes presentes? Começámos a estar muito desconfiados…
As ameaças de morte passaram a ser uma constante… passámos a dormir com a porta do quarto fechada, tínhamos medo deles.
Entretanto houve outra reunião no CPCJ, 30 de Novembro de 2012. Foram retirados à família adotiva e colocados em CAT.
Foi o fim daqueles meninos o internamento no CAT, ambos se tornaram marginais. O mais pequeno foi para Centro Educativo com 7 crimes e abandono escolar o mais velho com 23 crimes, roubo, prostituição, tráfico de droga, violência com uma namorada, pornografia infantil… disse em tribunal que não queria continuar a viver no seio da família adotiva.
Presentemente não visitamos o mais velho, nunca visitámos, a última vez que nos encontramos ele disse-me que não fazia nada de mal, fazia o mesmo que os amigos faziam e as famílias não se importavam nada. Disse-me na minha cara que ia ser rico e que ainda ia mandar pregar um tiro na cabeça do pai e outro na minha.
O mais pequeno quer muito a nossa presença, vamos visitá-lo aos fins-de-semana e mantemos contatos diários por telefone, sairá do Centro Educativo em Setembro do ano que vem.
Vem este ano passar o Natal conosco…
Estou aterrorizada com medo que ele fuja… e estamos como já lhe disse completamente sós, a família desistiu do nosso drama…
Sabe Dra. Mariagrazia, já me arrependi amargamente desta adoção.
Obrigada por me ouvir. FF.
Cara FF.,
Falar sobre a adoção é sempre uma vivência carregada de emoção por envolver sentimentos profundos de afeto e principalmente por se tratar de crianças. Toda a relação humana é organizada, mediada, tanto por fatores conscientes quanto inconscientes e, portanto, dentro das relações que se estabelecem no processo de adoção também ocorre a interferência de fatores inconscientes, cujo reconhecimento e conscientização promovem a saúde psíquica.
O que está a viver é como uma jornada de herói, uma sina com uma adoção e seus filhos adotivos, que no fundo precisam de afeto mas por algum bloqueio emocional não conseguem fazer um vínculo com os pais adotivos e vivem numa contestação destrutiva sem conseguir encontrar um equilíbrio saudável.
Penso que essas crianças precisam de acompanhamento psicológico para que possam resgatar a mãe biológica com quem perderam o elo e através de si poderem ser ajudados a resgatar a própria identidade. Esse processo envolve uma busca interior e uma mediação de ajuda psicológica.
Pense que de uma maneira natural essas crianças chegaram até si e de uma maneira natural irá dar um acompanhamento possível. Não tenha medo. Pelo que refere são uma família corajosa, de valores humanos saudáveis e certamente saberão dar-lhe o acolhimento afetivo necessário para que ele possa se sentir acolhido e aos poucos desbloquear seus impedimentos e reforçar o vínculo convosco. Quanto ao mais velho, parece que por enquanto é difícil melhorar a ligação. De qualquer maneira não se arrependa, fez o possível e nem sempre somos bem sucedidos nas nossas andanças mas nem por isso somos menos íntegros.
Um abraço! Um Feliz e sereno Natal e um excelente 2015 !
http://consultoriodepsicologia.blogs.sapo.pt/arrependida-da…
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