18/12/2014
Diário da Manhã
Gilson Vasco
A legislação precedente ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o chamado Código de Menores, apesar de ter sido um avanço no zelo pela criança e adolescente, tinha realmente um caráter discriminatório, isto é, associava a miséria à delinquência, ao mesmo tempo em que camuflava os reais motivos dos problemas vividos pelas crianças, bem como por seus familiares. A desigualdade social, somada à falta de alternativas melhores de vida fazia com que as crianças de baixa renda fossem taxadas de inferiores e, por conta disso, deveriam ser protegidas pelo Estado. Deveriam. Existia uma ideia imbecil, idiota e retrógrada de que os sujeitos mais carentes apresentassem uma conduta arbitrária aos padrões sociais, ou seja, disposição natural à desordem social e, por isso, futuramente desenvolveria a falta de civismo, de ética e a imoralidade, não conseguindo, portanto, se adequar à vida em sociedade. Diante desses argumentos usados pelo Estado, as crianças enquadradas nessa classe social tida como “inferiores, miseráveis ou delinquentes”, eram vítimas da falta de proteção, principalmente por parte do Estado.
Mesmo com a criação do Código de Menores, as atrocidades cometidas às nossas crianças de todas as regiões brasileiras, pela própria instituição que, na verdade, deveria protegê-las, a qualquer custo, a adoção de crianças a estrangeiros, muitos dos quais, possivelmente, estariam mais preocupados com a extração dos órgãos vitais das crianças que a intenção de melhorar o padrão de vida do adotado se prolongou por muito tempo.
Em 13 de julho de 1990, dois anos após a promulgação e sanção de uma nova Constituição Federal, a de 1988, surgiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, documento oficial de amparo legal às crianças e aos adolescentes, haja vista que o Código de Menores passou a ser incompatível com os princípios da nova Constituição Federal.
Assim, podemos dizer que a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente foi graças à participação popular. É uma prova concreta de que a participação dos movimentos sociais que representam a sociedade civil deste País reflete nas mudanças benéficas à sociedade.
Todavia, com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, muita coisa melhorou, a criança e o adolescente deixaram de ser menores infratores e passaram a ser considerados sujeitos de direitos, mas grande parte de nossas crianças e adolescentes ainda vivem a mercê do descaso. Muitos direitos da criança e do adolescente ainda são negados, isto é, muitas crianças e muitos adolescentes são descaradamente ignorados por muitos gestores brasileiros. E pensar que este mesmo País signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 1989, continua de olhos fechados para suas próprias crianças! Que ironia!
Em pleno século XXI e mesmo com diversos códigos de leis de amparo legal às crianças e aos adolescentes como Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, lei fundamental e suprema do Brasil; Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei 8.069, no dia 13 de julho de 1990, documento oficial que substituiu o Código de Menores, de 1927 e suas poucas ratificações; Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, tratado internacional, o qual o Brasil é signatário; Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 20 de dezembro de 1996 que, apesar de ser criada para definir e regularizar todo o sistema de educação brasileiro, de certo modo, volta-se, prioritariamente, às crianças e aos adolescentes, por serem classes regulares em idade escolar, grande parte dessa classe juvenil ainda se encontra desamparada pelo poder público.
O inciso V do artigo 53, do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que o Estado deve garantir a criança e ao adolescente “acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência”. Diante dessa formalidade, é bom que se pergunte: O Estado tem cumprido o Estatuto da Criança e do Adolescente? As crianças e os adolescentes vêm realmente sendo amparados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ou o documento oficial é simplesmente mais um conjunto de leis como tantos outros feitos pelos parlamentares brasileiros apenas como enfeites demonstrativos?
Todos os dias os canais de comunicação em massa divulgam milhares de casos de crianças e adolescentes pelo Brasil que são alvos de maus-tratos. E para sabermos disso nem precisava a revelação dos fatos pela mídia, vemos isso a olho nu todo o tempo e, pior, em todos os lugares! Salvas as exceções, o poder público brasileiro é omisso em relação ao amparo de nossas crianças e adolescentes. Mas não vamos viajar pelo Brasil não, tampouco pelo Estado goiano, ficaremos aqui mesmo em Goiânia, onde moro, pois o descaso também com as classes infanto e juvenil acontece muito por aqui.
Caso alguém tenha alguma dúvida em relação ao não cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente basta começar a observar o estado de abandono em que se encontram milhares das nossas crianças e adolescentes goianienses. Vejam, por exemplo, a peça pregada por muitas autoridades governamentais às milhares de crianças e aos milhares de adolescentes goianienses de famílias de baixa renda, deixando-os num cenário vergonhoso, do ponto de vista social, moral e ético.
Como eu disse, o inciso V do artigo 53, do Estatuto da Criança e do Adolescente que veio para assegurar, na prática, o acesso à escola pública e gratuita próxima à moradia das crianças e dos adolescentes não passa de uma teoria. Pensa, por exemplo, nos novos bairros construídos nas regiões periféricas da metrópole, nos últimos anos, para abrigar milhares de famílias de baixa renda.
(Gilson Vasco, escritor)
http://www.dm.com.br/…/200915-avanco-no-zelo-pela-crianca-e…
Nenhum comentário:
Postar um comentário