18.12.2014
Por Denise Fraga
Depois de anos a fio tentando engravidar, tratamentos sofisticadíssimos e muito medo de encarar a vida de frente, Catarina tomou coragem, olhou nos olhos de seu velho amado e fez a pergunta:
- Vamos adotar uma criança?
Ele nunca tinha tocado em tal possibilidade. Eles se amavam muito, eram cúmplices, mas esse terreno parecia minado. O número de investidas em tratamentos, com tantas esperanças esvaídas em sangue, já parecia ser em si um não à pergunta secreta que ela nunca permitiu que lhe saísse da garganta. Mas os anos estavam passando e Catarina não quis mais deixar a vida passar. Falou. Forte e lúcida.
A pergunta estalou no ar e, ao ouvi-la, ele chorou. Também ele nunca teve coragem de perguntar o que ela não tinha coragem de perguntar. Simples assim. Absurdo assim. E ao ouvir em voz alta a pergunta secreta, a vida se abriu em possibilidades. Voltaram a fazer amor sem resquícios científicos, esperando o bebê chegar. Tiago chegou um ano depois, já menino. Um lindo molequinho negro de 3 anos de idade. Foram para as cabeças sem exigir nada. Se inscreveram na universidade do amor e esperaram seu filho sem medo.
Na semana passada, participei de um programa de entrevistas cujo tema era adoção e me lembrei muito dessa história. No debate, estava uma moça com um particular brilho no olhar. Ela e seu marido tinham adotado um menino e, depois de alguns meses, o telefone tocou perguntando se eles não queriam também ficar com mais dois. Gêmeos. Em um ano, viraram uma família de cinco. Fabiana, então escreveu um livro infantil chamado Nascer É Assim Também para ajudar seus pequenos a compreender essa história. O livro é uma graça e não para de ser procurado por mais e mais famílias que andam por aí ensinando sobre amor. Mas o que mais me chamou a atenção em Fabiana foi sua clareza e leveza. Uma pessoa disponível para o amor, sem medo e com absoluta certeza de que seus filhos eram seus desde sempre, desde que nasceram em outro lugar, para acabar chegando ao seu colo.
A plenitude de Fabiana era tanta que espalhava a ideia de que a Grande Mãe Terra gera mesmo seus filhos independentes de suas mães. Fabiana não tinha filhos de criação. Ela, sim, era uma mãe adotada pelo cosmo para conduzir os seus pequenos. Como Catarina, que, sem saber, já trazia seu embrião na pergunta secreta trancada na garganta. Como todas nós, quando ainda brincávamos de casinha.
Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 17 anos, e Pedro, 15. E-mail: dfraga.colunistas@edglobo.com.br
http://revistacrescer.globo.com/…/2014/12/teu-filho-meu.html
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