quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

LICENÇA PARA ADOTANTES: ALÉM DE DIREITO, UMA NECESSIDADE


Walter Gomes de Sousa*
A notícia de que pais adotivos (gênero masculino) têm obtido o direito de usufruir de licença, à semelhança das mães biológicas e adotivas, para cuidar de seus filhos tem gerado discussões acaloradas sobre a razoabilidade ou não dessa concessão. Os que se postam contra, fazem-no baseados em preconceitos e tabus ou desconhecimento sobre o que significa exercício parental adotivo.
A sociedade hodierna tem avançado na compreensão e aceitação dos novos arranjos e desenhos familiares e na certeza de que não é mais possível, nem crível, manter a sacralização de um modelo biparental e heteronormativo que deixou de ser exclusivo, pois a evolução das tradições, dos costumes, das relações afetivas e das crenças sociais tem modelado novos paradigmas no âmbito da dinâmica familiar. Têm-se famílias heterossexuais, homoafetivas, monoparentais, reconstituídas, mosaicas, etc. Não há que se falar que apenas um desses modelos é o mais legítimo ou mais adequado. O que de fato garante a legitimidade e a adequação é a indiscutível presença da afetividade e da afinidade, que são as principais e inigualáveis variáveis de aglutinação emocional e constituição de vínculos.
Hoje, com a própria evolução e transformação do Direito e da Justiça, cidadãos e cidadãs têm se articulado sabiamente para verem atendidas determinadas pretensões e aspirações que antigamente eram tidas como verdadeiras heresias. Cito como exemplo o reconhecimento da união homoafetiva como equivalente à união heterossexual, ou o fato de que um homossexual pode acolher em guarda ou adoção uma criança.
A recente novidade de pais adotivos (gênero masculino) estarem obtendo provimento à reivindicação de usufruírem de licença, tal qual a genitora biológica ou mãe adotiva, para se dedicarem exclusivamente aos cuidados dos filhos adotados, de fato é a sinalização de que, independentemente de quem seja o cuidador (se homem ou mulher, se hetero ou homossexual, se católico ou evangélico, se negro ou branco), o direito maior é o da criança, que será beneficiária de um acompanhamento contínuo, afetivo, zeloso e responsável.
Quem milita na área da adoção entende que a criança que é adotada necessita de uma atenção diferenciada em razão de ter passado pela trágica experiência pregressa do abandono e da ruptura de vínculos com sua família biológica, o que gera toda sorte de traumas e disfunções emocionais, que requerem reorganização, superação e crescimento. Isso só será possível se a família adotiva estiver imbuída do afeto incondicional e do compromisso com o exercício pleno dos papéis parentais.
A construção de um novo vínculo afetivo-parental para uma criança adotiva não se dá instantaneamente. É algo que demanda tempo, paciência, disponibilidade, investimento e, sobretudo, amor. Não é um ato, é um processo. Não é um passo, é uma caminhada. Uma nova história de pertencimento e de amor começa a ser construída em um ambiente cercado de afetividade, proteção e carinho.
Quanto maior for o tempo e a qualidade da atenção dispensada pelos pais adotivos aos seus filhos, maior será a possibilidade de as crianças reescreverem sua história afetiva, superarem os sentimentos de menos valia e abandono e aderirem ao processo de construção e sedimentação de vínculos, com todos os benefícios e proteção resultantes disso.
A licença-adotante não deve ser interpretada como um privilégio, luxo ou capricho para os adultos, mas sim como o reconhecimento ao direito de crianças e adolescentes que foram vitimados pelo abandono familiar precoce e pelo consequente rompimento dos laços de parentesco terem a oportunidade, quando adotados, de resgatar sua autoestima e reconstruir vínculos de afeto com uma nova família.
Portanto, a citada licença-adotante, além de ser um indiscutível direito dos pais adotivos, é uma inquestionável necessidade da criança e do adolescente adotado, e isso se encontra em estrita consonância com o que preconiza o artigo 4º do ECA: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. O tempo maior que se passa ao lado de um filho é um investimento preventivo com o retorno garantido em termos de saúde emocional, equilíbrio social e felicidade familiar.
*Supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal – SEFAM/VIJ
http://www.tjdft.jus.br/…/licenca-para-adotantes-alem-de-di…

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