OPINIÃO - 24/05/2013
Lídia Weber
No dia
Nacional da Adoção, comemorado em 25 de maio, é preciso falar de
abandono e institucionalização de crianças. Em 1990, o Brasil aprovou o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considerada uma das leis
mais avançadas do mundo. Passaram-se 23 anos e a lei ainda não conseguiu
cumprir um dos direitos fundamentais, o direito de toda criança à
convivência familiar e comunitária.
Os abrigos
continuam repletos de crianças e adolescentes “filhos de ninguém”. Não
são nem mesmo filhos do Estado, pois a maioria absoluta dos abrigos do
país é mantida com escassos recursos privados. Viver em uma instituição
significa estar alijado do direito de filiação, elevando o abismo entre
as intenções das leis e a vida real. O acolhimento institucional de
crianças e adolescentes é considerado pelo ECA uma medida de proteção
excepcional e temporária para aqueles que tiveram seus direitos
violados.
Quando comecei a pesquisar este tema, em
1989, falava-se muito pouco sobre adoção e menos ainda sobre as crianças
que viviam em abrigos (chamados de orfanatos, educandários,
instituições, abrigos e agora “acolhimento institucional”...). Nos dias
de hoje, fala-se mais sobre adoção (nem sempre de maneira correta pela
mídia), mas os dados sobre as crianças que estão acolhidas
institucionalmente ainda são imprecisos.
Existe uma
carência de estatísticas em nosso país: antes do ECA, falava-se em mais
de 500 mil crianças institucionalizadas; depois esse número passou a ser
200 mil; o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) já fez
várias pesquisas - a partir de 2003 - com os abrigos: inicialmente
passou a ser divulgado que havia 80 mil crianças, depois de algum tempo a
cifra passou para 20 mil crianças. E mais recentemente, divulga-se “em
torno de” 40 mil crianças e adolescentes institucionalizados, mas
“estima-se que mais de 60 mil crianças e adolescentes estejam em
instituições” sobre as quais não há controle de funcionamento.
Apesar
de ser um recurso temporário e excepcional, mais da metade mora em
instituições há mais de dois anos, 33% entre dois e cinco anos ; 13%
entre seis e dez anos e seis por cento por um período maior que dez
anos. Embora 42% das crianças e adolescentes não mantenham nenhum
vínculo com a família de origem ou extensa, apenas 11% encontra-se
disponível para a adoção. Esses são dados oficiais. Deveria haver um
mutirão para avaliar todos os casos de crianças escondidas nas
instituições.
Em 2009, foi criado o Cadastro
Nacional de Adoção (CNA), para centralizar os adotantes e as crianças e
adolescentes “disponíveis para adoção”. A ideia é boa e prevê uma
centralização e agilização do processo. No entanto, passou a apresentar
dados enviesados, pois os supostos 40 mil abrigados desapareceram e,
agora, fala-se que há “apenas cinco mil crianças disponíveis” e mais de
29 mil adotantes. Até o momento, somente 1.899 adoções foram feitas pelo
cadastro que, de fato, não funciona como um cadastro nacional nas 2.969
Varas da Infância do país.
Alguma coisa está errada
nessa conta? De repente, não se fala mais dos outros 40 mil
institucionalizados, mais uma vez no limbo do esquecimento, uma espécie
de "caixa-dois" do abrigamento. Será que se não falarmos deles o
problema deixará de existir? Somente aquelas crianças cujos pais foram
destituídos do poder familiar é que entram no cadastro e é preciso
cuidado (não deveria ser sinônimo de morosidade) na avaliação, mas
sabe-se, por depoimentos sistemáticos, que o CNA não é alimentado
adequadamente pela maioria dos juizados do país.
Entre
outros problemas, já cansei de ouvir que a maioria dos operadores da
adoção não faz a destituição do poder familiar de milhares de crianças
porque não "têm perfil para serem adotadas”. Dados oficiais mostram que
25% dos institucionalizados não têm sequer guia de acolhimento! Cada
abrigo que tenho visitado, ou de que ouvi relatos, tem cerca de cinco a
dez por cento de crianças "disponíveis para adoção", o mesmo percentual
de duas décadas atrás quando fizemos a pesquisa que gerou o livro Filhos da Solidão.
Inclusive
após a atualização da lei que agora prevê que cada criança ou
adolescente em acolhimento institucional deve ter sua situação jurídica
reavaliada a cada seis meses por equipes técnicas e que a permanência da
criança em instituições não deve exceder o período de dois anos, exceto
em casos necessariamente comprovados! Deixar a criança em uma
instituição e não auxiliar a família de origem também não tem sentido.
As muitas matérias do mass media
sobre adoção repetem exaustivamente que a culpa é apenas dos adotantes,
que desejam um bebê ideal, e as crianças que estão no cadastro são mais
velhas. Esquecer de falar dos outros determinantes é um ato
covardemente inexato.
É importante perguntar por
que se demora tanto para alimentar o cadastro; por que ainda há milhares
de crianças institucionalizadas, se a lei assegura a convivência
familiar e comunitária; por que se faz pouca coisa para cuidar da
família de origem quando o motivo é apenas pobreza; por que se deixa as
crianças envelhecendo no sistema? Por que mesmo adotantes que desejam
crianças maiores de quatro ou cinco anos, sem preferência de cor de
pele, esperam anos nas “filas da adoção”?
Sim, é
preciso conscientizar os adotantes que o desejo por um bebê ideal não é
um direito; direito é o da criança de ter uma família. Os cursos de
preparação são obrigatórios, mas a maioria absoluta restringe-se de
três a seis palestras sobre o tema, e isso é ineficaz para mudar
comportamentos e desejos idealizados.
Tenho
compilados inúmeros relatos de pretendentes à adoção que querem, sim,
adotar crianças especiais, crianças maiores, crianças com HIV e apesar
disso amargam uma espera irritante e encontram dificuldades
incompreensíveis em algumas varas do país. Quem recebe, por fim, a
guarda de uma criança também costuma esperar de um a quatro anos pelos
papéis que legitimam a adoção! E as crianças continuam crescendo nas
instituições.
Ao contrário de países desenvolvidos
que praticamente extinguiram esses abrigos, em nosso país eles ainda
persistem incólumes, e o lento caminhar é acrescido de uma série de
dogmas e psicologismos que vão contra as pesquisas recentes sobre o
tema: "o adotante não pode visitar as instituições", "o pretendente não
pode adotar se perdeu um filho", "não pode trabalhar em um abrigo e
querer adotar", "se alguém quer adotar uma criança especial é porque
deve querer alguma coisa com isso", não pode isso, não pode aquilo.... E
as crianças continuam esperando... e sonhando.
Quando
as crianças ficam bem grandes, depois de o sistema insistir por muito
tempo em procurar qualquer parente nesse imenso Brasil, ainda que o
parente nem conheça a criança e muito menos queira ficar com ela, “até
esgotar todas as possibilidades” (todas?!!), algumas crianças entram
para o cadastro quando sua cidade está interligada com o tal cadastro...
Há algumas hipóteses sobre os fatores que
interferem na agilidade e na eficiência das decisões judiciais
relacionadas à reintegração, destituição do poder familiar ou colocação
para a adoção, que consequentemente prolongam a permanência de crianças e
adolescentes em programas de acolhimento institucional.
Entre esses fatores, destacam-se:
- a morosidade do sistema judicial;
- a comunicação insuficiente entre instituições, Poder Judiciário e Ministério Público;
- a existência de irregularidades processuais nas práticas de acolhimento;
- a sobreposição de competências e a falta de coordenação entre os diferentes profissionais que atuam no âmbito da infância e juventude;
- a falta de profissionais e recursos nas instituições e equipes técnicas do Poder Judiciário que possam atuar rapidamente na reintegração familiar quando ela é viável;
- a crença de que a manutenção do filho com sua família de origem ou extensa deve ser tentada persistentemente, mesmo quando a reintegração é arriscada ou pouco provável; e, por fim,
- a descrença de membros de equipes técnicas quanto à possibilidade de adoção de crianças mais velhas, especialmente quando elas alcançam sete anos.
- a morosidade do sistema judicial;
- a comunicação insuficiente entre instituições, Poder Judiciário e Ministério Público;
- a existência de irregularidades processuais nas práticas de acolhimento;
- a sobreposição de competências e a falta de coordenação entre os diferentes profissionais que atuam no âmbito da infância e juventude;
- a falta de profissionais e recursos nas instituições e equipes técnicas do Poder Judiciário que possam atuar rapidamente na reintegração familiar quando ela é viável;
- a crença de que a manutenção do filho com sua família de origem ou extensa deve ser tentada persistentemente, mesmo quando a reintegração é arriscada ou pouco provável; e, por fim,
- a descrença de membros de equipes técnicas quanto à possibilidade de adoção de crianças mais velhas, especialmente quando elas alcançam sete anos.
Apesar de tudo isso, há muitas famílias que
fazem dessas “adoções difíceis” um sonho possível, que mostrarei em um
próximo artigo. Os desafios que devem ser enfrentados incluem não deixar
as crianças envelhecerem nas instituições e conscientizar os
brasileiros sobre as adoções necessárias: crianças mais velhas, negras e
pardas e com necessidades especiais.
O trabalho
principal é pedagógico, de conscientização da população, e técnico,
de treinamento de profissionais que orientem e preparem pessoas
dispostas a acolher uma criança ou um adolescente, sem esquecer que é
possível fazer uma busca ativa de pretendentes. É um trabalho gigantesco
e em longo prazo, e por isso, o sistema deve apoiar e valorizar
pretendentes à adoção que mostram desejo e condições para realizar as
adoções necessárias.
ATENÇÃO
O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor e expressa sua visão sobre assuntos atuais. Os textos podem ser reproduzidos em qualquer tipo de mídia desde que sejam citados os créditos do autor. Edições ou alterações só podem ser feitas com autorização do autor.
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