HÁ 5,4 VEZES MAIS PRETENDENTES DO QUE CRIANÇAS APTAS À ADOÇÃO, APONTA CNJ
Bárbara Paludeti
Do UOL
De acordo com dados do CNA (Cadastro Nacional da Adoção), ferramenta
criada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2008 para centralizar e
diminuir a distância entre aqueles aptos à adoção e os pretendentes, há
5.426 crianças ou adolescentes esperando uma família e 29.440 que
esperam uma criança, o que representa um número 5,4 vezes maior. À
primeira vista, pode parecer que a conta não fecha, porém os
pretendentes exigem um perfil que não é facilmente encontrado nos
abrigos país afora.
Neste sábado (25), comemora-se o Dia Nacional da
Adoção. Se por um lado há que se comemorar a existência de uma
ferramenta como o CNA, lançado em 29 de abril de 2008 com objetivo de
agilizar os processos de adoção por meio do mapeamento de informações
unificadas, por outro, em cinco anos, foram adotados apenas 1.987
crianças ou adolescentes.
"É um número insatisfátorio, muito pouco
para um cadastro nacional. O nosso Poder Judiciário não tem
infraestrutura básica para poder suprir as necessidades da infância
abandonada, as Varas da Infância e Juventude são criadas, mas não são
instaladas. O processo é muito lento, a máquina é muito burocrática,
infelizmente", afirma o advogado e presidente da comissão especial de
direito à adoção da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil - seção São
Paulo), Antônio Carlos Berlini.
Só no Estado de São Paulo, em 2012,
foram 3.535 adoções processadas --cada processo pode ter mais de uma
criança envolvida. Em 2011, foram 3.450.
O cadastro consolida os
dados de todas as Varas da Infância e da Juventude referentes a crianças
e adolescentes em condições de serem adotados e a pretendentes
habilitados à adoção. O sistema objetiva reduzir a burocracia do
processo, pois uma pessoa considerada apta à adoção em sua comarca
ficará habilitada a adotar em qualquer outro lugar do país, mas não são
muitos os pretendentes que têm condições de viajar e passar alguns dias
em outro Estado para conhecer uma criança ou adolescente.
"Os
motivos que normalmente levam a adoção são infertilidade, evitar uma
gravidez de risco, impedimento de ter mais filhos ou criação de vínculo
afetivo com uma determinada criança", explica a assistente social e
coordenadora de um grupo de apoio à adoção de Santo André (SP), Maria
Inês Villalva.
Entre os pretendentes, 22.243 não têm filhos
biológicos, contra 7.197 que têm. "O que não deve acontecer, e
infelizmente acontece, é a adoção para fazer um obra de caridade. A
adoção é um instituto jurídico e legal que serve para dar uma família a
uma criança, e não uma criança a uma família", explica Berlini.
PERFIL EXIGIDO
Segundo dados do cadastro, 582 crianças aptas à adoção tem até seis
anos, e mais de 4.700 têm de sete a 17 anos, por outro lado, a
quantidade de pretendentes que aceita adotar crianças maiores de sete
anos é mínima. "A cultura da adoção em nosso país ainda privilegia
crianças mais novas, pois existe um entendimento de que as maiores
apresentam mais problemas e terão mais dificuldades em adaptar-se na
família adotiva", comenta Maria Inês Villalva.
De acordo com o CNA,
66,33% dos que esperam para serem adotados são pardos ou pretos. No
entanto, 32,1% dos pretendentes somente aceitam crianças brancas. "Os
números não batem, na verdade estão sobrando crianças porque nem sempre
são crianças, podem ser adolescentes, grupos de irmãos, ter problemas
físicos ou mentais, vivência de rua, distúrbios de comportamento, e os
pretendentes têm uma certa exigência. O perfil mais exigido é de uma
criança pequena, de até dois anos de idade, do sexo feminino, de pele
bastante clara, sem problemas físicos ou mentais. 'Bebês Johnson' não
existem em lista de espera", comenta o advogado.
Segundo Berlini, no
Estado de São Paulo, 93,6% dos pretendentes querem crianças de até
cinco anos, por isso, a tendência é que o número de pretendentes e
crianças aumente cada vez mais. "A lista de espera é exatamente
proporcional à exigência do pretendente. Ele pode ficar sete, oito, dez
anos, porque essas crianças não existem. Agora, se ele quiser uma
criança de nove anos negra, não fica um dia na lista de espera",
exemplifica.
Há 2.349 meninas que podem ser adotadas e 3.077
meninos, por outro lado, 32,65% dos pretendentes somente aceitam adotar
crianças ou adolescentes do sexo feminino, enquanto 9,72% somente
aceitam do sexo masculino e 59,53% são indiferentes em relação ao
gênero. "Agimos [os grupos de apoio] com muito respeito em relação ao
desejo dos adotantes, pois tem mulheres que sonham em embalar um bebê",
conta a assistente social.
Sobre o perfil dos pretendentes, "o que
deve contar é a capacidade afetiva dos adotantes, independentemente do
estado civil e da orientação sexual", explica Maria Inês. A lei não
estabelece restrição, o que determina a habilitação é o parecer dos
técnicos do Poder Judiciário (assistentes sociais e psicólogas). O
processo de adaptação e as orientações são as mesmas para quaisquer
perfis. Segundo dados do CNJ, 26.258 pretendentes são casais, 2.812 são
do sexo feminino e 370 do gênero masculino.
Quanto à idade, a
maioria se concentra na faixa etária entre 31 e 60 anos: 10.162 têm
entre 31 e 40 anos, 12.433 entre 41 e 50 e 4.007 entre 51 e 60. Sobre a
renda daqueles que estão na fila para adotarem uma criança ou
adolescente, 1.813 ganham menos de um salário mínimo; 4.072 até dois
salários mínimos; 11.825 até cinco salários e 11.162 ganham mais de
cinco salários mínimos.
18 ANOS, E AGORA?
Os adolescentes
podem ficar em abrigos até os 18 anos, passada essa idade eles são,
literalmente, colocados para fora. Segundo o CNJ, entre os adolescentes
que figuram na lista de espera, 618 tem 15 anos, 546 tem 16 anos e 503
tem 17 anos.
"A partir daí, o jovem deve caminhar com suas próprias
pernas, o que não é nada fácil para quem não tem referência de uma
família", comenta Maria Inês. "Eles são soltos na rua e dizem: 'agora
você se vira'. Essas instituições ou não têm a vontade ou não têm as
condições de preparar um adolescente para a vida lá fora. Ele vai entrar
em um subemprego, ou então não vai saber nem tomar um ônibus, já que
nunca precisou", diz o advogado.
Existem municípios que possuem
repúblicas monitoradas oferecendo a esses jovens uma retaguarda até os
21 anos, mas isso ainda acontece em poucas cidades do país.
"A gente
briga muito pela política pública em relação a essas crianças e
adolescentes que nunca serão adotados, mas que precisam ser preparados
para serem bons cidadãos. O Estado tem a obrigação legal e
constitucional de dar a possibilidade de a criança crescer e ser educada
no seio de uma outra família, mas se não acontece, precisamos de
políticas públicas", afirma Antônio Carlos Berlini.
(...)
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-numeros-do-cadastro-nacional-de-adocao
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