A CONCREÇÃO DO COROLÁRIO DA ISONOMIA ENTRE OS FILHOS: A AFETIVIDADE COMO FLÂMULA NORTEADORA
Sexta Feira, 05 de Julho de 2013.
ISSN 1980-4288
Por Tauã Verdan
Em sede de comentários introdutórios, cuida destacar que a Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, buscando promover um diálogo
entre os anseios da sociedade e as maciças modificações insertas na
sociedade, em decorrência do cenário contemporâneo, estabeleceu um
sucedâneo de alterações em valores que, até então, estavam impregnados
de aspecto eminentemente patrimonial. Nesta senda, denota-se que as
disposições legais que norteavam as relações familiares, refletindo os
aspectos característicos que abalizavam a Codificação de 1916, arrimada
no conservadorismo, estavam eivadas de anacrocidade, não mais
correspondendo aos desejos da sociedade. Por oportuno, cuida evidenciar
que o ideário de igualdade, enquanto flâmula orientadora, tem o condão
de obstar as distinções entre filhos, cujo argumento de fundamentação é a
união que estabelece o liame entre os genitores, casamento ou união
estável, além de repudiar as diferenciações alocadas na origem biológica
ou não. Ora, com a promulgação da Carta de 1988, verifica-se que o
Constituinte, sensível ao cenário contemporâneo apresentado, bem como
impregnado pela mutabilidade, passou a valorar as relações familiares
enquanto emolduradas pelo aspecto de afetividade
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: O ASPECTO DA MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA EM RELEVO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela,
patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto
multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos
plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua
estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos
de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso
salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em
preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos.
Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço
imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova
sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida hastear como
flâmula de interpretação o "prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi
societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito',
tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse
binômio mantém"(1). Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma
interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas
balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o
fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem
inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade
vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das
regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é
assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão,
qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei
de Talião("Olho por olho, dente por dente"), bem como para evitar que
se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais,
com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação
do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem
do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,
há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau,
ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF,
"o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece,
nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza"(2). Como bem
pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e
imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que
reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção
pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de
consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais
da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan,
"esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca
do valor atribuído aos princípios em face da legislação"(3). Destarte, a
partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto
central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta
tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço
normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis.
Diante de tais ponderações,
ressaltar se faz imperioso que com a inauguração de uma visão civilista,
consolidada, maiormente, com a construção e promulgação do Estatuto de
2002, certos valores que, em momento passado, tinham amplo e farto
descanso, já que eram a substancialização das características da
sociedade dos séculos XIX e XX, não gozam de sedimento para se nutrir
nem sustentáculos robustos para justificar sua manutenção. Ao reverso,
passaram a ser anacrônicos e dispensáveis, sendo, por extensão,
substituídos por uma gama de novos corolários e baldrames, que refletem a
realidade vigente, abarcando os aspectos mais proeminentes da
coletividade.
Neste diapasão, calha sublinhar, com grossos traços,
que o Diploma em apreço abarcou tanto premissas de cunho
patrimonialista, oriundas do antigo Códex de 1916, como a visão
humanitarista e social preconizada e substancialmente valorizada pela
Carta Magna, baseando-se nos valores da pessoa humana, da criança, do
adolescente, do idoso, do consumidor, do deficiente e da família. Desta
feita, cumpre afirmar que maciças foram as alterações trazidas pela Lei
N°. 10.406/2002 que, praticamente, todos os ramos que o constituem
sofreram grandes mudanças, dentre os quais está à parte dos Contratos.
Denota-se também a relevante valoração de certos mandamentos e preceitos
que em outros tempos foram renegados a uma segunda categoria, dentre os
quais o princípio da solidariedade familiar, da pluralidade das
entidades familiares e da isonomia entre os cônjuges/companheiros, sem
olvidar da igualdade entre os filhos.
2 A VALORAÇÃO DOS PRINCÍPIOS: A INFLUÊNCIA DO PÓS-POSITIVISMO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Ab initio, tendo como pilares de apoio as lições apresentadas por
Marquesi(4) que, com substancial pertinência, dicciona que os postulados
e dogmas se afiguram como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o
primeiro momento da existência de algo. Nesta trilha, há que se gizar,
com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades
fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e
valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação
concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico às nuances e
particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva,
por conseguinte, com a valoração dos princípios vedar a exacerbação
errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as
questões.
Com supedâneo em tais ideários, salientar se faz patente
que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são
responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas
vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do
Ordenamento Jurídico. Desta sorte, insta obtemperar que "conhecê-los é
penetrar o âmago da realidade jurídica. Toda sociedade politicamente
organizada baseia-se numa tábua principiológica, que varia segundo se
altera e evolui a cultura e modo de pensar"(5). Ao lado disso, em razão
do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de
maneira robusta, adequando-se a realidade vigorante em cada Estado, ou
seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada
população. Entrementes, o que assegura a característica fundante dos
axiomas é o fato de estarem alicerçados em cânones positivados pelos
representantes da nação ou de regra costumeira, que foi democraticamente
aderida pela população.
Nesta senda, os dogmas que são
salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de
elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais
versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies
normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado,
com fortes cores e traços grosso, há que se evidenciar que tais
mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, "preceitos que
exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as
demais, que desdobram de seu conteúdo"(6). Os corolários passam a
figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que
compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de
Tovar(7). Com efeito, essa concepção deve ser estendida a interpretação
das normas que integram ao ramo Civilista da Ciência Jurídica, mormente o
Direito das Famílias e o aspecto afetivo contido nas relações firmadas
entre os indivíduos.
Em decorrência de tais lições, destacar é
crucial que o Código de 2002 deve ser interpretado a partir de uma luz
emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal
de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma
imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e
exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao
aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal
afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a
interpretação das normas atinentes ao Direito das Famílias. Com o
alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal
assunto, com o intento de afasta qualquer possível desmistificação, com o
fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca
do tema.
3 A CONCREÇÃO DO COROLÁRIO DA ISONOMIA ENTRE OS FILHOS: A AFETIVIDADE COMO FLÂMULA NORTEADORA
Em sede de comentários introdutórios, cuida destacar que a Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, buscando promover um diálogo
entre os anseios da sociedade e as maciças modificações insertas na
sociedade, em decorrência do cenário contemporâneo, estabeleceu um
sucedâneo de alterações em valores que, até então, estavam impregnados
de aspecto eminentemente patrimonial. Nesta senda, denota-se que as
disposições legais que norteavam as relações familiares, refletindo os
aspectos característicos que abalizavam a Codificação de 1916, arrimada
no conservadorismo, estavam eivadas de anacrocidade, não mais
correspondendo aos desejos da sociedade. Nesta toada, é possível pontuar
que, com clareza solar, o artigo 227 da Constituição Federal, em seu
parágrafo 6º, hasteia o princípio da isonomia entre os filhos, afixando
que "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação"(8). Por oportuno,
cuida evidenciar que o ideário de igualdade, enquanto flâmula
orientadora, tem o condão de obstar as distinções entre filhos, cujo
argumento de fundamentação é a união que estabelece o liame entre os
genitores, casamento ou união estável, além de repudiar as
diferenciações alocadas na origem biológica ou não. "Não há mais, assim,
a possibilidade de imprimir tratamento diferenciado aos filhos em razão
de sua origem. Sequer admite-se qualificações indevidas dos filhos"(9).
Ora, com a promulgação da Carta de 1988, verifica-se que o
Constituinte, sensível ao cenário contemporâneo apresentado, bem como
impregnado pela mutabilidade, passou a valorar as relações familiares
enquanto emolduradas pelo aspecto de afetividade.
Desta feita, com
supedâneo em tal sedimento, é plenamente possível anotar que todo e
qualquer filho gozará dos mesmos direitos e proteção, seja em órbita
patrimonial, seja em âmbito pessoa. Destarte, todos os dispositivos
legais que, de maneira direta ou indireta, acinzelem algum tratamento
diferenciado entre os filhos deverão ser rechaçados do Ordenamento
Pátrio. Operou-se, desta sorte, a plena e total equiparação entre os
filhos tanto na constância da entidade familiar como aqueles tidos fora
de tal entidade, bem assim os adotivos. Ademais, não mais prosperam as
regras discriminatórias que antes nomeavam os filhos como sendo
ilegítimos. Trata-se, com efeito, da promoção da dignidade da pessoa
humana, superprincípio hasteado pelo Ordenamento Pátrio como pavilhão,
que fora, em razão dos costumes e dogmas adotados pelo Códex de 1916
olvidados. Colaciona-se, além disso, o entendimento jurisprudencial que
obtempera:
Ementa: Direito de Família. Filiação Adulterina.
Investigação de Paternidade. Possibilidade Jurídica. I - Em face da nova
ordem constitucional, que abriga o princípio da igualdade jurídica dos
filhos, possível é o ajuizamento da ação investigatória contra genitor
casado. II - Em se tratando de direitos fundamentais de proteção a
família e a filiação, os preceitos constitucionais devem merecer exegese
liberal e construtiva, que repudie discriminações incompatíveis com o
desenvolvimento social e a evolução jurídica.(Superior Tribunal de
Justiça - Quarta Turma/ REsp 7.631/RJ/ Relator Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira/ Julgado em 17.09.1991/ Publicado no DJ em
04.11.1991, p. 15.688).
Nesse diapasão, a mais proeminente
consequência da afirmação do corolário da isonomia entre os filhos é
tornar o interesse menorista o essencial critério de solução de
conflitos que envolvam crianças ou adolescentes, inserindo robustas
alterações no poder familiar. Ao lado disso, cuida citar as ponderações
de Madaleno, "embora ainda não tenha sido atingido o modelo ideal de
igualdade absoluta da filiação, porque esquece a lei a filiação
socioafetiva, ao menos a verdade biológica e a adotiva não mais
encontram resquício algum de diferenciação e tratamento"(10). Sobreleva
ponderar que a isonomia propalada no Texto Constitucional compreende a
prole havida ou não durante a constância do matrimônio, bem como "os
filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação artificial
heteróloga(com material genético de terceiro)"(11), como bem destacam
Flávio Tartuce e José Fernando Simão. Neste sentido, é possível
colacionar que "a licença maternidade conferida às mães adotantes
encontra-se embasada no princípio da isonomia insculpido na Carta Magna,
que garantiu tratamento igualitário aos filhos naturais e adotivos,
consoante disposto no art. 227, da CR/88"(12). Com toda a propriedade e
pertinência, as modificações propiciadas pelos anseios da coletividade e
pela contemporaneidade, as quais influenciaram o Constituinte na
elaboração da Carta Cidadã, permitiram que fossem extirpadas do
Ordenamento Pátrio as discriminatórias expressões de filho adulterino e
filho incestuoso, tal como a nomenclatura de filho espúrio ou filho
bastardo, que refletiam o tratamento diferenciador existente durante o
Estatuto Civil de 1916, o qual privilegiava a família pautada no
conservadorismo e no patrimônio. Ora, a norma abrigada no Texto
Constitucional estabelece a isonomia entre toda a prole, consagrando,
por mais uma vez, os aspectos de afetividade, não permitindo mais a
diferenciação que vigia.
Insta salientar que, conquanto a
legislação não tenha consagrado à proteção a filiação socioafetiva, os
Tribunais de Justiça, com fincas no superprincípio da dignidade da
pessoa humana, têm ofertado respaldo a tal situação. Afora isso,
impender negritar que a estruturação de uma relação pautada em liames
socioafetivos, de maneira indelével e robusta, a existência do filho
afetivo assegura o direito subjetivo, inclusive, de vindicar em juízo o
reconhecimento desse vínculo. No mais, deve a filiação socioafetiva ser
inconteste, reunindo, via de consequência, além do óbvio convívio entre
os possíveis genitores e os pretensos filhos, elemento concretos, que
demonstrem, com segurança, que aqueles detinham o desejo de exercerem a
condição de pais, conjugado com o nome, o tratamento e os fatores
caracterizadores da posse do estado de filho. Cita-se, oportunamente, o
seguinte entendimento jurisprudencial que se coaduna com o lançado a
campo:
Ementa: Civil e Processual Civil. Recurso Especial.
Família. Reconhecimento de Paternidade e Maternidade Socioafetiva.
Possibilidade. Demonstração. 1. A paternidade ou maternidade
socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda
não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se
aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras
orientadoras da filiação biológica. 2. A norma princípio estabelecida no
art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca do reconhecimento
de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação
socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos
comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o
reconhecimento de vínculo de filiação sociafetivo, trânsito desimpedido
de sua pretensão. 3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção
de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de
maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito
subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo
por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao
reconhecimento forçado de vínculo biológico. […](Superior Tribunal de
Justiça - Terceira Turma/ REsp 1189663/RS/ Relatora Ministra Nancy
Andrighi/ Julgado em 06.09.2011/ Publicado no DJe em 15.09.2011).
Ementa: Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de
registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade
socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da preservação da
estabilidade familiar. […] - O descompasso do registro de nascimento com
a realidade biológica, em razão de conduta que desconsidera o aspecto
genético, somente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação
falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar
contra aquele que realizou o ato de reconhecimento familiar,
sondando-se, sobretudo, em sua plenitude, a manifestação volitiva, a fim
de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. Nessa
hipótese, descabe imposição de sanção estatal, em consideração ao
princípio do maior interesse da criança, sobre quem jamais poderá recair
prejuízo derivado de ato praticado por pessoa que lhe ofereceu a
segurança de ser identificada como filha. - Some-se a esse raciocínio
que, no processo julgado, a peculiaridade do fato jurídico morte impede,
de qualquer forma, a sanção do Estado sobre a mãe que reconheceu a
filha em razão de vínculo que não nasceu do sangue, mas do afeto. -
Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art.
227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também
"parentescos de outra origem", conforme introduzido pelo art. 1.593 do
CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem
natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento
de ordem cultural. - Assim, ainda que despida de ascendência genética, a
filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser
reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade que
nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família,
assim como os demais vínculos advindos da filiação. - Como fundamento
maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema
jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade
humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação
da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de
reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o
condão de extirpar da criança - hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17
anos de tramitação do processo - preponderante fator de construção de
sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa
pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das
incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente
patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares.
[…](Superior Tribunal de Justiça - Terceira Turma/ REsp 1000356/SP/
Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 25.05.2010/ Publicado no
DJe em 07.06.2010).
Com realce, a realidade inaugurada pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988(13), notadamente a
robusta tábua principiológica que a influencia, concatenada com os
anseios da sociedade, rendeu ensejo a um polimorfismo familiar,
manifestado precipuamente no princípio da diversidade das entidades
familiares, viabilizando que núcleos familiares distintos gozem do
amparo legal e reconhecimento, bem assim especial proteção do Ente
Estatal, como instrumento de afirmação dos feixes irradiados pela
dignidade da pessoa humana. Não se pode olvidar que os princípios
constitucionais concernentes a institutos típicos de direito privados
passaram a nortear a própria interpretação a ser conferida à legislação
infraconstitucional. O bastião robusto da dignidade da pessoa humana
passou a assumir dimensão transcendental e normativa, sendo a Carta de
1988 içada a centro de todo o sistema jurídico, irradiando, por
conseguinte, seus múltiplos valores e conferindo-lhe unicidade. No mais,
cuida pontuar que o direito é fato, norma e valor, motivo pelo qual a
modificação maciça do fato deve, imperiosamente, conduzir uma releitura
do fenômeno jurídico, iluminado pelos novos valores hasteados. Destarte,
a família é um fenômeno fundamentalmente natural-sociológico, cuja
gênese é antecedente a do próprio ente Estatal.
Referências:
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Notas:
(1) VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito
Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível
em: <http://jornal.jurid.com.br/>. Acesso em 30 abr. 2013.
(2) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de
Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências.
Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de
Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações
concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de
Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema
Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º,
inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e
173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre
Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada
Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo
42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do
privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no
artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro
Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 30 abr. 2013.
(3) VERDAN, 2009. Acesso em 30 abr. 2013.
(4) MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato na Nova Ordem
Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 513, 2 dez. 2004. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5996>. Acesso em 30 abr. 2013.
(5) MARQUESI, 2004. Acesso em 30 abr. 2013.
(6) VERDAN, 2009. Acesso em 30 abr. 2013.
(7) TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento
Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>. Acesso em 30 abr. 2013.
(8) BRASIL. Constituição(1988). Constituição(da) República Federativa
do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 28 abr. 2013.
(9) FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 41.
(10) MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 67.
(11) TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito de
Família. v. 5. 7 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método,
2012, p. 13.
(12) MINAS GERAIS(ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento N°
1.0433.11.022098-8/001. Agravo de instrumento. Tutela antecipada.
Licença maternidade. Servidora municipal. Constituição da República.
Prorrogação do benefício. Possibilidade. Cediço é que a licença
maternidade conferida às mães adotantes encontra-se embasada no
princípio da isonomia insculpido na Carta Magna, que garantiu tratamento
igualitário aos filhos naturais e adotivos, consoante disposto no art.
227, da CR/88. A norma constitucional que instituiu o benefício da
licença maternidade(art. 7º, inciso XVIII, da CF/88) não se limita
apenas à proteção da mãe(biológica ou adotante), mas, sobretudo à
proteção do filho recém-nascido. Nos termos dos arts. 41 do ECA, não há
que se falar entre diferença de direitos para filhos adotados ou não.
Recurso ao qual se nega provimento. Órgão Julgador: Terceira Câmara
Cível. Relator: Desembargador Dídimo Inocêncio de Paula. Julgado em
22.03.2012. Publicado no DJe em 30.03.2012. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/>. Acesso em 28 abr. 2013.
(13) BRASIL. Constituição(1988). Constituição(da) República Federativa
do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 28 abr. 2013.
Autor
Tauã Lima Verdan é Mestrando vinculado ao Programa de Pó-Graduação em
Sociologia e Direito, Especializando em Direito Penal e Processo Penal
http://jornal.jurid.com.br/materias/doutrina-civil/concrecao-corolario-isonomia-entre-os-filhos-afetividade-como-flamula-norteadora/idp/42501
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