19.07.2013
Camila Lafratta
Conversamos com especialistas no assunto e com pais e mães que adotaram
crianças com mais de 3 anos de idade sobre como é o processo de adoção
conhecida como tardia.
“Ela veio para nossa casa trazendo em sua bagagem muitas lembranças, que foram incorporadas às nossas.”
“Já tínhamos a certeza no coração de que era ela a nossa filha e estava apenas nos esperando chegar.”
“FILHO A GENTE NÃO ESCOLHE. TENHO CERTEZA DE QUE, DESDE O MOMENTO EM QUE ELE NASCEU, ELE JÁ ERA MEU.”
As frases acima fazem parte dos relatos de três pais e mães que
decidiram expandir suas famílias optando pela adoção tardia. Embora não
seja um conceito formal, considera-se tardia a adoção de crianças que já
tenham uma percepção maior de si, do outro e do mundo. O critério é
vago, mas a estimativa é a partir dos 3 anos de idade. No entanto, para a
psicóloga Marcia Porto Ferreira, coordenadora do Grupo Acesso do
Instituto Sedes Sapientiae, esse termo deve ser utilizado com cautela:
“Esse é um nome que já reafirma um padrão de família tradicional: um
pai, uma mãe e um bebê” atenta ela. “Essa família não é mais a norma,
mas, mesmo assim, você continua com uma fila enorme de candidatos que só
querem bebês. Enquanto isso, outras crianças vão sendo deixadas de
lado.”
A afirmação de Márcia é confirmada pelos números: segundo
dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), existem atualmente cerca de
5.500 crianças e adolescentes aptos a serem adotados, além de quase
40.000 que residem em abrigos, mas ainda não foram registrados por não
terem se desvinculado totalmente das famílias biológicas. Do outro lado,
29.535 pessoas estão computadas como pretendentes para adotar uma
criança. O perfil mais procurado por elas? Bebês brancos e sem irmãos. A
porcentagem dos candidatos que aceitam crianças por idade vai caindo
gradativamente e, dos 8 anos em diante, passa a ser de menos de 1%.
POR QUE É ASSIM?
Os motivos que levam a essa situação são muitos, mas, para Christian
Heinlik, vice-presidente do Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo (GAASP)
e pai de Pedro Vinícius e Gustavo - adotados aos 8 e 9 anos -, se
sobressai o medo das pessoas do que significa trazer uma criança mais
velha para a sua família. “Aquela questão do ‘o que essa criança vai
trazer de bagagem’ é muito forte. Na verdade, muito se fala sobre a
criança, como ela vai se adaptar, sendo que 99,9% dos problemas que
podem acontecer vêm da cabeça do adulto”, diz ele. Márcia concorda: “No
processo de adoção, as principais perguntas que são feitas dizem
respeito a quais seriam os cuidados com a criança. Uma questão muito
mais importante é: quais os cuidados com os candidatos?”.
De fato,
parece haver uma dissonância entre a expectativa dos pretendentes e a
realidade. “A maioria dos casais ficam presos na ideia do que eles
consideram a criança ideal e não aceitam a possibilidade da criança
real” – é o que acredita Áurea Medrado, que adotou a pequena Evelin
quando esta tinha de 4 para 5 anos. “Muitas pessoas querem que a criança
venha como um papel em branco e ignoram que tudo o que já aconteceu com
ela faz parte do que ela é”.
Segundo Márcia, um dos grandes
problemas que colaboram para isso é a tendência das pessoas de
simplificar o processo da adoção. “A adoção é uma situação que vem para
dar conta de algum tipo de desencontro – seja na maternidade, seja na
criança que perdeu um familiar ou que veio de uma situação de abandono –
e, para lidar com isso, as pessoas tentam simplificar aquilo que não é
muito simples” diz ela. “A busca por generalizações é muito grande para
minimizar as questões que devem ser feitas. Nesse sentido, adotar uma
criança que já fala, já pensa, já acontece, causa medo”.
Na prática,
não existe nenhuma diferença legal na adoção de crianças mais velhas em
relação à de bebês. O processo é burocrático, com muita documentação
envolvida mas independe da idade. Após a habilitação, cabe aos
pretendentes aguardar a convocação do juiz para conhecer uma criança que
esteja disponível e atenda aos parâmetros estabelecidos no processo de
cadastramento. Esse tempo de espera, no geral, acaba sendo muito longo
devido ao número de restrições impostas pelos candidatos. Quando não há
restrição de sexo, cor ou idade (além de vários outros critérios
questionados durante o processo de cadastramento), a espera costuma ser
bem menor. Quando a convocação acontecer, os pais em potencial
conhecerão a criança ou adolescente indicado e, caso desejem levar a
adoção em frente, entrarão com um pedido de guarda provisória (isso pode
acontecer após alguns encontros, ou até mesmo no primeiro), que, no
futuro, poderá se transformar em uma adoção definitiva, conforme
orientação do juiz.
“E SE EU NÃO DER CONTA?”
Essa parece
ser a questão que traduz todo esse medo da adoção de uma criança mais
velha. Medo da história que o pequeno traz consigo, dos traumas que já
pode ter sofrido, de não conseguir estabelecer uma relação de pai e
filho com ele... Medos naturais, mas que podem ser enfrentados. “Existem
desafios em qualquer tipo de relação” diz Áurea. “Alguns desafios da
adoção tardia são particulares, alguns são comuns a pais adotivos e pais
biológicos. A questão é como você vai lidar com cada um deles”. A
psicóloga Márcia Porto Ferreira complementa: “O filho biológico também
precisa ser adotado. A mãe biológica, assim como a adotiva, precisa
encarnar essa função de educar”.
A crença de que uma criança mais
velha, que não passou seus primeiros anos com uma família, não vai
conseguir estabelecer uma relação de amor com os pais adotivos é
refutada por quem passou por essa experiência: “Se a gente não acreditar
que pode mudar a nossa vida, se acha que a única etapa da vida que faz
sentido é a primeira, então é melhor esperar a morte chegar”, diz
Christian. O processo de aproximação entre pais e filhos adotados é
delicado, mas o vínculo que pode ser estabelecido entre eles não é menos
real que o de qualquer outra família. “Para uma criança, abandonar algo
que ela já conhece e que, por mais que não seja um bom ambiente, é o
que lhe dá segurança, sempre gera ansiedade”, afirma Áurea. “Às vezes,
os candidatos idealizam o primeiro encontro, imaginam um amor à primeira
vista. Na prática, é um processo delicado de conquista de confiança”.
A ADAPTAÇÃO DA CRIANÇA COM A NOVA FAMÍLIA
De acordo com as leis de adoção, é obrigatória a preparação
psicossocial dos pretendentes. Em muitos lugares, essa preparação pode
ser feita por Grupos de Apoio à Adoção (GAA), ONGs geralmente formadas
por pessoas que já passaram pelo processo de adoção. Muitas famílias
optam por se juntarem a esses grupos até antes de darem início ao
processo, para trocarem experiências, conhecerem melhor aquilo que os
aguarda ou simplesmente receber apoio durante seu percurso. Esse
acompanhamento pode trazer muitos benefícios, como a desmitificação de
algumas expectativas irreais e a orientação de como lidar com a
integração da criança à família.
Sobre o período de adaptação,
Márcia afirma: não tem receita genérica. “As pessoas têm que ter
sensibilidade a cada momento, ir trazendo aquela família de encontro à
criança tanto quanto a criança de encontro à família. E sensibilidade é
uma coisa que não se ensina. É preciso convidar essa criança para uma
nova proposta sem violentá-la e sustentar que ela é sua filha.”
Outra questão muito presente é a da autoridade: como se colocar como a
figura que manda? “Não tem como você falar desde cedo ‘você vai me
respeitar porque eu sou sua mãe’, porque isso não faz sentido algum a
não ser que seja real” diz Áurea. “Precisa ir mostrando, conquistando,
demonstrar que você está lá para dar ordens, mas também para dar
carinho. Você não pode cair nas armadilhas, sentir pena porque sabe que
ela passou por muitas coisas, mesmo que isso seja natural”. Para Márcia,
esse é um dos grandes desafios da contemporaneidade nas relações entre
pais e filhos. “Um grande equívoco nas famílias atualmente é deixar a
criança comandar: independente de ser adotada, a vontade se impõe
demais”.
“VOCÊ NÃO É MEU PAI”
Essa é, possivelmente, a
mais temida das frases que filhos adotivos podem dizer a seus pais.
Todos os medos, inseguranças e dúvidas de um pai são colocados à prova
nesse momento. E é aí que mora o perigo. “Se um adulto é afrontado com
isso e não está preparado, ele desmonta e leva a criança junto – imagina
o seu pai não ter confiança de que ele é seu pai de verdade”, diz
Christian. Para Marcia, isso é uma estratégia infantil que todas as
crianças usam, de uma forma ou de outra, para testarem seus limites e
fazerem valer suas vontades. “Não é tão diferente do ‘eu não pedi pra
nascer’ que um filho diria a seus pais biológicos. Como o adulto vai
lidar com isso depende muito da segurança que ele tem de ocupar o lugar
de autoridade. Se ele precisar demais da aprovação da criança – como
muitos pais biológicos também precisam -, essa relação será complicada”.
A psicóloga defende a importância do adulto se sentir legítimo no seu
lugar de pai e conseguir sustentá-lo na frente da criança. Apenas assim,
ela conseguirá sentir confiança naquela relação e saberá que é querida.
“A criança sempre vai testar os seus limites, justamente porque ela
precisa ter a certeza de que você realmente gosta dela”, afirma Áurea.
“Muitas pessoas ficam balançadas quando ouvem um ‘não te obedeço, você
não é minha mãe’, mas esse é o momento exato em que você tem que
reforçar que é a mãe sim, para que ela pare de duvidar da validade
daquele vínculo.”
Também é essencial entender a importância de
manter um diálogo aberto em relação às questões que aquela criança possa
estar enfrentando. Sentir curiosidade a respeito da família biológica e
das circunstâncias que a levaram até ali é natural e deve ser
conversado abertamente. “Você não pode ter medo do passado e fingir que
ele não aconteceu”, diz Christian. Márcia também atenta ao fato de que
não há vergonha alguma em recorrer a uma ajuda profissional se ela se
fizer necessária. “Se em algum momento o adulto sentir que a criança
possa estar tendo problemas na sua vida cotidiana que tenham a ver com
isso, ele deve se mostrar aberto para conversar. Em alguns casos,
consultar um psicólogo também pode fazer um bem enorme a todos”.
TUDO IGUAL, SÓ QUE DIFERENTE
Compreender que a adoção tardia tem sim seus desafios particulares, que
é um processo longo e delicado de estabelecimento de confiança e que
muitos aspectos dela não são fáceis é essencial. Mas também é importante
perceber que dela pode sair uma relação de amor tão profunda (se não
mais) quanto em qualquer outra circunstância. Adotar uma criança é um
salto no escuro enorme - mas o resultado pode ser fantástico. Leia os
depoimentos de três famílias que adotaram crianças mais velhas e tiveram
um final feliz.
http://bebe.abril.com.br/ materia/ adocao-tardia-amor-sem-idade
19.07.2013
Camila Lafratta
Conversamos com especialistas no assunto e com pais e mães que adotaram crianças com mais de 3 anos de idade sobre como é o processo de adoção conhecida como tardia.
“Ela veio para nossa casa trazendo em sua bagagem muitas lembranças, que foram incorporadas às nossas.”
“Já tínhamos a certeza no coração de que era ela a nossa filha e estava apenas nos esperando chegar.”
“FILHO A GENTE NÃO ESCOLHE. TENHO CERTEZA DE QUE, DESDE O MOMENTO EM QUE ELE NASCEU, ELE JÁ ERA MEU.”
As frases acima fazem parte dos relatos de três pais e mães que decidiram expandir suas famílias optando pela adoção tardia. Embora não seja um conceito formal, considera-se tardia a adoção de crianças que já tenham uma percepção maior de si, do outro e do mundo. O critério é vago, mas a estimativa é a partir dos 3 anos de idade. No entanto, para a psicóloga Marcia Porto Ferreira, coordenadora do Grupo Acesso do Instituto Sedes Sapientiae, esse termo deve ser utilizado com cautela: “Esse é um nome que já reafirma um padrão de família tradicional: um pai, uma mãe e um bebê” atenta ela. “Essa família não é mais a norma, mas, mesmo assim, você continua com uma fila enorme de candidatos que só querem bebês. Enquanto isso, outras crianças vão sendo deixadas de lado.”
A afirmação de Márcia é confirmada pelos números: segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), existem atualmente cerca de 5.500 crianças e adolescentes aptos a serem adotados, além de quase 40.000 que residem em abrigos, mas ainda não foram registrados por não terem se desvinculado totalmente das famílias biológicas. Do outro lado, 29.535 pessoas estão computadas como pretendentes para adotar uma criança. O perfil mais procurado por elas? Bebês brancos e sem irmãos. A porcentagem dos candidatos que aceitam crianças por idade vai caindo gradativamente e, dos 8 anos em diante, passa a ser de menos de 1%.
POR QUE É ASSIM?
Os motivos que levam a essa situação são muitos, mas, para Christian Heinlik, vice-presidente do Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo (GAASP) e pai de Pedro Vinícius e Gustavo - adotados aos 8 e 9 anos -, se sobressai o medo das pessoas do que significa trazer uma criança mais velha para a sua família. “Aquela questão do ‘o que essa criança vai trazer de bagagem’ é muito forte. Na verdade, muito se fala sobre a criança, como ela vai se adaptar, sendo que 99,9% dos problemas que podem acontecer vêm da cabeça do adulto”, diz ele. Márcia concorda: “No processo de adoção, as principais perguntas que são feitas dizem respeito a quais seriam os cuidados com a criança. Uma questão muito mais importante é: quais os cuidados com os candidatos?”.
De fato, parece haver uma dissonância entre a expectativa dos pretendentes e a realidade. “A maioria dos casais ficam presos na ideia do que eles consideram a criança ideal e não aceitam a possibilidade da criança real” – é o que acredita Áurea Medrado, que adotou a pequena Evelin quando esta tinha de 4 para 5 anos. “Muitas pessoas querem que a criança venha como um papel em branco e ignoram que tudo o que já aconteceu com ela faz parte do que ela é”.
Segundo Márcia, um dos grandes problemas que colaboram para isso é a tendência das pessoas de simplificar o processo da adoção. “A adoção é uma situação que vem para dar conta de algum tipo de desencontro – seja na maternidade, seja na criança que perdeu um familiar ou que veio de uma situação de abandono – e, para lidar com isso, as pessoas tentam simplificar aquilo que não é muito simples” diz ela. “A busca por generalizações é muito grande para minimizar as questões que devem ser feitas. Nesse sentido, adotar uma criança que já fala, já pensa, já acontece, causa medo”.
Na prática, não existe nenhuma diferença legal na adoção de crianças mais velhas em relação à de bebês. O processo é burocrático, com muita documentação envolvida mas independe da idade. Após a habilitação, cabe aos pretendentes aguardar a convocação do juiz para conhecer uma criança que esteja disponível e atenda aos parâmetros estabelecidos no processo de cadastramento. Esse tempo de espera, no geral, acaba sendo muito longo devido ao número de restrições impostas pelos candidatos. Quando não há restrição de sexo, cor ou idade (além de vários outros critérios questionados durante o processo de cadastramento), a espera costuma ser bem menor. Quando a convocação acontecer, os pais em potencial conhecerão a criança ou adolescente indicado e, caso desejem levar a adoção em frente, entrarão com um pedido de guarda provisória (isso pode acontecer após alguns encontros, ou até mesmo no primeiro), que, no futuro, poderá se transformar em uma adoção definitiva, conforme orientação do juiz.
“E SE EU NÃO DER CONTA?”
Essa parece ser a questão que traduz todo esse medo da adoção de uma criança mais velha. Medo da história que o pequeno traz consigo, dos traumas que já pode ter sofrido, de não conseguir estabelecer uma relação de pai e filho com ele... Medos naturais, mas que podem ser enfrentados. “Existem desafios em qualquer tipo de relação” diz Áurea. “Alguns desafios da adoção tardia são particulares, alguns são comuns a pais adotivos e pais biológicos. A questão é como você vai lidar com cada um deles”. A psicóloga Márcia Porto Ferreira complementa: “O filho biológico também precisa ser adotado. A mãe biológica, assim como a adotiva, precisa encarnar essa função de educar”.
A crença de que uma criança mais velha, que não passou seus primeiros anos com uma família, não vai conseguir estabelecer uma relação de amor com os pais adotivos é refutada por quem passou por essa experiência: “Se a gente não acreditar que pode mudar a nossa vida, se acha que a única etapa da vida que faz sentido é a primeira, então é melhor esperar a morte chegar”, diz Christian. O processo de aproximação entre pais e filhos adotados é delicado, mas o vínculo que pode ser estabelecido entre eles não é menos real que o de qualquer outra família. “Para uma criança, abandonar algo que ela já conhece e que, por mais que não seja um bom ambiente, é o que lhe dá segurança, sempre gera ansiedade”, afirma Áurea. “Às vezes, os candidatos idealizam o primeiro encontro, imaginam um amor à primeira vista. Na prática, é um processo delicado de conquista de confiança”.
A ADAPTAÇÃO DA CRIANÇA COM A NOVA FAMÍLIA
De acordo com as leis de adoção, é obrigatória a preparação psicossocial dos pretendentes. Em muitos lugares, essa preparação pode ser feita por Grupos de Apoio à Adoção (GAA), ONGs geralmente formadas por pessoas que já passaram pelo processo de adoção. Muitas famílias optam por se juntarem a esses grupos até antes de darem início ao processo, para trocarem experiências, conhecerem melhor aquilo que os aguarda ou simplesmente receber apoio durante seu percurso. Esse acompanhamento pode trazer muitos benefícios, como a desmitificação de algumas expectativas irreais e a orientação de como lidar com a integração da criança à família.
Sobre o período de adaptação, Márcia afirma: não tem receita genérica. “As pessoas têm que ter sensibilidade a cada momento, ir trazendo aquela família de encontro à criança tanto quanto a criança de encontro à família. E sensibilidade é uma coisa que não se ensina. É preciso convidar essa criança para uma nova proposta sem violentá-la e sustentar que ela é sua filha.”
Outra questão muito presente é a da autoridade: como se colocar como a figura que manda? “Não tem como você falar desde cedo ‘você vai me respeitar porque eu sou sua mãe’, porque isso não faz sentido algum a não ser que seja real” diz Áurea. “Precisa ir mostrando, conquistando, demonstrar que você está lá para dar ordens, mas também para dar carinho. Você não pode cair nas armadilhas, sentir pena porque sabe que ela passou por muitas coisas, mesmo que isso seja natural”. Para Márcia, esse é um dos grandes desafios da contemporaneidade nas relações entre pais e filhos. “Um grande equívoco nas famílias atualmente é deixar a criança comandar: independente de ser adotada, a vontade se impõe demais”.
“VOCÊ NÃO É MEU PAI”
Essa é, possivelmente, a mais temida das frases que filhos adotivos podem dizer a seus pais. Todos os medos, inseguranças e dúvidas de um pai são colocados à prova nesse momento. E é aí que mora o perigo. “Se um adulto é afrontado com isso e não está preparado, ele desmonta e leva a criança junto – imagina o seu pai não ter confiança de que ele é seu pai de verdade”, diz Christian. Para Marcia, isso é uma estratégia infantil que todas as crianças usam, de uma forma ou de outra, para testarem seus limites e fazerem valer suas vontades. “Não é tão diferente do ‘eu não pedi pra nascer’ que um filho diria a seus pais biológicos. Como o adulto vai lidar com isso depende muito da segurança que ele tem de ocupar o lugar de autoridade. Se ele precisar demais da aprovação da criança – como muitos pais biológicos também precisam -, essa relação será complicada”.
A psicóloga defende a importância do adulto se sentir legítimo no seu lugar de pai e conseguir sustentá-lo na frente da criança. Apenas assim, ela conseguirá sentir confiança naquela relação e saberá que é querida. “A criança sempre vai testar os seus limites, justamente porque ela precisa ter a certeza de que você realmente gosta dela”, afirma Áurea. “Muitas pessoas ficam balançadas quando ouvem um ‘não te obedeço, você não é minha mãe’, mas esse é o momento exato em que você tem que reforçar que é a mãe sim, para que ela pare de duvidar da validade daquele vínculo.”
Também é essencial entender a importância de manter um diálogo aberto em relação às questões que aquela criança possa estar enfrentando. Sentir curiosidade a respeito da família biológica e das circunstâncias que a levaram até ali é natural e deve ser conversado abertamente. “Você não pode ter medo do passado e fingir que ele não aconteceu”, diz Christian. Márcia também atenta ao fato de que não há vergonha alguma em recorrer a uma ajuda profissional se ela se fizer necessária. “Se em algum momento o adulto sentir que a criança possa estar tendo problemas na sua vida cotidiana que tenham a ver com isso, ele deve se mostrar aberto para conversar. Em alguns casos, consultar um psicólogo também pode fazer um bem enorme a todos”.
TUDO IGUAL, SÓ QUE DIFERENTE
Compreender que a adoção tardia tem sim seus desafios particulares, que é um processo longo e delicado de estabelecimento de confiança e que muitos aspectos dela não são fáceis é essencial. Mas também é importante perceber que dela pode sair uma relação de amor tão profunda (se não mais) quanto em qualquer outra circunstância. Adotar uma criança é um salto no escuro enorme - mas o resultado pode ser fantástico. Leia os depoimentos de três famílias que adotaram crianças mais velhas e tiveram um final feliz.
http://bebe.abril.com.br/
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