28/07/2013
Gilca Cinara e Teresa Cristina
Pais, juristas e especialistas falam sobre adoção de crianças negras em Alagoas
"Adoção tem que tocar o coração da gente. E não podemos escolher isso, o
que menos importa é a cor dessa pessoa que será seu filho". As
declarações são da assistente social Simone Sampaio, que adotou uma
menina negra, à época com quatro anos. O caso de Simone é raro, já que
em todo o Brasil são as crianças negras que mais tempo ficam na fila de
espera da adoção e, em muitos casos, se tornam adultas e não encontram
um lar.
Dados nacionais mostram que 30 mil pessoas estão aptas a
adotar. O cadastro tem cinco mil crianças e adolescentes aptos para
adoção. Em Alagoas, há 350 menores em abrigos, dos quais apenas 25 estão
prontos para receber uma nova família. No estado, 83 pessoas atendem
aos requisitos necessários para receber um filho adotivo.
Das 25
crianças e adolescentes com a situação jurídica resolvida para adoção, a
maioria é negra e tem mais de 05 anos, o que dificulta a busca por uma
nova família. De acordo com Fátima Piruá, juíza auxiliar da Corregedoria
Geral de Justiça e presidente da Comissão Estadual Judiciária de Adoção
Internacional, já é notada uma queda no número de casais que rejeita a
adoção de negros.
"As pessoas começam a sentir que não é difícil
fazer uma adoção inter-racial. É importante dizer que, antes, as pessoas
gostavam de esconder a adoção, esconder que o filho era adotado. Muita
gente queria aparecer na sociedade com o filho como se biológico fosse, o
que não é o recomendado. As coisas estão melhorando, mas temos que
evoluir e muito. Mesmo com o preconceito, está mais fácil a adoção de
crianças negras que de crianças mais velhas ou com deficiência. O padrão
continua: menina, branca e bebê. Melhorou a aceitação da criança negra,
mas não é a preferência entre os casais", disse a magistrada.
Fátima atribui a rejeição de crianças e adolescentes negros a questões
culturais e preconceitos. Para a juíza, as pessoas que se inscrevem para
adotar precisam entender que adoção não é satisfazer um desejo pessoal e
sim abrir o coração para uma pessoa que necessita de novo lar. Para
orientar sobre adoção, são realizados cursos pela Vara da Infância e
Juventude.
"São dadas orientações às famílias, com psicólogas que
explicam a adoção é um ato de amor. É importante que se saiba que um
filho não é uma mercadoria. As pessoas vão aos abrigos, e elas têm esses
direito, e é claro que muitas vezes é uma questão de empatia, mas não
pode querer uma criança porque é branca, tem olho claro e cabelo loiro.
Não se pode fazer uma escolha como um produto, pelo mais bonitinho, o
mais arrumadinho e sem defeito", frisou a magistrada.
Mas, mesmo
entre casais que adotam negros existe a dificuldade de lidar com o fato.
Fátima destacou que muitas famílias tratam os filhos como "moreninhos"
para não admitir a cor da pele da criança. "Faz parte do processo de
formação saber a nossa origem e a raça é muito importante. Precisamos
saber conviver com as diferenças de cor, credo e religião. A tendência é
evoluir, as pessoas estão sendo mais sensíveis. Sou muito otimista e
acredito que as coisas irão melhorar e tenho muita crença no ser
humano", frisou Fátima.
Simone Sampaio já havia tido dois filhos
quando decidiu adotar Samara depois de conhecer a menina em uma creche. A
assistente social conta que, desde que o marido fez vasectomia, há mais
de 25 anos, decidiu que adotaria uma criança.
"Tínhamos dois
filhos, mas vimos que queríamos mais um. Decidimos pela adoção e fomos
até essa creche. Quando cheguei lá, fui cercada por muitas crianças e vi
a Samara. Ela, assim como outros meninos nessa situação, era muito
carente, necessitava de muita atenção. Demos entrada na papelada, até
que conseguimos a guarda", relatou Simone.
Indagada se a cor da pele
da menina chegou a ser um problema para ela e a família antes da
adoção, a assistente social disse que o fato nunca foi considerado
relevante na hora da escolha. "Eu nunca tive problema com isso. O fato
de ela ser negra incomoda muito mais os outros do que a nós mesmos.
Amamos a Samara como amamos nossos filhos biológicos", disse Simone, que
em 2005 perdeu um dos filhos assassinado.
A assistente social
frisou que Samara chegou a questionar o porquê de os pais serem brancos e
ela negra. A criança fez vários questionamentos, como lembra a mãe.
Simone colocou que a influência de colegas na escola suscitou as
perguntas sobre o fato de Samara não ter as mesmas características
físicas de sua nova família.
"As crianças observam e perguntam
mesmo. Eu deixei a Samara perguntar tudo, todas as perguntas foram
feitas no tempo dela e hoje ela não questiona mais. Ela entende tudo e é
muito amada por todos nós", disse Simone, acrescentando que a criança é
muito querida por toda a família.
Sobre a rejeição de crianças
negras em lares e creches, a assistente social afirmou que o grande
problema é que os candidatos à adoção chegam com um modelo padrão do
filho que desejam ter. Ela disse que as crianças e adolescentes que
esperam por novos pais não podem ser tratados como produtos.
"São
pessoas e não mercadorias, que têm um molde, um padrão. A escolha tem
que ser do coração, por isso nada importa. Quem quer adotar precisa
abrir o coração para esse novo membro da família, seja ele preto,
branco, bebê ou uma criança mais velha", finalizou Simone.
A pequena
Nicole surgiu na vida do casal Adriana e Ives Pontes quando ainda era
recém-nascida. Hoje com quatro anos, a história da menina encanta os
pais que não escondem o amor e felicidade de encontrar em uma filha
adotiva ensinamentos que vão além do relacionamento familiar.
"O
amor é muito generoso. Na verdade quem ganha é quem adota. As pessoas
costumam dizer que ela teve muita sorte, mas quem teve sorte fomos nós
que encontramos essa menina tão especial", relatou Adriana.
Mãe de
dois meninos de 11 e 17 anos, Adriana afirmou que nunca pensou em adotar
uma criança por seu instinto materno estar satisfeito. Segundo ela,
mesmo com a família estruturada e os filhos já grandes, o esposo sempre
planejava adotar uma menina. "Porém se estivesse alguém precisando de
uma mãe, eu estaria disponível. Não sei como ocorreu, mas as forças
positivas fizeram com que nós encontrássemos a Nicole", completou.
Diferente de milhares de casais que se dispõem a adotar, o casal garante
que não levou em consideração a cor, a idade ou se era saudável. Para
Adriana, quando uma pessoa se prepara para a adoção, ela não pode adotar
simplesmente para resolver um problema, mas sim acolher uma criança que
está precisando de uma família.
"Quando você tem filho biológico
não se escolhe se ele vai ser branco, preto, alto, baixo, gordo ou
magro. Já começamos a amá-lo por ele estar na nossa barriga. Então
porque quando adotamos temos que escolher É bobagem achar que porque é
adotivo pode dar problemas, já que muitos biológicos dão problemas para
os pais", indagou.
Segundo os pais, Nicole tem um relacionamento
ótimo com a família, principalmente com os irmãos. Porém, nos ambientes
sociais o casal enfrenta os questionamentos das pessoas quando percebem a
diferença de cor entre os pais e a criança. "Eu aprendi a não brigar
mais com as pessoas por conta da indiscrição. A única coisa que me
preocupo é com o mundo, porque as pessoas são cruéis. Eu tenho essa
preocupação que ela se sinta inferior a outras pessoas", disse Adriana.
Por ter quatro anos, Nicole ainda não sabe que é adotada, mas Adriana
garante que a filha saberá de todo o processo de adoção quando estiver
maior. "Já comecei a falar que ela é minha filha que nasceu no coração,
mas não da minha barriga. Com o tempo vou tendo essas conversas e
contando tudo a ela", frisou.
A compreensão tida por Adriana Pontes
sobre o valor da adoção é defendida pelo psicólogo Laerte Leite. O
especialista explica que o processo de adoção tem que partir de um ser
humano aberto para atender uma criança que necessita de amor, afeto e
carinho, mas que não pode ocorrer para suprir uma necessidade interna de
uma pessoa. Leite afirma que, em muitos casos, os pais e a criança não
conseguem uma adaptação entre si devido às barreiras já colocadas antes
da adoção.
Nos casos das crianças negras, a não aceitação da cor e o
sentimento de inferioridade são os principais preconceito enfrentados
pelos adotados. "Se a própria mãe não aceita a cor da criança, como ela
vai aceitar a própria cor Se mãe negar a cor do filho, isso pode
acarretar em uma falta de aceitação da criança, dela acreditar que não é
capaz, que tem poucas oportunidades. Ela sabe que é negra, ela se olha
no espelho e vê a negritude", apontou Leite.
Sobre o preconceito, o
psicólogo lamenta, mas garante que é natural já que as mães chamam os
filhos de "moreninhos" para aliviar o próprio racismo que existem dentro
delas. Para ele, a aceitação é fundamental para que a criança sinta que
faz parte daquela família, que ela é amada com a cor da sua pele.
Segundo o especialista, a escola é muito importante, não somente para o
negro adotado, como para todos. É nesse espaço onde as crianças
constroem suas primeiras visões sobre o mundo e aprendem a se relacionar
com as pessoas. "Se tem uma visão de que o adotado é um coitado, que
vai ter menos chances do que os outros. Uma pessoa é igual a todo. O
adotado tem uma história diferente, mas direitos e possibilidades iguais
a qualquer um que só precisam ser oferecidas, mas que geralmente são
retiradas", colocou.
Leite defende que algumas escolas precisam
mudar sua postura sobre o tratamento diferenciado dado a crianças
brancas e negras. "Se você pegar 10 crianças brancas, pretas, amarelas e
vermelhas elas vão se relacionar naturalmente. O preconceito a gente
aprende, ninguém nasce com ele. Isso é aprendido na sociedade",
salientou.
A crise de identidade aumenta em alguns casos após a
rejeição - quando o adotado é devolvido à instituição após passar um
tempo de experiência na casa de futuros pais. "Todas alimentam o desejo
de ter uma família, em casar, de ter filho. Mas idade vai passando e
esse sonho vai se tornando cada vez mais longe", finalizou.
A Casa
Adoção Rubens Colaço é um dos abrigos públicos para crianças de até 07
anos que esperam uma família em Maceió. O local, no bairro do Farol, tem
atualmente 14 crianças, entre elas seis negras (duas meninas e quatro
meninos), além dos pardos.
Ingrid Amaral, coordenadora geral da Casa
Adoção, disse que a maioria dos casais e pessoas que estão aptas para
adotar preferem meninas brancas e de até 02 anos. Depois de 07 anos,
elas vão para outros abrigos onde aguardam pela adoção. Muitos chegam
aos 17 anos 11 meses e precisam deixar os locais sem terem encontrado
uma família.
Ingrid afirmou que a rejeição, seja pela cor da pele,
idade ou deficiência física gera muitos traumas. Ela disse que muitas
crianças demonstram pelo comportamento o que sentem quando não conseguem
uma nova família.
"São muitas perguntas, muitos questionamentos.
Quando os visitantes chegam até o abrigo têm a tendência de colocar no
colo e dar carinho aos que são mais brancos, com olhos claros e cabelos
mais lisos, que eles classificam como os mais bonitos fisicamente. E
muitas vezes, quando uma criança consegue novos pais, os que ficam
questionam porque o amiguinho conseguiu e ele não. Uns chegam e
perguntam: Quando você vai arrumar uma mãe pra mim", relatou Ingrid.
A coordenadora da Casa Adoção Rubens Colaço reiterou o que foi dito
pela juíza Fátima Pirauá, sobre o fato de os adotantes buscarem um filho
como quem escolhem um produto. "Infelizmente quando os pretensos
adotantes vêm nos visitar, querem uma mercadoria. Existem sim aquelas
pessoas que nos procuram por amor e que deixam em aberto a cor da pele
da criança quando preenchem a ficha de adoção. Esses estão mais
preparados para a adoção e entendem que o real valor é dar amor à
criança, independente de cor, de idade e de necessidade física",
destacou.
Para prestar assistência às crianças e evitar traumas, os
abrigados da Rubens Colaço recebem acompanhamento. De acordo com o
psicólogo Romerito Oliveira Lima, as crianças precisam lidar bem com a
cor de sua pele, pois isso faz parte da história de cada uma.
"Trabalhamos com os que vão para uma nova família e também para aqueles
que não conseguem. Focamos nosso trabalho no atendimento individual com
cada criança, já que todos temos nossas histórias", destacou Romerito.
O Lar Batista Marcolino Magalhães abriga 21 meninas de 03 a 18 anos em
Maceió. Entre elas está uma garota negra de 16 anos, que ainda aguarda
pela adoção. De acordo com a bancária Irandi dos Reis, que cursa a
faculdade de Serviço Social e presta serviços voluntários para o lar, a
adolescente foi para o abrigo há nove anos após morar nas ruas. "É uma
história muito triste, por isso ela prefere não falar sobre o assunto
para não tocar em sua ferida", relatou Irandi.
Hoje a garota tem
aulas de piano junto com as colegas do Lar, uma realidade permitida após
a doação de instrumentos musicais feita pela ONG Moradia e Cidadania,
dos Empregados da Caixa Econômica, que arcam com todos os custos das
aulas.
A coordenadora do abrigo, Aurenice Beiris, garante que no
processo de adoção a idade é a maior vilã para as crianças que
permanecem muito tempo nas instituições. "As pessoas estão ficando mais
conscientes e a preferência da cor entre as crianças hoje não é mais um
tabu enfrentado por nós. Porém, a rejeição de crianças que vão para
outros lares é o nosso maior problema", frisou.
Segundo ela, a
adoção e aceitação com a criança se tornam mais fáceis quando o casal já
tem filhos e está procurando fazer um bem para uma criança. "Nós temos o
caso de uma criança que já foi levada por três famílias e voltou a três
vezes. Agora ela está na sua quarta tentativa e estamos torcendo que
tudo ocorra bem, porque todas as vezes que ela volta é muito difícil
saber lidar com a rejeição", afirmou Aurenice.
Integrante dos
movimentos negros em Alagoas há 25 anos, o professor Amauricio de Jesus
afirma que as pessoas encontraram um novo olhar estético para o que é
considerado belo, e isso possibilitou a diminuição da rejeição para
adoção de crianças negras. Segundo ele, diversos fatores contribuíram
para a queda, porém muitos entraves ainda são encontrados no processo.
"Nós vínhamos de uma cultura muito europeia, de que a estética europeia
era o belo e o belo era branco. Isso seguia um padrão. Mas hoje nós já
temos um novo olhar no padrão, o belo consegue ser visto em sua
diversidade, esse é um dos mecanismos que tem contribuído", disse.
Para o professor, os meios de comunicação também tiveram uma parcela
importante na mudança da visão estética das pessoas. "Com isso se
começou a entender que a minha beleza era diferente da sua", completou.
"Quando vêm de uma família diferenciada elas tem uma maior habilidade
para se relacionar com uma criança negra. Normalmente quando as pessoas
se deparam com a adoção de uma criança negra elas sabem que, junto com
essa criança vem toda uma linha de questão que ela terá que conviver.
Isso provoca essa resistência", pontuou.
http://www.achixclip.com.br/ noticia/21223648/ ultimas-noticias/ adocao-inter-racial-comprova-o- obvio-amor-nao-combina-com-pre conceito/
28/07/2013
Gilca Cinara e Teresa Cristina
Pais, juristas e especialistas falam sobre adoção de crianças negras em Alagoas
"Adoção tem que tocar o coração da gente. E não podemos escolher isso, o que menos importa é a cor dessa pessoa que será seu filho". As declarações são da assistente social Simone Sampaio, que adotou uma menina negra, à época com quatro anos. O caso de Simone é raro, já que em todo o Brasil são as crianças negras que mais tempo ficam na fila de espera da adoção e, em muitos casos, se tornam adultas e não encontram um lar.
Dados nacionais mostram que 30 mil pessoas estão aptas a adotar. O cadastro tem cinco mil crianças e adolescentes aptos para adoção. Em Alagoas, há 350 menores em abrigos, dos quais apenas 25 estão prontos para receber uma nova família. No estado, 83 pessoas atendem aos requisitos necessários para receber um filho adotivo.
Das 25 crianças e adolescentes com a situação jurídica resolvida para adoção, a maioria é negra e tem mais de 05 anos, o que dificulta a busca por uma nova família. De acordo com Fátima Piruá, juíza auxiliar da Corregedoria Geral de Justiça e presidente da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional, já é notada uma queda no número de casais que rejeita a adoção de negros.
"As pessoas começam a sentir que não é difícil fazer uma adoção inter-racial. É importante dizer que, antes, as pessoas gostavam de esconder a adoção, esconder que o filho era adotado. Muita gente queria aparecer na sociedade com o filho como se biológico fosse, o que não é o recomendado. As coisas estão melhorando, mas temos que evoluir e muito. Mesmo com o preconceito, está mais fácil a adoção de crianças negras que de crianças mais velhas ou com deficiência. O padrão continua: menina, branca e bebê. Melhorou a aceitação da criança negra, mas não é a preferência entre os casais", disse a magistrada.
Fátima atribui a rejeição de crianças e adolescentes negros a questões culturais e preconceitos. Para a juíza, as pessoas que se inscrevem para adotar precisam entender que adoção não é satisfazer um desejo pessoal e sim abrir o coração para uma pessoa que necessita de novo lar. Para orientar sobre adoção, são realizados cursos pela Vara da Infância e Juventude.
"São dadas orientações às famílias, com psicólogas que explicam a adoção é um ato de amor. É importante que se saiba que um filho não é uma mercadoria. As pessoas vão aos abrigos, e elas têm esses direito, e é claro que muitas vezes é uma questão de empatia, mas não pode querer uma criança porque é branca, tem olho claro e cabelo loiro. Não se pode fazer uma escolha como um produto, pelo mais bonitinho, o mais arrumadinho e sem defeito", frisou a magistrada.
Mas, mesmo entre casais que adotam negros existe a dificuldade de lidar com o fato. Fátima destacou que muitas famílias tratam os filhos como "moreninhos" para não admitir a cor da pele da criança. "Faz parte do processo de formação saber a nossa origem e a raça é muito importante. Precisamos saber conviver com as diferenças de cor, credo e religião. A tendência é evoluir, as pessoas estão sendo mais sensíveis. Sou muito otimista e acredito que as coisas irão melhorar e tenho muita crença no ser humano", frisou Fátima.
Simone Sampaio já havia tido dois filhos quando decidiu adotar Samara depois de conhecer a menina em uma creche. A assistente social conta que, desde que o marido fez vasectomia, há mais de 25 anos, decidiu que adotaria uma criança.
"Tínhamos dois filhos, mas vimos que queríamos mais um. Decidimos pela adoção e fomos até essa creche. Quando cheguei lá, fui cercada por muitas crianças e vi a Samara. Ela, assim como outros meninos nessa situação, era muito carente, necessitava de muita atenção. Demos entrada na papelada, até que conseguimos a guarda", relatou Simone.
Indagada se a cor da pele da menina chegou a ser um problema para ela e a família antes da adoção, a assistente social disse que o fato nunca foi considerado relevante na hora da escolha. "Eu nunca tive problema com isso. O fato de ela ser negra incomoda muito mais os outros do que a nós mesmos. Amamos a Samara como amamos nossos filhos biológicos", disse Simone, que em 2005 perdeu um dos filhos assassinado.
A assistente social frisou que Samara chegou a questionar o porquê de os pais serem brancos e ela negra. A criança fez vários questionamentos, como lembra a mãe. Simone colocou que a influência de colegas na escola suscitou as perguntas sobre o fato de Samara não ter as mesmas características físicas de sua nova família.
"As crianças observam e perguntam mesmo. Eu deixei a Samara perguntar tudo, todas as perguntas foram feitas no tempo dela e hoje ela não questiona mais. Ela entende tudo e é muito amada por todos nós", disse Simone, acrescentando que a criança é muito querida por toda a família.
Sobre a rejeição de crianças negras em lares e creches, a assistente social afirmou que o grande problema é que os candidatos à adoção chegam com um modelo padrão do filho que desejam ter. Ela disse que as crianças e adolescentes que esperam por novos pais não podem ser tratados como produtos.
"São pessoas e não mercadorias, que têm um molde, um padrão. A escolha tem que ser do coração, por isso nada importa. Quem quer adotar precisa abrir o coração para esse novo membro da família, seja ele preto, branco, bebê ou uma criança mais velha", finalizou Simone.
A pequena Nicole surgiu na vida do casal Adriana e Ives Pontes quando ainda era recém-nascida. Hoje com quatro anos, a história da menina encanta os pais que não escondem o amor e felicidade de encontrar em uma filha adotiva ensinamentos que vão além do relacionamento familiar.
"O amor é muito generoso. Na verdade quem ganha é quem adota. As pessoas costumam dizer que ela teve muita sorte, mas quem teve sorte fomos nós que encontramos essa menina tão especial", relatou Adriana.
Mãe de dois meninos de 11 e 17 anos, Adriana afirmou que nunca pensou em adotar uma criança por seu instinto materno estar satisfeito. Segundo ela, mesmo com a família estruturada e os filhos já grandes, o esposo sempre planejava adotar uma menina. "Porém se estivesse alguém precisando de uma mãe, eu estaria disponível. Não sei como ocorreu, mas as forças positivas fizeram com que nós encontrássemos a Nicole", completou.
Diferente de milhares de casais que se dispõem a adotar, o casal garante que não levou em consideração a cor, a idade ou se era saudável. Para Adriana, quando uma pessoa se prepara para a adoção, ela não pode adotar simplesmente para resolver um problema, mas sim acolher uma criança que está precisando de uma família.
"Quando você tem filho biológico não se escolhe se ele vai ser branco, preto, alto, baixo, gordo ou magro. Já começamos a amá-lo por ele estar na nossa barriga. Então porque quando adotamos temos que escolher É bobagem achar que porque é adotivo pode dar problemas, já que muitos biológicos dão problemas para os pais", indagou.
Segundo os pais, Nicole tem um relacionamento ótimo com a família, principalmente com os irmãos. Porém, nos ambientes sociais o casal enfrenta os questionamentos das pessoas quando percebem a diferença de cor entre os pais e a criança. "Eu aprendi a não brigar mais com as pessoas por conta da indiscrição. A única coisa que me preocupo é com o mundo, porque as pessoas são cruéis. Eu tenho essa preocupação que ela se sinta inferior a outras pessoas", disse Adriana.
Por ter quatro anos, Nicole ainda não sabe que é adotada, mas Adriana garante que a filha saberá de todo o processo de adoção quando estiver maior. "Já comecei a falar que ela é minha filha que nasceu no coração, mas não da minha barriga. Com o tempo vou tendo essas conversas e contando tudo a ela", frisou.
A compreensão tida por Adriana Pontes sobre o valor da adoção é defendida pelo psicólogo Laerte Leite. O especialista explica que o processo de adoção tem que partir de um ser humano aberto para atender uma criança que necessita de amor, afeto e carinho, mas que não pode ocorrer para suprir uma necessidade interna de uma pessoa. Leite afirma que, em muitos casos, os pais e a criança não conseguem uma adaptação entre si devido às barreiras já colocadas antes da adoção.
Nos casos das crianças negras, a não aceitação da cor e o sentimento de inferioridade são os principais preconceito enfrentados pelos adotados. "Se a própria mãe não aceita a cor da criança, como ela vai aceitar a própria cor Se mãe negar a cor do filho, isso pode acarretar em uma falta de aceitação da criança, dela acreditar que não é capaz, que tem poucas oportunidades. Ela sabe que é negra, ela se olha no espelho e vê a negritude", apontou Leite.
Sobre o preconceito, o psicólogo lamenta, mas garante que é natural já que as mães chamam os filhos de "moreninhos" para aliviar o próprio racismo que existem dentro delas. Para ele, a aceitação é fundamental para que a criança sinta que faz parte daquela família, que ela é amada com a cor da sua pele.
Segundo o especialista, a escola é muito importante, não somente para o negro adotado, como para todos. É nesse espaço onde as crianças constroem suas primeiras visões sobre o mundo e aprendem a se relacionar com as pessoas. "Se tem uma visão de que o adotado é um coitado, que vai ter menos chances do que os outros. Uma pessoa é igual a todo. O adotado tem uma história diferente, mas direitos e possibilidades iguais a qualquer um que só precisam ser oferecidas, mas que geralmente são retiradas", colocou.
Leite defende que algumas escolas precisam mudar sua postura sobre o tratamento diferenciado dado a crianças brancas e negras. "Se você pegar 10 crianças brancas, pretas, amarelas e vermelhas elas vão se relacionar naturalmente. O preconceito a gente aprende, ninguém nasce com ele. Isso é aprendido na sociedade", salientou.
A crise de identidade aumenta em alguns casos após a rejeição - quando o adotado é devolvido à instituição após passar um tempo de experiência na casa de futuros pais. "Todas alimentam o desejo de ter uma família, em casar, de ter filho. Mas idade vai passando e esse sonho vai se tornando cada vez mais longe", finalizou.
A Casa Adoção Rubens Colaço é um dos abrigos públicos para crianças de até 07 anos que esperam uma família em Maceió. O local, no bairro do Farol, tem atualmente 14 crianças, entre elas seis negras (duas meninas e quatro meninos), além dos pardos.
Ingrid Amaral, coordenadora geral da Casa Adoção, disse que a maioria dos casais e pessoas que estão aptas para adotar preferem meninas brancas e de até 02 anos. Depois de 07 anos, elas vão para outros abrigos onde aguardam pela adoção. Muitos chegam aos 17 anos 11 meses e precisam deixar os locais sem terem encontrado uma família.
Ingrid afirmou que a rejeição, seja pela cor da pele, idade ou deficiência física gera muitos traumas. Ela disse que muitas crianças demonstram pelo comportamento o que sentem quando não conseguem uma nova família.
"São muitas perguntas, muitos questionamentos. Quando os visitantes chegam até o abrigo têm a tendência de colocar no colo e dar carinho aos que são mais brancos, com olhos claros e cabelos mais lisos, que eles classificam como os mais bonitos fisicamente. E muitas vezes, quando uma criança consegue novos pais, os que ficam questionam porque o amiguinho conseguiu e ele não. Uns chegam e perguntam: Quando você vai arrumar uma mãe pra mim", relatou Ingrid.
A coordenadora da Casa Adoção Rubens Colaço reiterou o que foi dito pela juíza Fátima Pirauá, sobre o fato de os adotantes buscarem um filho como quem escolhem um produto. "Infelizmente quando os pretensos adotantes vêm nos visitar, querem uma mercadoria. Existem sim aquelas pessoas que nos procuram por amor e que deixam em aberto a cor da pele da criança quando preenchem a ficha de adoção. Esses estão mais preparados para a adoção e entendem que o real valor é dar amor à criança, independente de cor, de idade e de necessidade física", destacou.
Para prestar assistência às crianças e evitar traumas, os abrigados da Rubens Colaço recebem acompanhamento. De acordo com o psicólogo Romerito Oliveira Lima, as crianças precisam lidar bem com a cor de sua pele, pois isso faz parte da história de cada uma.
"Trabalhamos com os que vão para uma nova família e também para aqueles que não conseguem. Focamos nosso trabalho no atendimento individual com cada criança, já que todos temos nossas histórias", destacou Romerito.
O Lar Batista Marcolino Magalhães abriga 21 meninas de 03 a 18 anos em Maceió. Entre elas está uma garota negra de 16 anos, que ainda aguarda pela adoção. De acordo com a bancária Irandi dos Reis, que cursa a faculdade de Serviço Social e presta serviços voluntários para o lar, a adolescente foi para o abrigo há nove anos após morar nas ruas. "É uma história muito triste, por isso ela prefere não falar sobre o assunto para não tocar em sua ferida", relatou Irandi.
Hoje a garota tem aulas de piano junto com as colegas do Lar, uma realidade permitida após a doação de instrumentos musicais feita pela ONG Moradia e Cidadania, dos Empregados da Caixa Econômica, que arcam com todos os custos das aulas.
A coordenadora do abrigo, Aurenice Beiris, garante que no processo de adoção a idade é a maior vilã para as crianças que permanecem muito tempo nas instituições. "As pessoas estão ficando mais conscientes e a preferência da cor entre as crianças hoje não é mais um tabu enfrentado por nós. Porém, a rejeição de crianças que vão para outros lares é o nosso maior problema", frisou.
Segundo ela, a adoção e aceitação com a criança se tornam mais fáceis quando o casal já tem filhos e está procurando fazer um bem para uma criança. "Nós temos o caso de uma criança que já foi levada por três famílias e voltou a três vezes. Agora ela está na sua quarta tentativa e estamos torcendo que tudo ocorra bem, porque todas as vezes que ela volta é muito difícil saber lidar com a rejeição", afirmou Aurenice.
Integrante dos movimentos negros em Alagoas há 25 anos, o professor Amauricio de Jesus afirma que as pessoas encontraram um novo olhar estético para o que é considerado belo, e isso possibilitou a diminuição da rejeição para adoção de crianças negras. Segundo ele, diversos fatores contribuíram para a queda, porém muitos entraves ainda são encontrados no processo.
"Nós vínhamos de uma cultura muito europeia, de que a estética europeia era o belo e o belo era branco. Isso seguia um padrão. Mas hoje nós já temos um novo olhar no padrão, o belo consegue ser visto em sua diversidade, esse é um dos mecanismos que tem contribuído", disse.
Para o professor, os meios de comunicação também tiveram uma parcela importante na mudança da visão estética das pessoas. "Com isso se começou a entender que a minha beleza era diferente da sua", completou.
"Quando vêm de uma família diferenciada elas tem uma maior habilidade para se relacionar com uma criança negra. Normalmente quando as pessoas se deparam com a adoção de uma criança negra elas sabem que, junto com essa criança vem toda uma linha de questão que ela terá que conviver. Isso provoca essa resistência", pontuou.
http://www.achixclip.com.br/
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