ADOÇÃO TARDIA
“A mãe da Ana chegou! A mãe da Ana chegou!” Foi o que gritaram as
crianças quando viram um carro entrar no abrigo na última quarta-feira.
Ana, de 8 anos, e o irmão Pedro, de 4, iriam, enfim, para casa. Com um
vestido lilás, a menina caminhou com passos lentos, desviando dos
amiguinhos que estavam em seu caminho. De mãos dadas com o irmão, foi ao
encontro do casal que até alguns meses atrás chamava tios. Quando
chegaram pertinho, Ana e Pedro pularam no colo dos novos pais, mostrando
o quanto esperaram por aquele momento.
A felicidade dos irmãos só
foi possível porque o consultor de informática Antônio, de 47 anos, e a
economista Carla, 38 , optaram pela adoção tardia. E eles personificam
uma tendência: a escolha de crianças com mais de 5 anos tem aumentado no
Estado. Entre 2005 e 2006, o número desse tipo de adoção cresceu 71,8%,
passando de 160 para 275.
Porém, as adoções tardias representam só
11% do total de pessoas autorizadas - 2.516 - pela Justiça, no ano
passado, a adotar crianças no Estado. A maioria (57%) prefere bebês com
no máximo 2 anos. Crianças com essa faixa etária, brancas e sem irmãos
não “esquentam” lugar nos abrigos.
Quem está fora dessas
características tem que entrar na fila, como Ana e Pedro. Ela foi
abandonada pela mãe, aos 2 anos, num abrigo da Zona Norte. Depois chegou
o irmão, recém-nascido. Eles foram as primeiras crianças a serem
apresentadas a Carla e Antônio, casados há 12 anos. Foi amor à primeira
vista.
Atualmente, 6.706 brasileiros e 385 estrangeiros
esperam sua vez para adotar um filho no Estado. Do outro lado, 1.113
crianças disponíveis não conseguem encontrar uma família. “Esses são
casos em que tentamos a adoção e ninguém quis”, disse o juiz responsável
pela área de infância e juventude da Corregedoria do Tribunal de
Justiça de São Paulo, Reinaldo Cintra. Segundo ele, isso ocorre por dois
motivos: as pessoas querem exercer a paternidade como se tivessem
gerado o filho; e não conseguem vencer os mitos que cercam a adoção
tardia. “Cicatrizes todas as crianças têm. A diferença está no preparo
dos pais.”
O casal de publicitários Rui, 49 anos e Ena
Barbosa, 48, não tem dúvidas. “É preciso estar tranqüilo e seguro para
fazer a opção”, disse Ena. E assim eles se sentiam quando, em 2004,
adotaram Luiza, de 2 anos, Isabela, de 3 e Felipe, de 7. No Fórum, eles
haviam pedido dois irmãos, saudáveis e com mais de 1 ano.
O processo
levou o tempo de uma gestação. “Mesmo que tivessem saído da minha
barriga eu já não poderia escolher”, disse Ena, que não tem filhos
biológicos. Ela e o marido decidiram fazer uma adoção tardia porque
temiam que um bebê aparentemente saudável manifestasse alguma doença
depois. “Só me deixa triste pensar que alguém teve coragem de abandonar
os meus filhos.”
O primeiro ano para a nova família Barbosa foi o
mais difícil. As crianças chegaram com piolhos e micose. A mais jovem só
queria comer salsicha e bolacha de água e sal. No final do primeiro
ano, Felipe mal sabia escrever seu nome. Agora, eles já comem brócolis e
couve-flor e o menino já leu seu primeiro livro sozinho: “Capitão
Cueca”. “Eles chegaram com sentimento de autopiedade, mas agora já
aprenderam que são é sortudos”, disse a mãe.
Desde 2004, quando o
Tribunal de Justiça começou a coletar e a organizar as informações sobre
adoção no Estado, o perfil dos candidatos a pais adotivos pouco mudou.
Em 2006, 50% deles tinham entre 31 e 40 anos, 44% cursaram ensino
superior, 66% não tinham filhos e 85% são casais.
Se não fosse
solteiro, o jornalista Christian Heinlikl, 35, estaria perfeitamente
dentro desse perfil. Ele conseguiu a autorização para entrar na fila de
adoção em abril deste ano. Em poucos dias, recebeu por e-mail uma lista
com o nome das crianças disponíveis e a idade, entre eles, Vinícius, de 8
anos. “Bati os olhos e tive a certeza de que era o meu filho. Esperei
oito anos para encontrá-lo.”
Heinlikl sempre quis ser pai. A decisão
de adotar uma criança mais velha veio dos encontros num grupo de apoio
que começou a freqüentar. “Eu tinha uma série de fantasias que não eram o
meu desejo”, disse. Foi quando ele percebeu que não queria um bebê, mas
uma criança com quem pudesse conversar. “Eu não troco fraldas do meu
filho, tá doendo ele me explica o que é. A gente conversa, ri, chora. É
uma delícia.”
Outro aspecto da adoção tardia que fascina Heinlikl é o
direito de escolha da criança. O pai novato lembra bem o dia em que
Vinícius fez a dele. Uns meses depois da chegada, o menino aprontou e
levou uma bronca. A resposta veio de pronto: “Você não é meu pai. Quero
voltar pro abrigo.” Com segurança, Heinlikl retrucou: “Se é sua vontade,
vou levar você de volta. Mas fique sabendo que sou seu pai pra sempre.”
No dia seguinte, o jornalista ligou para o abrigo e passou o telefone
para Vinícius conversar com a assistente social. Rapidinho ele desfez o
nó: “Tia, eu fiz pirraça pro meu pai, disse que ia embora, mas não vou
porque aqui é minha casa. Tchau.”
Com exceção de Heinlikl, os pais
pediram para que as crianças não fossem identificadas, temendo problemas
com a famílias biológicas.
http://gaalapraiagrande.blogspot.com.br/2011/01/adocao-tardia.html
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