sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

ADOÇÃO ESPECIAL


Quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
Jones Figueirêdo Alves
Crianças especiais merecem tratamento especial, por óbvio, com prioridade à adoção e aos programas de acolhimento, não devendo ser condenadas, indefinidamente, às filas de longa espera ou esquecidas em abrigos.

A recente lei 12.955, do último dia cinco do corrente mês, estabelece prioridade de tramitação aos processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica. A tanto acrescenta parágrafo, o 9º, ao artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069, de 13 de julho de 1990). O que muda, afinal?
Lei anterior, a 12.010, de três de agosto de 2009, já dispõe sobre o instituto da adoção e o aperfeiçoamento da sistemática prevista para a garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma do referido Estatuto.
Aquela lei produziu as mudanças mais significativas, inclusive a dizer que a adoção é medida excepcional à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança (ou adolescente) na família natural ou extensa (parágrafo 1º do artigo 39 do ECA); entendendo-se como família extensa ou ampliada a que se estende para além da unidade "pais e filhos" ou da unidade "casal", formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (parágrafo 1º do artigo 25 do ECA).
Ora bem. Prioridade processual na tramitação do feito é inerente aos mecanismos de tutela máxima ou integral de pessoas vulneráveis, não se confundindo, na hipótese, com a prioridade do próprio instituto, e a favor delas, no caso o da adoção de crianças deficientes ou com doença crônica.
Haveria melhor de cuidar a lei no sentido de oportunizar a prioridade de adoção, nessas hipóteses, com políticas públicas de incentivo, após, evidentemente, esgotados os meios de permanência do adotando potencial na sua família extensa (artigo 39, par. 1º, ECA); quiçá com "bolsa-adoção", outra espécie de "bolsa-família" (!), essa com profunda significação social.
De mais a mais, qual o sentido juridicamente indeterminado de prioridade de tramitação do feito, senão imaginar que a sua tramitação não deverá render-se às burocracias da própria lei?
No ponto, certo que a adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso (artigo 46), considere-se, então, que esse prazo seja bastante mitigado, pela tipificidade da situação, não podendo, todavia, ser dispensado o estágio, à falta de ressalva da lei.
Abreviar procedimentos da guarda provisória será, em primeira análise, uma resposta mínima que a nova lei oferece ao problema social de crianças ou adolescentes, portadoras de necessidades especiais ou com problemas de saúde, incluídas em programas de adoção. Na verdade, esse universo chega a 22,6% das crianças disponíveis para adoção, em Cadastro Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça, considerando-se as soropositivas, as deficientes físicas, as deficientes mentais, ou as com doenças tratáveis ou não tratáveis.
Lado outro, importa assinalar que no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), das 5,4 mil crianças e jovens para adoção, 4,3 mil (80%) estão na faixa etária acima de 9 anos. Enquanto isso, mais de vinte e dois mil inscritos interessados na adoção, são exigentes nas suas preferências, protraindo as escolhas e a efetividade das adoções.
Bem de ver, a propósito, que o CNA - Cadastro Nacional de Adoção, lançado em 29/4/08, no objetivo primordial de agilizar os processos de adoção “por meio de mapeamento de informações unificadas”, para além disso presta-se, com inegável possibilidade, para a implantação de políticas públicas na área.
Mas não é só. A dinâmica de preferência ou prioridade, em cadastros, deve ser orientada em favor da criança e não aos adotantes inscritos, porque o interesse pela adoção deve ser considerado em prol da criança e não dos pais interessados, segundo o princípio do melhor interesse do menor, extraído da doutrina da sua proteção integral, já expressa no art. 1º do ECA. O interesse maior da criança é um interesse diretor e regente.
Com maior precisão, o artigo 1o da lei 12.010/09 prevê a garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, "devendo o enfoque estar sempre voltado aos interesses do menor, que devem prevalecer sobre os demais". Neste sentido finalístico, o ministro Massami Uyeda, relator do Resp n. 1.172.067, sublinhando que são nobres os propósitos contidos no artigo 50 do ECA, entendeu que a observância do cadastro com a inscrição cronológica dos adotantes não pode prevalecer sobre o melhor interesse do menor. “Não se está a preterir o direito de um casal pelo outro, uma vez que, efetivamente, o direito destes não está em discussão. O que se busca, na verdade, é priorizar o direito da criança de ser adotada pelo casal com o qual, na espécie, tenha estabelecido laços de afetividade”, acentuou o relator.
Em outras latitudes, cuide-se também ponderar sobre a prioridade, nos casos onde não identificados pessoa ou casal interessado na adoção de crianças especiais, das suas colocações mais urgentes sob a guarda de famílias cadastradas em programa de acolhimento familiar, na forma prevista pelo parágrafo 11 do artigo 50 do Estatuto. Por identidade de razões, haverá também pensar, topicamente, em preparação psicossocial e jurídica especificas àqueles postulantes pais adotantes de crianças em situações que tais, guardando conformidade com o parágrafo 3º do mesmo artigo 50.
Logo, crianças especiais merecem tratamento especial, por óbvio, com prioridade à adoção e aos programas de acolhimento, não devendo ser condenadas, indefinidamente, às filas de longa espera ou esquecidas em abrigos.
Em ser assim, haveria melhor de ter cuidado a novel lei a respeito da "adoção intuitu personae", mitigada que foi pelo parágrafo 13 do artigo 50 do ECA, quando ali tratou de exceções à regra do cadastro prévio (a exemplo da adoção unilateral ou por parente do adotando com laços de convivência e afetividade já verificados). Adoção direta e pessoal, sim, por se tratar de crianças especiais. Com efeito, melhor teria sido inserir inciso IV àquele parágrafo 13 do artigo 50 para cogitar da especialidade da adoção e não, propriamente, da tramitação do seu processo.
De todo modo, quer parecer, agora, essencial, com a edição na lei 12.955, que diretivas do Conselho Nacional de Justiça e da Corregedoria Nacional de Justiça venham dispor sobre o exato alcance da prioridade de tramitação dos feitos de adoção, que envolvam crianças especiais. A adoção especial reclama mecanismos mais eficazes para a sua efetividade.
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* Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do TJ/PE, diretor nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família e coordena a Comissão de Magistratura de Família.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI196259,21048-Adocao+especial

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Para especialisas, criança adotada não deve voltar a pais biológicos


VITOR FRAGA
 
A partir deste mês de fevereiro, segundo decisão da Justiça de Minas Gerais, a menina M.E., que tem cerca de 5 anos, teria que voltar a morar com sua família biológica, da qual foi separada aos 60 dias de vida, também por decisão judicial, por conta de denúncias de maus tratos. Porém, a decisão foi suspensa, no final de janeiro deste ano, por uma liminar concedida pelo desembargador Edilson Fernandes, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça mineiro, que permite aos pais adotivos retomarem a guarda da menina até o fim do processo. Apenas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode reverter essa decisão.
 
O caso transformou-se em um dos principais assuntos nas redes sociais desde o fim do ano passado e vem gerando um grande debate sobre o processo de adoção no país. O que deve pesar mais, o direito dos pais biológicos de se arrependerem e reverterem a adoção ou o direito dos pais adotivos de manterem os laços afetivos criados com a menina? Em meio a essa disputa, outra pergunta se impõe: e o direito da criança?
 
O que deve pesar mais, o direito dos pais biológicos de se arrependerem e reverterem a adoção ou o direito dos pais adotivos de manterem os laços afetivos criados com a menina?
Conheça o caso
 
A história começou em 2009, quando após denúncias de maus-tratos, o Ministério Público (MP) mineiro solicitou à Justiça que Robson Ribeiro Assunção e Maria da Penha Nunes fossem destituídos do poder pátrio de M.E. e outros seis filhos mais velhos. Duda, como é chamada hoje pelos pais adotivos, tinha na época dois meses, e foi encaminhada para um abrigo (ou entidade de acolhimento institucional). Com dois anos, a menina foi entregue para Válbio Messias da Silva e Liamar Dias de Almeida, que se tornaram seus guardiões legais enquanto corria o processo de adoção. Moradores de Contagem (MG), eles têm uma filha biológica de 12 anos, e já estavam na fila de adoção há cinco.
 
Durante mais de dois anos e meio, Duda vem convivendo e constituindo laços afetivos com seus pais e sua irmã adotivos. Porém, ao longo do processo, os genitores conseguiram provar à Justiça que haviam se reabilitado, e em abril de 2013 três desembargadores da 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) determinaram em decisão unânime que a criança deveria retornar para o convívio da família biológica – os seis filhos mais velhos já voltaram. Após uma batalha de liminares e recursos, em outubro de 2013 foi estabelecido um prazo de cinco meses para a reintegração de Duda à família biológica – o que deveria acontecer a partir de fevereiro de 2014, de forma gradual, não fosse a liminar concedida no final de janeiro.
Como o processo iniciado pelo MP de Minas Gerais tramitou em julgado, foi iniciada outra ação judicial, agora tendo os pais adotivos como autores, para destituição do poder familiar dos genitores de Duda. O pai adotivo demonstra esperança de vitória no novo processo.
 
"O processo de destituição da guarda dos genitores já transitou em julgado, e a decisão judicial é pelo retorno da criança para os pais biológicos. Mas não participamos desse processo, e entramos então com outra ação, que foi negada em 1ª instância pela justiça de Minas. Estamos aguardando a apreciação do agravo na 2ª instância, esperançosos de que o processo seja aceito", afirma. O argumento para a não aceitação do segundo processo é o de que o mérito já teria sido julgado na primeira ação. "Não é verdade, são dois processos diferentes. O primeiro foi movido pelo MP contra os genitores, antes mesmo de conhecermos a Duda. A ação que propusemos é outra coisa, o motivo do processo é outro", insiste Válbio.
 
A criança como "sujeito de direitos"
 
No dia 27 de novembro do ano passado, houve uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para discutir o caso – outra audiência já havia ocorrido na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, no final de outubro. Na ocasião, a presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad) lembrou que a noção de família juridicamente reconhecida atualmente considera os laços afetivos. "Os laços consanguíneos há muito tempo não determinam família. A família está onde mora o afeto", declarou Suzana Schettini na audiência, argumentando ainda que os direitos de Duda não estariam sendo considerados. "Ela tem direitos, é um sujeito de direitos. Quem é que está olhando pra ela? Parece-me que ninguém", lamentou.
 
O vínculo afetivo e o sentimento de segurança certamente consolidados não deveriam ser desconsiderados pelos eminentes julgadores
Samantha Pelajo
presidente da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB/RJ
 
Segundo a presidente da Comissão de Mediação de Conflitos (CMC) da OAB/RJ, Samantha Pelajo, embora seja difícil opinar sem ter acesso aos autos do processo, é essencial proteger os interesses da criança. "Muito embora a colocação em família substituta seja uma exceção legal, fato é que essa criança parece ter passado por situações graves demais em tão poucos anos de vida. O vínculo afetivo e o sentimento de segurança certamente consolidados não deveriam ser desconsiderados pelos eminentes julgadores", diz.
 
Para ela, "a Constituição da República e o Estatuto da Criança e do Adolescente são categóricos ao afirmarem que o princípio da proteção integral tem prevalência, devendo ser considerado norteador de qualquer decisão estatal". O artigo 227 da Constituição Federal afirma que: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".
 
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado pela Lei nº 8.069/90, reforça essa ideia em seu primeiro artigo, ao definir que: "Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente".
 
Para a diretora jurídica da Angaad e presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), Silvana do Monte Moreira, a decisão da Justiça está na contramão desse novo paradigma. "[A decisão] está baseada no que chamamos de biologismo. Laços de sangue não significam nada, o que gera as relações familiares é o afeto, a convivência. Tenho duas filhas, uma que eu gerei e outra que adotei. As duas são filhas biológicas, porque os seres humanos são biológicos. Aprendi que precisava adotar as duas, porque é na adoção que a gente se entrega e que a gente ama. Precisamos adotar o filho, o pai, o amigo. O sangue é o que tem menos valor na vida, o que importa são os laços de afeto", argumenta Moreira.
 
Ela considera que, socioafetivamente, Duda é filha de Liamar e Válbio, não tendo vínculos com os genitores, que só conviveram com a menina por 60 dias. "Eles são completos estranhos para ela. Por que tratar com supremacia os laços de sangue? A criança por caso é objeto desses genitores? É o que parece, que ela não está sendo considerada sujeito de direitos, e sim objeto de propriedade. É como se agora os genitores estivessem fazendo uma emissão de posse de um objeto", critica.
 
O desembargador Siro Darlan, ex-titular da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca do Rio de Janeiro, afirma que a decisão de devolver a criança aos genitores ignorou "o princípio do interesse superior da criança e do adolescente", já que, para ele, "o erro inicial foi o do abandono". "Não há perdão possível para o adulto que gera uma criança e a abandona. É como se a tivesse matado, o que ocorre no subconsciente da criança abandonada. Como é que você vai reintegrar uma criança abandonada no seio de um grupo familiar que em algum momento de sua história se desfez de sua vida, de sua companhia e de seu afeto e cuidado?", questiona o magistrado.
 
A presidente da CMC sublinha que o melhor interesse de Duda deveria prevalecer, seja através da sua manutenção "junto à sua família socioafetiva, que lhe proporcionou ao longo dos últimos anos um ambiente profícuo ao desenvolvimento pleno de suas potencialidades, eis que repleto de afeto e com a garantia de educação, saúde e segurança", ou através da reintegração "ao convívio de sua família biológica, que no passado foi muito pouco acolhedora, mas promete uma postura mais condizente com aquela preceituada pela Carta Magna".
 
Nesse último caso, Duda teria a vantagem de conviver com os irmãos biológicos e ter acesso à sua identidade biológica. "Mas isso é pouco perto do afeto e da segurança que ela tem com os pais adotivos, e são coisas que poderia ter mesmo continuando com a família que a acolheu", diz Pelajo.
 
Na prática, as crianças continuam sendo punidas com a privação da liberdade pelo fato de terem sido abandonadas pelas famílias biológicas
Siro Darlan
ex-titular da 1ª Vara da Infância e Juventude 
A diretora jurídica da Angaad ressalta que, nessas condições, apenas a criança seria "um sujeito com prioridade absoluta conferida pela Constituição Federal", mas que essa prioridade não está sendo considerada no caso da Duda. "Está se considerando a supremacia desses malfadados laços sanguíneos. Duda não está sendo considerada pela Justiça como sujeito de direitos. O melhor interesse da criança é ser mantida no lar onde ela tem afeto e é tratada como sujeito de direitos, não como objeto", declara Moreira.
 
Em contraposição à noção de proteção integral da criança, o artigo 19 da Lei nº 12.010/2009 ("Lei de Adoções") aponta que a manutenção ou reintegração da criança ou adolescente em sua família biológica tem preferência em relação a qualquer outra providência. Segundo Darlan, a lei não representou mais garantias para o direito das crianças. "A Lei 12.010/09 foi um retrocesso. O artigo 7º da Convenção das Nações Unidas sobre o direito da criança lhe outorga o direito de ter uma família e não diz que tem que ser dessa ou daquela natureza. O importante é que seja garantido esse direito. Nesse particular, a legislação brasileira não avançou e é preciso mudar essa mentalidade", sustenta o desembargador.
 
Apesar de reconhecer que "tecnicamente houve algum avanço" com a Lei de Adoções, como "a limitação do tempo de abrigamento", ele assinala que a ausência de fiscalização cria uma situação em que "na prática as crianças continuam sendo punidas com a privação da liberdade pelo fato de terem sido abandonadas pelas famílias biológicas".
 
Ruptura de vínculos afetivos
 
Do ponto de vista psicológico, é impossível determinar com certeza se Duda terá ou não dificuldades no futuro em função das sucessivas rupturas afetivas. A psicóloga Maíra Dourado diz que a primeira ruptura, quando a criança foi retirada dos genitores e levada a um abrigo, estabelece uma marca menos profunda já que "sob o ponto de vista cognitivo, com dois meses, a criança interage, mas não estabelece relação socioafetiva significante".
 
No entanto, as rupturas seguintes tendem a ser mais significativas, pelo tempo de convivência. "Ao longo de um ano e oito meses no abrigo, a criança criou vínculos. A partir do momento em que ela olha e sorri, interage, ainda que através das linguagens não-verbais. Ao sair do abrigo houve outra ruptura, e ela foi entregue aos guardiões, com quem conviveu até agora. Se você pedir a uma criança de quatro anos para desenhar a família, ela desenhará todos e dará nomes", explica a psicóloga, que criticou o fato de a decisão judicial não priorizar o bem-estar da criança.
 
"Não se trata de uma almofada, é uma criança. Todo esse movimento feito com a Duda pode ter gerado nela uma sensação de insegurança e desamparo muito grande. Se uma criança que não se sente segura em lugar nenhum, porque a qualquer momento pode ser tirada e jogada em outro lugar, psicologicamente é complicado. Ela não é minha paciente, mas posso afirmar que os desembargadores [que decidiram pelo retorno para a família biológica] não olharam para a Duda", completa.
 
Como o caso se tornou emblemático, a Angaad entrou com pedido para ser incluída como amicus curiae na ação, por entender que se trata de "um processo de repercussão geral para a adoção em todo o Brasil". Mesmo após o pedido ter sido negado duas vezes, a entidade entrou com um agravo regimental, que está em processo de análise – dependendo do resultado, a associação poderá fazer o pedido diretamente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
 
"A Angaad continuará insistindo nesse e em todos os casos em que o direito da infância estiver sendo suprimido em prol de laços sanguíneos desprovidos de afeto", diz Silvana Moreira. Para ela, o caso de Monte Santo (BA) pode ter sido um divisor de águas. "Tenho a impressão de que Monte Santo foi a abertura de portas para que juízes sem conhecimento específico tomem decisões em relação a uma matéria tão complexa como o direito de uma criança. Não dá para tratar a infância como a justiça trata a questão do consumo ou mesmo crimes comuns".
 
Em dezembro de 2012, a cidade de Monte Santo esteve nas manchetes de todo o país por causa da adoção, supostamente irregular, de cinco dos seis filhos de Silvânia da Silva. Em junho de 2011, as crianças foram retiradas da família biológica por decisão do juiz Vítor Bizerra, que na época atuava na Comarca, sob alegação de que sofreriam maus tratos. Duas delas foram levadas para Campinas e as outras para Indaiatuba, cidades do interior de São Paulo. Em setembro do ano passado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afastou Bizerra das funções jurisdicionais, abrindo um procedimento disciplinar contra o magistrado para apurar se houve irregularidades na decisão que autorizou a adoção. Em novembro de 2012, o juiz Luiz Roberto Cappio determinou o retorno das cinco crianças, que no mês seguinte foram levadas de volta para a mãe biológica.
 
Outro caso semelhante aconteceu no final de dezembro de 2013, em Vitória (ES). Um menino de um ano, que já estava há 8 meses com a família adotiva, teve que ser devolvido a um abrigo por ordem judicial do TJES, a pedido da mãe biológica – uma adolescente de 14 anos que saiu recentemente do abrigo onde vivia e quer reconstruir os laços familiares com a criança que havia sido entregue para adoção. "Eu não escolhi, eu fui escolhida. Estava na fila de espera, a justiça me ligou e me entregou meu filho. Quero que a Justiça me diga: o que faço agora?", questionou a mãe adotiva, Andréia Sartori, em declaração dada a um telejornal local na época.
 
Segundo o último levantamento feito pelo Cadastro Nacional de Adoção (CNA), criado há cinco anos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em maio de 2013 havia 5.426 crianças e adolescentes aptos para adoção em todo o país, para 29.440 pretendentes cadastrados. Há mais de 44 mil crianças acolhidas que não estão no cadastro nacional, em função da lentidão na destituição do poder familiar e da regularização da adoção. A gestora do Módulo Criança e Adolescente (MCA) – criado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para "gerir, administrar e possibilitar a rápida ação de todos os atores do sistema em relação às crianças abrigadas" – e promotora de Justiça Daniela Moreira Vasconcellos afirmou que hoje no Estado do Rio existem "249 crianças e adolescentes aptos à adoção", considerando "apenas aqueles para quem ainda não se encontrou adotantes". Para ela, "vem ocorrendo sensível incremento nas adoções nos últimos 10 anos".
 
"Esse incremento se deve, principalmente, à divulgação e à naturalização da adoção, com suas peculiaridades. Uma vez que a criança se encontre adaptada à família adotiva, onde tenha sido colocada por decisão judicial embasada em sólido conjunto probatório, por óbvio não há que se falar em retorno aos pais biológicos, contanto tenha sido assegurado a estes o direito à ampla defesa e ao contraditório. Criança não é objeto e a desestruturação da realidade em que está inserida em seu melhor interesse com certeza é sempre prejudicial", argumenta a promotora.
 
Uma família para quem precisa
 
O caso de Duda ganhou repercussão nas redes sociais após a criação pela família adotiva de uma campanha para ficar com a guarda da menina – até o fechamento desta edição, mais de 25 mil pessoas haviam curtido a página "Fica Duda" no Facebook –, sendo amplamente noticiado pela mídia e dando visibilidade ao debate sobre adoção no Brasil. Silvana Moreira teme que o caso desestimule a busca por adoção.
 
"A Duda foi colocada em uma família quando já tinha um ano e dez meses, já não era mais um bebê. Essa família amou e cuidou dela por quase três anos, e de repente a mesma Justiça que a entregou para adoção está tirando a criança da família adotiva. Isso coloca em total descrédito o instituto da adoção", critica. "Temo que esse processo venha a desestimular as adoções no Brasil inteiro, o que já vem acontecendo. Há muita gente com guarda provisória apavorada porque acha que perderá o filho a qualquer momento. Há crianças mais velhas que têm medo de perder os pais que conseguiram", alerta.
 
A psicóloga Maíra Dourado corrobora a argumentação. "Ouvi relatos de pais que estão muito inseguros com essa situação. A pessoa está em um processo de adoção, que já é burocrático, extenuante, e de repente pode perder a guarda da criança com a qual já está construindo laços? Como lidar com processos de adoção que duram anos, sem conclusão?".
 
Na opinião de Darlan, a demora nos processos de adoção aumenta o risco de situações como essa se repetirem. "O decurso do tempo no processo de adoção é absurdo e não se justifica em face da prioridade que devem ter os Juizados da Infância e da Juventude. Decisões como essas não respeitam o sentimento das crianças e causam danos muito grandes ao desenvolvimento delas", diz o desembargador. Dourado lembra que a longa duração não é percebida da mesma forma por adultos e crianças. "Como pode um processo de adoção durar três anos? Para um adulto passa rápido, mas no caso da Duda os três anos que ela passou com os guardiões são quase tudo na vida dela", acrescenta.
 
Segundo Pelajo, o tempo dos processos "muitas vezes não acompanha o ritmo dos acontecimentos". "Essa criança, que viveu por mais de ano em abrigo, merece que sua estabilidade afetivo-emocional seja preservada. Se o estágio de convivência se concluiu com sucesso e os requisitos da adoção foram atendidos a contento, não se deveria admitir que a demora na tramitação processual faça com que, mais uma vez, o mundo dessa criança se desestabilize por completo".
 
Essa é uma das principais preocupações dos pais adotivos, que tentam preservar a criança em meio à disputa judicial. "Estamos poupando nossa filha, ela não sabe do que está acontecendo, tem menos de cinco anos. Estamos esperançosos de que o processo [de destituição do poder familiar dos genitores] será aceito. Esperamos que os magistrados saiam do tecnicismo da lei e pensem no bem-estar da criança", disse Válbio.
 
Diante de toda a discussão, a noção de família como grupo social composto apenas por pessoas ligadas por laços de sangue parece ultrapassada. "Ainda existe na nossa sociedade quem pense em manter a linhagem sanguínea, mas na contemporaneidade isso já não cabe mais. Existem diversos tipos de famílias, homoafetivas por exemplo. A família de sangue não se escolhe, mas a família que a pessoa irá construir, os amigos que terá, sim. Há irmãos de sangue que não têm um vinculo afetivo tão forte quanto dois grandes amigos", pondera Dourado.
 
Para Siro Darlan, esse problema resulta do fato de que alguns juízes "não se modernizaram e não acompanharam o desenvolvimento das novas modalidades de famílias que a sociedade criou". Ele diz que "o instituto do afeto, hoje elevado à categoria de bem juridicamente protegido, é o único que justifica a união entre pessoas. De nada adianta uma família consanguínea onde não há o afeto e o respeito mútuo. Na verdade faltam critérios na escolha dos juízes vocacionados para as varas da infância e da juventude pelos tribunais que tem adotado critérios políticos de favorecimento em detrimento daqueles mais vocacionados", critica.
 
Silvana Moreira reforçou o argumento da necessidade de capacitação do poder judiciário para atuar na área. "Todas as varas teriam que ter equipe técnica, composta por psicólogo e assistente social. Quando têm, o número não é o suficiente", acrescentou. Na avaliação dela, o Judiciário precisa respeitar a prioridade absoluta das crianças, inclusive acima de seus próprios dogmas. "Por isso tentamos mudar esse paradigma tradicional de adoção que existia antes, de dar um filho para o casal que não pode gerar. O paradigma que usamos hoje é dar uma família para a criança que dela precisa", conclui.
 
Versão online da Tribuna do Advogado

Matéria na íntegra: http://www.oabrj.org.br/materia-tribuna-do-advogado/18017-Direito-ao-afeto

A ADOÇÃO SEM AFETO: UMA ESCOLHA EQUIVOCADA OU INCAPACIDADE DE CRIAR?


Naiara Czarnobai Augusto
02/2014

A chegada do filho adotivo deve ser planejada, esperada e, especialmente, deve-se amá-lo antes de conhecê-lo. A adoção é o meio pelo qual o filho ganha uma família e um lar para chamar de seus. Qualquer expectativa fora deste propósito será frustrada.

Você certamente deve lembrar que há dez anos aconteceu um Tsunami no Sudeste Asiático que matou aproximadamente 390 mil pessoas. Cinco anos depois, Obama tornou-se Presidente dos Estados Unidos, houve um alastramento mundial da Gripe A, e faleceu Michael Jackson. Em 2011 Willian e Kate casaram-se, e Osama e Jobs faleceram.

Apesar de não saber exatamente em que época da sua vida isso aconteceu, em algum canto da sua memória, certamente haverá uma vaga lembrança acerca destes episódios, afinal dez anos é um intervalo muito grande para se ter registrado na mente tudo o que se viveu. Entretanto, estes mesmos 3653 dias da última década intensificaram o sentimento de rejeição e abandono de milhares de crianças e adolescentes que estão em instituições de acolhimento, aguardando uma família.

No Estado de Santa Catarina, por exemplo, segundo dados da Coordenadoria Estadual de Infância e Juventude, existem crianças que estão acolhidas há 10 anos. Elas crescem sem vínculos afetivos consolidados, sem a figura de um principal cuidador, e a cada dia veem diminuir a expectativa de receberem um ambiente familiar saudável e protetor. Muitas delas, inclusive, já carregam sentimentos de abandono, têm um péssimo histórico familiar, e foram vítimas de toda forma de violência, sofrendo abusos sexuais e psicológicos.

A estatística, de fevereiro de 2014, não considera crianças acolhidas por período inferior a 2, e nem superior a 10 anos, bem como aquelas consideradas não aptas à adoção. Dados do CUIDA (Cadastro Único Informatizado de Adoção e Abrigo) demonstram que em Santa Catarina há 703 crianças aptas à adoção, e outras 7221 não aptas, em razão de não ter sido extinto o poder familiar dos pais biológicos. Em contrapartida, existem 3339 casais ou pessoas solteiras pretendentes cadastradas.

Numa primeira leitura, esta espera de ambos os lados parece injustificável. Entretanto, estes 703 infantes ainda permanecem acolhidos pelo fato de não se “enquadrarem” nas preferências dos interessados na adoção, já que não correspondem às características, à idade, à cor ou ao estado de saúde e ao gênero do pretendido filho.

Muito embora o cadastro objetive garantir a seleção de pessoas capacitadas para serem responsabilizadas pela condução do desenvolvimento de uma criança ou de um adolescente, para alguns, também acaba induzindo à ilógica conclusão de que o instituto da adoção se limita à triagem de candidatos ao filho ideal, fazendo com que, como num catálogo de produtos, se escolha a criança mais simpática, mais educada e com a melhor aparência.

A expectativa que os adotantes colocam sobre o adotado pode fazer com que o entusiasmo dê lugar à frustração. Os pézinhos fofinhos crescem, as necessidades emocionais e financeiras aumentam, a responsabilidade é maior a cada ano. Alguns pais esquecem que filho adotivo também faz xixi na cama, tira nota baixa na escola e pode ter dificuldades para manter relacionamentos sociais. Crianças e adolescentes necessitam de atenção e cuidado. Todos, sejam eles frutos de concepção ou de escolha.

Assim como o filho biológico, o recebimento de um filho adotivo deve ser planejado, esperado, e, acima de tudo, deve-se amá-lo antes mesmo de conhecê-lo. A adoção não é simplesmente um instituto jurídico para formação de vínculos. É o instrumento pelo qual o filho ganha pais, uma família e um lar para chamar de seus. São as ligações de afeto que transformarão isso em realidade, tal qual para com o filho gerado.

A criança adotada não tem a obrigação de salvar um casamento fadado ao insucesso ou de recuperar a autoestima da mulher que desistiu da gestação natural. A adoção não é a solução para todo e qualquer problema. Não dos pais/adotantes.

Ao contrário, o principal motivo deve ser SEMPRE o bem estar físico, emocional e espiritual dos adotados, que já tiveram suas vidas abreviadas, já foram vítimas de violência ou negligência, experimentando, pois, sofrimento suficiente para que não sejam, ainda, responsabilizadas pela salvação do casamento ou da vida do adotante. A Lei n. 8.090/90 é explícita em relação à doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, e tudo deve atender ao seu superior interesse.

Esta visão equivocada com relação ao instituto da adoção, resultou na “devolução” de 40% das crianças e adolescentes em 2011, muitas delas pela segunda ou terceira vez, e por famílias distintas. Como se fossem produtos, estes infantes foram rejeitados por aqueles que, antes, optaram por ser seus pais. Escolheram! Não foi um descuido ou um “acidente”. Todo o procedimento de cadastro e seleção de pretendentes à adoção é especialmente rigoroso para evitar que os direitos e os interesses dos infantes sejam novamente objeto de negligência, objetivando, com isto, conferir segurança jurídica a todos os envolvidos no processo.

Apesar disso, 40% destas crianças que chegaram a acreditar que finalmente teriam um lar, foram novamente rejeitadas, consideradas desajustadas e incapazes de responder às expectativas dos então genitores.

Hália Pauliv de Souza, brilhantemente afirma que as pessoas interessadas na adoção devem fazer uma auto-análise para que saibam qual a motivação para esta decisão. Ainda, “devem se conscientizar nitidamente da responsabilidade e complexidade do ato. É extremamente doloroso o arrependimento dos pais, e mais doloroso ainda para a criança saber-se novamente indesejada, podendo mesmo ser devolvida para a instituição"1.

Maria Luiza de Assis Moura, por sua vez, ressalta que

“Para adotar é preciso rever as próprias motivações e expectativas em relação à parentalidade, [...] ter consciência das particularidades que envolvem a adoção, além do sentimento e a vontade de se tornarem “pai” e “mãe”. Enfrentar os próprios medos e preconceitos, ser capaz de aceitar outro ser diferente de você (geneticamente e socialmente), estar pronto para auxiliar essa criança a crescer e atingir seu potencial máximo, aceitar as limitações emocionais e lidar com a própria frustração em não conseguir o filho idealizado, mas aceitar e amar o filho real”2.

Embora a adoção seja irrevogável, lamentavelmente esta prática tem ganhado contornos de naturalidade no cenário brasileiro. Arrependimentos desta natureza revelam que os adotantes não estavam plenamente conscientes das consequências da adoção, e que seriam responsáveis por conduzir o desenvolvimento destes infantes, que merecem especial atenção pela sua peculiar condição de vida.

Estas devoluções, associadas à longa permanência em instituição de acolhimento, podem resultar danos psicológicos irreversíveis, de modo que todo o desenvolvimento da criança ou do adolescente pode restar prejudicado em razão dos danos emocionais decorrentes da inserção em uma família desestruturada ou do retorno à instituição. As consequências poderão se prolongar durante toda a fase adulta, permitindo a formação de um ciclo insano: quem não recebe amor e cuidado tampouco será capaz de repassá-los aos seus pares.

Todos os procedimentos de extinção do poder familiar ou de colocação em família substituta deveriam ser adequadamente instruídos com o acompanhamento de equipe interdisciplinar, capaz de identificar e trabalhar no sentido de reduzir os impactos emocionais na vida da criança ou do adolescente tutelado. A realidade da Justiça, porém, revela que em muitas comarcas não há profissionais especializados para trabalhar nesta área.

Quanto antes ocorrer a intervenção, mais cedo eles terão a chance de serem reintegrados em um ambiente saudável, ou, quiçá, de serem acolhidos por pessoas que lhes garantirão os seus direitos essenciais, dentre os quais, de serem respeitados e amados, com a preservação da sua integridade física e psicológica.

Infelizmente, o retardamento de soluções jurídicas práticas tem resultado na permanência dos acolhidos por tempo superior ao previsto da Lei n. 8.090/90, que é de dois anos. Quanto mais velha a criança vai ficando, menos chances ela tem de ser escolhida em processo de adoção, e quanto mais tempo ela permanece vivendo com outros acolhidos, menos definidos serão os traços da sua personalidade, pela pouca subjetividade do tratamento conferido nas instituições.

A psicologia do desenvolvimento, objeto de estudo de Jorge Trindade3, divide em estágios as etapas do crescimento humano. Na primeira infância - do nascimento até 3 anos -, o apego aos pais e a outras pessoas familiares vai se alicerçando, e a autoconsciência se estabelece em torno dos dois anos. Conforme o autor, na segunda infância - que vai dos 3 aos 6 anos -, a família ainda é o núcleo da vida, embora outras crianças comecem a se tornar importantes. Já na terceira infância - 6 a 12 anos -, a autoimagem aperfeiçoa-se, afetando a autoestima, e os amigos assumem, então, importância fundamental, sobrevindo na adolescência, a busca da própria identidade como fator primordial.

A cada ciclo se consolida uma série de características físicas e emocionais, e a influência do meio é decisiva na formação da personalidade, ressaltando-se que a família tem papel essencial neste desenvolvimento.

Especialmente ao tratar de crises psicossociais, como confiança e desconfiança, autonomia, dúvida, vergonha, iniciativa, culpa, produtividade, inferioridade, identidade, intimidade, isolamento, geratividade, estagnação, integridade e desespero, Jorge Trindade destaca que a figura materna, os pais e a família básica são referenciais de relações significantes nas três primeiras infâncias, acrescentando que:

[…] desde o início, a família tem enorme influência no desenvovimento da criança. Os vínculos formados durante a primeira infância afetam a capacidade de estabelecer relacionamentos íntimos posteriores ao longo de toda a vida, marcando as experiências seguintes quanto expressões emocionalmente reeditadas de acordo com os padrões preestabelecidos nas relações afetivas dos vínculos precoces (attachment)4.

E o autor prossegue exaltando que:

[...] no processo inicial de socialização, as famílias modelam e programam o comportamento e o significado de identidade da criança. A experiência humana de identidade tem dois elementos: um sentido de pertencimento e um sentido de ser separado. O sentido de pertencimento aparece com uma acomodação de parte da criança aos grupos familiares e com sua pressuposição de padrões transacionais na estrutura familiar, que são conscientes durante todos os diferentes acontecimentos da vida. O sinal de pertencimento de cada membro é influenciado por seu sentido de pertencer a uma família específica5.

Como se vê, o especialista em Psicologia ressalta como é importante que as bases familiares sejam solidificadas ainda nos primeiros anos de vida para que seja construída uma identidade emocionalmente saudável.

Com este propósito, a Lei n. 8.069/19906 estabelece que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família, e que a sua permanência em instituição de acolhimento não poderá se prolongar por período superior a 2 anos, salvo comprovada e imperiosa necessidade.

Se o Estado reconhece como inviável a permanência da criança no núcleo familiar natural e admite a intervenção para que cesse qualquer influência prejudicial ao seu desenvolvimento, há que assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação de todos os seus direitos e todas as suas necessidades, inclusive afetiva, espiritual, emocional e social. E como garantir isto em uma instituição com título de provisoriedade? Como garantir que lhes sejam concedidas todas as oportunidades de um desenvolvimento pleno e sadio quando são retiradas daqueles que mantêm o seu único referencial familiar?

O instituto da adoção deveria vir ao encontro deste ideal de plenitude de direitos. Conquanto respeitável o trabalho de todos os envolvidos no sistema de justiça da infância e juventude, a sociedade ainda tem a ideia de que acolher como seu, o filho de outro, não é mais do que uma ação social e quando o resultado dela não é positivo ou não atende as expectativas, acredita-se que ela pode ser simplesmente revertida. Devolve-se. Extingue-se o poder familiar. Com isto, o estado psicológico do adotado que recebeu a condição de filho para todos os fins legais sofre outros danos, intensificando as raízes do medo e da rejeição da primeira família desfeita.

Com o advento da Lei n. 12.010/2009, que visa a aperfeiçoar a sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, temos uma nova concepção do instituto da adoção. Esta modificação legal foi destacada em obra de Maria Berenice Dias, para quem

Agora, a adoção significa muito mais a busca de uma família para uma criança. Foi abandonada a concepção tradicional, em que prevalecia sua natureza contratual e que significava a busca de uma criança para uma família. Não é uma paternidade de segunda classe e se prefigura como a paternidade do futuro, enraizada no exercício da liberdade. [...] A filiação não é um dado na natureza, mas uma construção cultural, fortificada na convivência, no entrelaçamento de afetos, pouco importando sua origem7.

É sobremaneira importante que esta convicção esteja presente durante todo o procedimento de preparação dos interessados na adoção, especialmente no que se refere às crianças que se encontram nas primeiras etapas do ciclo vital e necessitam de especial cuidado para formação da sua personalidade. Deve ser evitada a retomada do ciclo vicioso de vitimização desses infantes.

A partir de uma leitura freudiana, Jorge Trindade ressalta que “havendo um trauma ambiental, constitucional ou ambos, a criança teria seu desenvolvimento fixado nessa fase e retornaria a ela num momento de estresse futuro”, concluindo que “tal energia será canalizada para todos os aspectos da vida, profissional, afetivo, religioso, sendo que a maneira como esse desenvolvimento se deu nos primeiros cinco anos de vida é que irá traçar a forma como o adulto irá se relacionar com os outros e com o ambiente”8.

Tânia da Silva Pereira, com singular sensibilidade, aborda a importância do afeto no desenvolvimento do ser humano, que

[…] desde a sua infância, tem uma reserva afetiva, o que faz relacionar-se com outras pessoas. Sobretudo a criança e o jovem precisam receber e dar afeto para se tornarem seres humanos integrais. No seu processo de amadurecimento, seja na escola ou na família, ou mesmo no seu grupo de amizade, apelar aos sentimentos é, muitas vezes, mais convincente do que apelar por argumentos racionais. Tratada, com afeto, responderá afetuosamente. Tratar a criança com afeto, carinho e respeito serve de amparo e estímulo, ajudando-a a suportar e a enfrentar dificuldades, ao mesmo tempo em que lhe dá inspiração e ânimo para um relacionamento pacífico e harmonioso com os que o cercam. A falta de afeto faz crianças tristes e revoltadas; mostram-se rebeldes, indisciplinadas, ou simplesmente incapazes de agir com segurança e serenidade9.

Convém destacar que não importa se a criança vai encontrar seu referencial em um núcleo biológico ou substituto, desde que ela se sinta membro de uma família acolhedora, onde o afeto seja a principal fonte de existência. Com esta perspectiva, a posse do estado de filho influenciará no desenvolvimento deste infante, que não será prejudicado no desenvolvimento da sua personalidade até a maturidade emocional.

Eis a razão para, quando esgotadas as tentativas de permanência na família natural, a substituta exercer um papel sublime, que transcende a paternidade ou maternidade biológica. Não são os laços sanguíneos mais importantes do que o afeto e o amor que podem ser gerados em uma família onde cada um de seus membros tem direito à almejada felicidade e autorrealização.

Portanto, sendo a família a base da sociedade e a primeira instituição social a que o indivíduo é inserido, a preocupação dos operadores jurídicos do sistema da infância e juventude deve ser sempre a mais rápida e eficiente resposta aos conflitos familiares, evitando o prolongamento desnecessário do período de acolhimento ou o absurdo crescimento de "devolução de filhos adotivos".

Esta situação reclama urgentemente uma drástica mudança de paradigma que a nova Lei da Adoção ainda não conseguiu enraizar em nossa cultura. A suprema felicidade da criança e do adolescente inserido em um novo núcleo familiar deve ser a essencial motiviação dos pais que escolhem a adoção como caminho para gerar e acolher em seus corações o descendente, pois, nas palavras de Luiz Schettini Filho, “o amor ao filho independe da sua origem; é consequência de uma disposição interna que não leva em conta, necessariamente, características objetivas de quem se ama”.

Notas

1 SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção é Doação. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2005.

2 GHIRARDI, Maria Luiza de Assis Moura. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.

3TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia jurídica para operadores do Direito. 5. ed. rev. atual e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.

4TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia jurídica para operadores do Direito. 5. ed. rev. atual e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.

5TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia jurídica para operadores do Direito. 5. ed. rev. atual e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.

6 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Lex: Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm
>. Acesso em 08 de nov. de 2010.

7DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

8TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia jurídica para operadores do Direito. 5. ed. rev. atual e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.

9PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar.





Autor

Naiara Czarnobai Augusto

Assessora de Gabinete no Ministério Público do Estado de Santa Catarina, bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina e pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí.

http://jus.com.br/imprimir/26810/a-adocao-sem-afeto-uma-escolha-equivocada-ou-incapacidade-de-criar

JACOB CHEN - UMA HISTÓRIA DE ADOÇÃO (LEGENDAS EM PORTUGUÊS)


13/12/2013

Linda História de adoção!
Jacob Chen - An Story of Adoption
http://www.youtube.com/watch?v=ipVZZNNuAyI&feature=youtube_gdata

PRESO BANDO ACUSADO DE TRÁFICO DE BEBÊS; MÉDICA ESTARIA ENVOLVIDA


26/02/2014
DA REDAÇÃO

A Polícia Civil de Costa Rica (MS) em ação conjunta com a Polícia Militar de Mineiros (GO), prendeu ontem (25), em Goiás, um grupo de pessoas acusadas de tráfico de crianças.
As investigações tiveram início após denúncias anônimas, e desde então, policiais civis de Mato Grosso do Sul passaram a monitorar o grupo. Ao todo cinco pessoas foram detidas para averiguação.
De acordo com o titular da Delegacia de Polícia Civil de Costa Rica, Cleverson Alves dos Santos, um casal teria custeado todas as despesas da gestante, inclusive as do hotel e hospital. “Além disso, estamos checando a informação de que seria montada uma boate para a mãe da criança, na cidade de Figueirão (MS)”, diz o delegado.
Ainda segundo o delegado, o sigilo bancário de todos os envolvidos será quebrado. O objetivo é saber o valor exato que foi pago pela criança. “Nós até entendemos vontade de uma mulher ser mãe, mas a justiça não pode permitir que um ser humano seja transformado em moeda de troca”, enfatizou o delegado que lembrou que existem meios legais para adoção.
O casal acusado de comprar o bebê mora no estado de Minas Gerais e apresenta ter um grau de instrução elevado e boa situação financeira.
Todos os envolvidos serão indiciados por tráfico de criança e associação criminosa. O delegado disse ainda que investiga a participação de pessoas de Costa Rica, em uma possível facilitação da compra. “As investigações mostram uma suposta participação de uma médica, ainda não sabemos qual o grau de envolvimento dela, mas iremos investigar”, explica.
Para a polícia, o hospital onde a criança nasceu, agiu de forma legal, inclusive toda a documentação estaria em nome da mãe do bebê. Os nomes e imagens das pessoas envolvidas ainda não foram divulgadas pela Polícia Civil.
Delegado Cleverson e o Major Ailton da PM de Mineiros, responsáveis pela ação
http://www.correiodoestado.com.br/noticias/preso-bando-acusado-de-trafico-de-bebes-medica-estaria-envol_209070/

MAPA DA VIOLÊNCIA 2014 - CRIANÇAS E ADOLESCENTES


26/02/2014

Chamou a atenção da deputada federal Iracema Portella (PP-PI) a reportagem veiculada nesta segunda-feira (24) pelo Jornal O Globo que trata de um problema gravíssimo: as condições de vida de crianças e adolescentes que estão hoje em abrigos no Brasil
Segundo a matéria, pelo menos 46 mil crianças e adolescentes vivem atualmente em abrigos no País. O jornal O Globo assinala que, nos últimos dois anos, a cada dia 38 meninas e meninos de até 15 anos de idade foram vítimas de abandono ou negligência, conforme dados do Mapa da Violência 2014 — Crianças e Adolescentes.
E um dos maiores motivos para o abandono e a negligência é a dependência química dos pais. De acordo com levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), mais de 80% dos encaminhamentos de crianças e adolescentes a abrigos estão associados ao vício em drogas, especialmente o crack.
Trata-se de um quadro desolador. Um cenário que precisa de intervenções urgentes do Poder Público no sentido de intensificar as políticas de prevenção e enfrentamento às drogas, com apoio total às famílias que enfrentam esse drama.
Iracema destaca outro ponto importante. O uso de crack pela mãe representa uma barreira na hora da adoção. Existe o temor, por parte dos interessados em adotar, de que os bebês abandonados sofram transtornos mentais no futuro, por conta do consumo da droga durante a gravidez.
A deputada piauiense lamenta que não sejam raros os casos de mulheres dependentes de crack que acabam deixando os hospitais sem os seus bebês. Além disso, existem problemas de abandono do tratamento durante o pré-natal – tudo por conta do vício
“Precisamos olhar com muita atenção, carinho e cuidado para essas situações. É fundamental aprimorarmos nossas políticas públicas de enfrentamento às drogas, colocando em prática ações coordenadas em várias áreas: prevenção, recuperação dos dependentes químicos, reinserção social, combate ao tráfico. Nessa luta, temos que dar prioridade total ao apoio às famílias, para evitar que tantas crianças e adolescentes sejam abandonados ou vivam em situação de negligência e violência”, concluiu.
http://mpiaui.com/detalhe.php?n=3988&e=5

CORREGEDOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO FOI OUVIDO SOBRE ADOÇÕES SUSPEITAS


26 de fevereiro de 2014
Wagner Oliveira

A CPI que investiga o tráfico de pessoas no país ouviu, nessa terça-feira (25), o juiz corregedor do Tribunal de Justiça de Pernambuco, João José da Rocha Targino, sobre a suspeita de dois casos de adoção irregular no estado. Um deles ocorreu em Olinda, onde a juíza Andrea Calado, da Vara da Infância e Juventude, é suspeita de ter favorecido um casal que vive nos Estados Unidos na adoção de uma criança. O caso foi denunciado com exclusividade pelo Diario de Pernambuco em agosto do ano passado.
O advogado responsável pelo pedido da guarda em nome do casal trabalha no gabinete do presidente da Assembleia Legislativa de Pernambuco, deputado Guilherme Uchôa. E a filha do deputado estadual, a advogada Giovana Uchôa, também intermediou a adoção para o casal, que é amigo dela.
O juiz João José da Rocha Targino explicou à CPI que já está correndo o prazo na Corregedoria para a instrução do processo contra a juíza Andréa Calas. “Ela está sendo processada, o prazo de 140 dias está fluindo. E durante esse período é feita toda a instrução. No final, o tribunal emite, digamos assim, uma sentença, condenando ou absolvendo a juíza”.
O julgamento final será numa sessão pública, onde serão fundamentadas as decisões tomadas pela corte. A juíza pode tomar uma advertência, sofrer censura ou ser removida para outra vara ou ainda ser obrigada a se aposentar.

VENDA DE CRIANÇA
Outro caso explicado por João José da Rocha Targino ocorreu no município de Canhotinho, na Zona Agreste de Pernambuco, e corre em segredo de justiça. Foi concedida a guarda provisória de um menino a uma mulher depois de apenas três dias de convivência com a criança.
A denúncia é de que o garoto teria sido vendido pela mãe por R$ 1 mil e um telefone celular. No mesmo dia, o juiz responsável pelo caso autorizou a mudança do registro de nascimento da criança e a realização de viagens.
No entendimento da corregedoria, a adoção foi feita muito rapidamente e sem a manifestação do Ministério Público. Esse caso está na fase preliminar. O corregedor está encerrando o relatório e vai encaminhar ao corregedor-geral que pode decidir pela instauração do processo administrativo disciplinar.

BOA CONDUÇÃO
Após a audiência pública, o presidente da CPI do Tráfico de Pessoas, Arnaldo Jordy (PPS-PA), acredita que os dois casos estão sendo bem encaminhados. “A posição do corregedor nos pareceu muito zelosa e prudente no encaminhamento do caso e nós vamos apenas fazer constar esse relatório na CPI e me parece que esse é um caso que está encerrado. A participação do corregedor nos indica que as coisas estão sendo conduzidas a contento”.
Em abril, a CPI do Tráfico de Pessoas deve encerrar seus trabalhos com a entrega do relatório final. Segundo o presidente, o texto já está adiantado.
Da Agência Câmara
http://blogs.diariodepernambuco.com.br/segurancapublica/?p=6398

PAUTA REUNIÃO DIRETORIA E CONSELHOS - DIA 22 DE MARÇO DE 2.014


26/02/2014 | Categoria: Destaques

Local: Hotel Royal Tulip Alvorada – Brasilia/DF
Traje: esporte.
13.30 horas – Abertura
- relatório de atividades e contas
- apresentação dos novos dirigentes
14.00 horas – palestra e debates

"O PANORAMA ATUAL DO INSTITUTO DA ADOÇÃO NO BRASIL".PALESTRANTE: SUZANA SOFIA MOELLER SCHETTINI - PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE GRUPOS DE APOIO À ADOÇÃO, MESTRE EM PSICOLOGIA CLÍNICA, PSICÓLOGA, TERAPEUTA DE CRIANÇAS, ADOLESCENTES E ADULTOS, PROFESSORA UNIVERSITÁRIA.

15.00 horas - reunião setorial dos diretores e vice-presidentes regionais com seus conselheiros.
Metas para crescimento e fortalecimento da Anamages
16.00 horas – Café
16.15 horas - Apresentação dos relatórios das reuniões setoriais.
17. 30 horas – Assuntos Gerais
a) novos rumos da comunicação social da Anamages. Apresentação do plano de ação.
b) Constituição de Comissão para acompanhar o anteprojeto do novo CPC junto ao Senado;
c) outros assuntos
18.30 horas – Encerramento
20.30 horas – Jantar de confraternização e encerramento
http://anamages.org.br/destaques/pauta-reuniao-diretoria-e-conselhos-dia-22-de-marco-de-2-014-2

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

ADOÇÃO: UM ATO NOBRE QUE VAI MUITO ALÉM DO AMOR


A vontade de ser pai ou mãe e escolher uma criança para amar é louvável, mas não deve ser idealizada. As dificuldades virão e é preciso estar preparado para elas
25.02.2014

Não há dúvidas de que a adoção é um ato de amor quase incondicional. A vontade de ser pai ou mãe é tão grande que supera barreiras emocionais e até biológicas. Uma motivação intensa que leva a pessoa a escolher uma criança para chamar de filho e alimentar uma necessidade de cuidar e proteger tão forte quanto a que seria despendida a alguém do mesmo sangue.
Porém, é importante ponderar que o processo de adoção é bastante delicado. Uma decisão que precisa ser tomada com muita seriedade e cautela por envolver as expectativas não só de quem está adotando, mas também de quem será adotado.
“Para os pais, penso que o mais difícil seja a espera por esse filho. Diferente da gravidez biológica, não se tem um tempo determinado para a chegada da criança e isso pode trazer alto grau de ansiedade e angústia. Para a criança, a dificuldade maior é a transição do abandono para a filiação adotiva. É um tempo que deve ser tratado com cuidado e muito respeito”, diz Maria da Penha Oliveira Silva, psicóloga da ONG Aconchego, grupo de apoio à convivência familiar e comunitária

UMA CONTA QUE NÃO FECHA
O Cadastro Nacional de Adoção, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça, contava no início de fevereiro (2014) com 5.403 crianças e adolescentes à procura de uma nova família e 30.109 interessados no outro lado da lista.
O cenário pode parecer positivo em um primeiro momento, mas essa, infelizmente, é uma conta que não bate por conta da preferência de quem quer adotar: o maior interesse é por crianças com até 6 anos de idade, sendo que 30% dos interessados só aceita a raça branca. Já dá para imaginar qual o perfil preponderante dessas mais de 5 mil crianças e adolescentes que ainda não encontraram um lar, certo?
Quase 90% têm entre 7 e 17 anos e perto de 70% são das raças negra, amarela, parda ou indígena. Outro dado que chama a atenção é que pouco mais de 14% dessas crianças e adolescentes possuem algum tipo de deficiência (física ou mental) ou doença sem cura. Vale a reflexão: você adotaria uma criança com deficiência?
Sabrina era uma delas, mas teve mais sorte do que suas pares: com apenas 2 dias de vida chegou ao colo de Paula Gouveia, sua mãe adotiva. Um mês se passou e Paula notou que havia algo de diferente com a menina. Já nos exames de ultrassom, um cisto no cérebro havia sido identificado, mas isso não foi um obstáculo para Paula.
Desde o momento em que soube da existência de Sabrina, a pequena já havia se tornado sua filha. E nunca mais deixaria de ser mesmo após o diagnóstico de esquizencefalia (ausência de massa cefálica), que causou paralisia de todos os membros e uma síndrome que faz a garota, hoje com 10 anos, ter convulsões repetidas e generalizadas.
Por conta desse quadro, Sabrina demanda dedicação integral da mãe, além do apoio de profissionais de saúde, como enfermeiros e fisioterapeutas. E o que dá forças para Paula seguir em frente? “Sou mãe de um anjo colorido que enche minha vida a cada dia de ensinamentos e amor incondicional”, resume.

O QUE VEM ANTES DO AMOR?
A presença desse amor incondicional é uma constante em todas as histórias de adoção bem-sucedidas e, portanto, condição básica para quem decide seguir por esse caminho. Mas muitas pessoas se deixam levar pelo lado emocional e acabam ignorando outros fatores, tão ou mais importantes do que esse.
Um deles é toda a questão burocrática que precede o processo. O primeiro passo para quem quer adotar uma criança é procurar o representante do Ministério Público da Vara da Infância e da Juventude. “Deve fornecer documentos de identidade, dados familiares, certidão de casamento ou união estável - para casais que querem adotar em conjunto -, atestado de sanidade física e mental e antecedentes criminais”, explica Marcia do Nascimento, professora de Direito da ESAMC de Santos.
Essa sinalização inicial é chamada habilitação. Uma vez concluída, chega a hora da inscrição no Cadastro Nacional, apontando o perfil da criança ou do adolescente que o pretendente gostaria de receber em casa. Começa, então, o período de espera nas famosas filas de adoção, que varia de acordo com a cidade e o perfil procurado.
Outro fator a se considerar é que, mesmo após a tão aguardada chegada do novo membro da família, os sentimentos de amor e cumplicidade podem não aparecer logo de cara. “Existe um período experimental de convivência que deve ser observado para adaptação da criança ou adolescente ao seio da família, assim como a adaptação dos pais adotivos à criança”, ressalta Marcia.

PARA O QUE SE PREPARAR?
Na vida, os caminhos mais nobres não costumam ser os mais fáceis e, na adoção, isso não é diferente. As alegrias e recompensas relatadas por quem aceitou esse desafio são imensuráveis, mas o preço pago por elas também é alto.
Para ajudar nessa reflexão, confira alguns dilemas que fatalmente serão enfrentados por qualquer família que adota uma criança ou adolescente. Superar tudo isso pode não ser das tarefas mais fáceis, mas com jogo de cintura e paciência a adaptação a essa nova realidade é perfeitamente possível:
- Quando contar para a criança que ela é adotada? Essa é uma das questões que mais desperta dúvida. Muitos pais adotivos preferem postergar a conversa por medo de fazer o filho sofrer ainda mais. Mas os especialistas aconselham: a transparência é sempre o melhor caminho.
“A criança deve saber sobre o seu nascimento adotivo desde o primeiro momento e a adoção deve ser um tema recorrente no contexto familiar. Assim como na filiação biológica, a adotiva também tem histórias que podem e devem ser narradas”, defende a psicóloga Maria da Penha.
Com o tempo, a criança perguntará como ocorreu seu nascimento e os pais não devem temer esse momento. Se a criança estiver se sentindo amada e segura, certamente aceitará sua história com muita naturalidade.
Foi exatamente o que aconteceu com Daniel Oliveira, adotado com 5 dias de vida. Quando questionado sobre quando descobriu que era adotado, a resposta foi direta: ele não se lembra. “Eu simplesmente sempre soube. Cresci sabendo isso e imagino que meus pais devem ter deixado isso claro desde sempre”, comenta.
Hoje com 24 anos, cursa o último ano de Arquitetura e não tem pudores em contar sua história. “Eu me sinto orgulhoso e sortudo demais porque tenho noção de como seria a minha vida se eu não fosse adotado. Tenho orgulho pela atitude dos meus pais, que são meus heróis, literalmente”, define.
- E se meu filho ou filha quiser saber por que foi abandonado (a) ou até mesmo conhecer os pais biológicos? Mais uma vez, a sinceridade é a melhor saída. A psicóloga Beatriz Azevedo Moraes destaca que essa situação é extremamente normal. “Todos nós sentimos necessidade de conhecer nossa história. Portanto, se a criança quiser e se for possível, os pais devem permitir e viabilizar este encontro”, aconselha.
Larissa Janelli da Costa tem 16 anos, mora no Rio de Janeiro e foi adotada com apenas 4 meses de vida. Entretanto, manteve contatos pontuais com sua mãe biológica, algo que nunca foi negado por seus pais adotivos. “Dizem que a criança pode ter a cabeça confusa por questões familiares alternativas, mas para mim sempre fluiu de maneira natural”, afirma.
A última vez em que Larissa viu a mãe biológica foi na audiência judicial em que ela deu a palavra final para formalizar a adoção da filha. “Admiro muito a postura dela, sempre. Ela é uma guerreira! E um bom guerreiro seleciona as suas batalhas e estratégias. Ela fez o que seria melhor para mim”, avalia.
- Se tiver amor suficiente na nova família, o filho ou filha adotado (a) nunca sentirá os efeitos do trauma de ter sido abandonada, certo? Errado! O amor e o carinho dos pais adotivos são essenciais para que a criança ou o adolescente se sinta acolhido e pertencente à família, mas, como acontece com qualquer filho, é impossível blindar o sofrimento.
Tanto Larissa quanto Daniel, apesar de muito bem resolvidos com a questão de terem sido adotados, relatam que sentiram (ou ainda sentem) em algum momento da vida algum sentimento negativo decorrente de sua história. E quem nunca sofreu com problemas originados na infância?
- Como devo lidar com os dias em que eu não souber o que fazer? A única certeza que se pode ter em um processo de adoção é que as dificuldades virão e os pais devem estar preparados para enfrentá-las. Mas, mesmo quando a certeza de estar fazendo a coisa certa escapar em alguns momentos, existe uma luz no fim do túnel.
Helena* tem 47 anos e adotou um casal de irmãos biológicos: Bruno* e Paula*, que chegaram à nova família com dias de vida e 3 anos de idade, respectivamente. Ela conta que o que a ajudou muito nos momentos difíceis foi participar de um grupo de apoio à adoção, onde pessoas que já adotaram e interessados em adotar trocam ideias, experiências e desabafos.
E a experiência de Helena acabou dando tão certo, que ela acaba de entrar na fila de espera para adotar mais duas crianças. “Sou apaixonada pela maternidade e penso que tem tantas crianças que precisam de um lar. É maravilhoso ter uma família grande. Adotar causa dependência”, compartilha.
* Nomes trocados para preservar a identidade dos entrevistados.
http://www.disneybabble.com.br/br/beb%C3%AAs/ado%C3%A7%C3%A3o-um-ato-nobre-que-vai-muito-al%C3%A9m-do-amor