terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

ADOÇÃO: CONHEÇA TRÊS HISTÓRIAS EMOCIONANTES!


24.02.2014
Gustavo Del Santo

O post de hoje é um dos mais inspiradores que já foram publicados pela Tricae. Entrevistamos TRÊS FAMÍLIAS diferentes que decidiram adotar um ou mais filhos e descrevem o amor incondicional pelas crianças. Cada uma das histórias apresenta diferentes particularidades com um grande ponto em comum, capaz de emocionar qualquer pessoa. Tivemos que trocar os nomes da família Dante e da Matias para preservar a identidade das crianças e dos pais, mas as histórias continuam sendo contadas por pessoas reais que nos fazem ter mais fé em toda a humanidade.
Prepare os lencinhos, reúna toda a família e desfrute dessas grandes trajetórias. Ainda existe muita gente boa no mundo, com uma capacidade imensa de amar.
Que seja justa toda forma de amor, como diria o cantor Lulu Santos.

FAMÍLIA OLIVEIRA
Entrevistado: mamãe Enrica Oliveira.

CONTE UM POUCO SOBRE A SUA HISTÓRIA COM O SEU MARIDO E SOBRE OS SEUS FILHOS
Eu e meu marido nos casamos com 22 e 23 anos, respectivamente, e namoramos por 5 anos. Tivemos três lindos filhos: Juliana, Guilherme e Gabriela, sendo os dois últimos gêmeos e filhos biológicos. A Juju, por sua vez, é adotada.

VOCÊ SEMPRE QUIS TER FILHOS OU ESSE DESEJO SURGIU EM ALGUM MOMENTO DA SUA VIDA?
Eu só comecei a pensar em ter filhos depois que me casei, mas ao fazer exames de rotina descobri que tinha endometriose, o que dificultaria uma futura gravidez. Esta descoberta só antecipou a busca por esse desejo e, a partir daí, passei a tentar engravidar.

PORQUE VOCÊS RESOLVERAM ADOTAR?
Tentei engravidar durante anos por meio de tratamentos hormonais, pequenas cirurgias e nada. Meu marido costumava sugerir a adoção como uma alternativa, porém eu hesitava. Eu já tinha tentado muito quando comecei a sentir que eu tinha fracassado, coisa que eu não sabia lidar muito bem. Era como se eu estivesse desistindo de ser mãe.
Um tempo depois, um casal de amigos entrou em um processo de adoção e estava muito feliz com a chegada de um lindo menino. Inspirados, procuramos o mesmo caminho e felizmente tudo deu certo para que tivéssemos nossa primeira filha. Apesar do processo de adoção ser bem complicado e demorado, percebi que era o início de uma linda família. Hoje sei o quanto tudo isso valeu a pena.

QUANTOS ANOS A JULIANA TINHA QUANDO CHEGOU NA SUA CASA?
A Juliana chegou em casa bem novinha, com alguns dias de vida. Soube que o meu amor era incondicional no mesmo segundo que olhei pra ela.

COMO VOCÊS CONTARAM PARA A JULIANA QUE VOCÊS NÃO ERAM OS PAIS BIOLÓGICOS?
Decidi contar depois de algumas conversas com minha terapeuta na época e, claro, após conversar com meu marido. Ela tinha cinco anos e fiquei surpresa com a sua reação. Eu chorava muito de emoção e ela, tranquila, dizia: “mamãe, você é uma manteiga derretida”. Ela foi buscar um lenço para secar minhas lágrimas e disse que iria guardá-lo para sempre. Tem como não ser uma manteiga derretida? rs..

ALGUMAS CRIANÇAS TEM PROBLEMAS EM ACEITAR O FATO DE SEREM ADOTADAS. A JULIANA JÁ PERGUNTOU SOBRE SEUS PAIS BIOLÓGICOS? COMO VOCÊS SE SENTIRAM EM RELAÇÃO À ISSO?
A Ju nunca teve nenhum problema em relação à isso pois sempre conversamos sobre o assunto com muita naturalidade. Os questionamentos começaram a surgir na adolescência, já que é quando os filhos passam a se parecer mais com os pais e ela assumiu ter curiosidade sobre seus pais biológicos. Ela queria saber como ficaria quando chegasse à fase adulta e meu marido se sentia mais inseguro do que eu, mas nós dois não gostávamos de imaginar o fato de alguém querer tirá-la de nós.
Em 2011 decidimos procurar a mãe biológica e marcamos um encontro. Foi emocionante e uma vitória para meu medo de “perder” minha filha: vi que nosso amor era maior do que tudo, e que nunca perderíamos isso. Também foi um momento legal da Juju poder tirar esta dúvida e saber um pouco sobre sua origem.

VOCÊ JÁ ENFRENTOU ALGUMA DIFICULDADE NA ESCOLA COM ALUNOS OU PAIS DE ALUNOS PARA EXPLICAR ÀS OUTRAS CRIANÇAS SOBRE A ADOÇÃO?
Nunca. A Ju comentou comigo que alguns coleguinhas perguntavam sobre seus pais biológicos e se ela não tinha curiosidade em conhecê-los mas ela sempre foi muito segura e nada disso a afetava.

QUANTOS ANOS A JULIANA TINHA QUANDO VOCÊ ENGRAVIDOU DOS GÊMEOS?
Ela tinha dois anos e sete meses quando eu fiz a inseminação artificial, que foi o procedimento usado para engravidar do Gui e da Gabi.

COMO FOI A SENSAÇÃO DE DESCOBRIR QUE ESTÁ GRÁVIDA E AINDA POR CIMA DE GÊMEOS, DEPOIS DE TENTAR ENGRAVIDAR POR TANTO TEMPO?
A sensação foi de alegria e também de medo da gravidez não seguir adiante. Como meu marido era filho único e sempre se queixou por não ter tido irmãos para brincar com ele, não queríamos que a Juju se sentisse da mesma forma. Então foi ótimo, já que ela ganhou dois amiguinhos!

O QUE VOCÊ DIRIA PARA OS CASAIS QUE PENSAM EM ADOTAR UMA CRIANÇA?
É um sentimento maravilhoso, não dá para explicar. Não tem diferença nenhuma entre eles, é como se ela tivesse saído de mim. E todos da nossa família sentem o mesmo porque este é apenas um pequeno detalhe comparado ao amor que sentimos, tanto nós por ela como ela por todos nós. Digo para que não desistam, por mais difícil que seja, porque vale a pena cada dia de sua vida.

FAMÍLIA MATIAS
Entrevistado: papai Daniel

CONTEM UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DE AMOR DE VOCÊS.
Temos 12 anos de diferença de idade. Nos conhecemos em um ambiente de trabalho e Bruno (na época com 37 anos e hoje com 55 anos), sentiu forte atração por Daniel – na época com 25 anos e hoje com 43 – tanto física quanto intelectualmente, ao observá-lo atuando. Por sua vez, Daniel sentia uma grande admiração profissional por Bruno. Foram quatro anos de convivência até que tivesse início o relacionamento amoroso. Nesse ínterim, Bruno procurou aproximar-se mais afetivamente de Daniel, o que no início causou certa estranheza. Mas como a aproximação deu-se de uma forma suave e respeitando os limites impostos por Daniel, a afeição começou a tornar-se mútua. Dessa maneira, há 18 anos estamos juntos, vivendo sob o mesmo teto.
Temos dois filhos, Antônio (16 anos) e Tiago (10 anos). Bruno já havia assumido em um relacionamento anterior, com outro parceiro, a criação de Alessandra (hoje com 24 anos). No início, Alessandra rejeitou a presença de Daniel na casa, pois estava acostumada a ter o pai só para ela, mas aos poucos Daniel foi conquistando a confiança de Alessandra e hoje os dois se dão dão muito bem! Alessandra reside com sua mãe biológica e o ex-parceiro de Bruno, mas participa ativamente da vida familiar.

VOCÊS SEMPRE QUISERAM TER FILHOS OU ESSE DESEJO SURGIU EM ALGUM MOMENTO DA VIDA?
Bruno, até a idade de 30 anos, afirmava que nunca teria filhos. Ocorreu que Alessandra apareceu em sua vida e ele encantou-se com a vivência da paternidade. Por sua vez, Daniel sempre deixou claro que queria casar, ter filhos e constituir uma família. Então, era um assunto constantemente discutido e planejado para um futuro, depois que Daniel estivesse completamente formado, com seu doutorado garantido.
E foi exatamente assim que aconteceu: em 2011, depois que Daniel terminou sua formação, as conversas a respeito da adoção começaram a tomar forma e o planejamento foi feito, em princípio para que Daniel adotasse uma criança em seu nome. Quando fomos juntos ao fórum descobrimos que seria possível a adoção em nome dos dois! Então, o processo iniciou-se.

SABEMOS QUE AS LEIS A FAVOR DA COMUNIDADE GAY AINDA ESTÃO EM TRANSFORMAÇÃO E MELHORANDO UM POUQUINHO A CADA DIA. VOCÊS JÁ TIVERAM MEDO DE NÃO TER FILHOS POR CONTA DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE VOCÊS?
Não diria medo. Há preocupações é claro. Elas dizem respeito à idade em que nos encontramos, em como os amigos deles receberiam a notícia de que seus pais são dois homens (e que não há uma mãe social), coisas desse tipo. Mas tomamos alguns cuidados, tais como colocá-los em uma escola absolutamente engajada na inclusão de toda e qualquer diversidade, o que facilita muito a aceitação de todas as condições que porventura ainda viessem a ser tabu: o fato de sermos dois homens conduzindo a formação dos meninos e o fato deles serem adotados.

PORQUE VOCÊS RESOLVERAM ADOTAR?
Essa foi outra questão bastante refletida. Bruno nunca fez questão de ter um filho biológico e Daniel, embora tivesse essa vontade, convivia bem com Alessandra de forma que pode viver uma paternidade sem ter sequer acompanhado o início da vida dela. Várias formas de concepção foram discutidas por nós e a adoção começou a ser contemplada enquanto uma possibilidade.

Víamos algumas vantagens em adotar, mas a principal era a descomplicação de haver uma mãe biológica que pudesse reivindicar a guarda posteriormente e, com a adoção, temos a segurança de que o Estado pode nos defender.

COMO FUNCIONA A LEI PARA A ADOÇÃO? É MUITO COMPLICADA?
A lei não é complicada, ela é séria. Todo o processo é feito com muita cautela e responsabilidade por parte dos técnicos (assistentes sociais, psicólogos e juízes) que além de nos avaliarem, nos conduziram com excelentes orientações a respeito das fases pelas quais inexoravelmente passaríamos. Basicamente é necessário comprovar que os pais requerentes terão condições financeiras e afetivas para acolherem a criança em um ambiente seguro, saudável e com um direcionamento de vida proveitoso para a criança.

COMO FOI O PROCESSO DE ADOÇÃO DE CADA UM DELES?
A adoção de Antônio foi mais rápida por algumas razões: ele estava com 14 anos no início do processo e, consequentemente, com melhores condições de escolher se enfrentaria um casal formado por dois homens como seus pais. Além disso, seus pais biológicos são falecidos, o que agiliza enormemente o processo.
A juíza que cuidou de seu processo também foi muito positiva, tanto na aceitação da nossa candidatura quanto na condução de tudo. Rapidamente Antônio foi liberado para o período chamado de “convivência”, com aproximações gradativas de tempo e de autonomia para o levarmos para refeições conjuntas. Em seguida, passeios curtos. Depois, finais de semana em casa, permissões para passarmos feriados prolongados e o início de acompanhamento de decisões do próprio abrigo quanto à vida acadêmica e condições médicas.
Depois de vencido este período, Antônio foi liberado para passar a viver conosco, ainda em guarda provisória. Depois de 6 meses de avaliações constantes realizadas pelos técnicos do fórum é que obtivemos a adoção definitiva.
Já no caso de Tiago ainda não temos a adoção definitiva, embora tenhamos começado seu processo na mesma época em que começamos o processo de Antônio. Ocorre que o fórum responsável pelo seu processo é outro.
Tiago tinha 9 anos quando o processo se iniciou e ainda tem pai biológico conhecido. Isso implica em ter que haver um processo anterior de consulta à família sobre a requisição da guarda, com um tempo cauteloso para que eles possam se manifestar (por volta de pelo menos 6 meses). Isso atrasou o período de convivência que seguiu razoavelmente os mesmos passos que os já descritos para o processo de Antônio e, no momento, temos ainda a guarda provisória do Tiago.

VOCÊS SEMPRE PENSARAM EM ADOTAR MAIS DE UM FILHO?
Desde o princípio do processo de adoção pensamos na possibilidade de adotar dois irmãos. Nosso pedido inicial foi de uma criança de até três anos, podendo ter um irmão de até cinco anos. Ocorreu que, no meio do processo, a juíza responsável pela nossa habilitação nos convidou a conhecer um abrigo que acolhia crianças um pouco mais velhas.
Ao fazermos as primeiras visitas ao excelente abrigo que os acolhia, nos afeiçoamos ao Antônio e ao Tiago e começamos a aventar na hipótese de adotar os dois. Temos condições financeiras e estruturais para isso (um apartamento que comporta um quarto para cada um) e sabíamos que os dois eram bem próximos na vida dentro do abrigo. Embora não fossem irmãos biológicos, nos perguntamos: por que não os dois? Assim, decidimos tocar os processos dessa forma, diferente do inicialmente planejado.

INFELIZMENTE AINDA VEMOS MUITAS FORMAS DE PRECONCEITO NA SOCIEDADE. VOCÊS NÃO TIVERAM MEDO DE ENFRENTAR ESSE PRECONCEITO QUE AINDA EXISTE NO MUNDO?
Tivemos e temos. É uma responsabilidade enorme impor aos meninos a convivência e a condição de terem dois pais do mesmo sexo. Durante muito tempo, apesar de ambos quererem adotar um filho homem, hesitamos em tomar essa decisão por medo de os meninos serem alvo de bullying por terem pais gays.
Imaginávamos que poderia ser mais fácil para uma menina lidar com isso, mas consideramos que a possibilidade de oferecer uma condição de cidadania e de segurança para o futuro, acompanhadas de mais de perto por nós, competia com vantagens sobre o medo do preconceito. Nossa tarefa sob este aspecto é dar a eles ferramentas para suas afirmações no mundo, exigindo seus direitos cidadãos e apoio afetivo e psicológico perante possíveis crises.
Recentemente tivemos que manejar uma situação no colégio em que um coleguinha do Tiago disse a ele que seus pais eram gays e que, portanto ele era gay também. Tivemos que ir até o colégio conversar com a coordenação, que conduziu a situação com muito cuidado, o que mostrou um episódio isolado. Conta a nosso favor que temos uma vida social bastante intensa, com muitos amigos, gays e heteros. Somos muito respeitados em nossa comunidade profissional, na qual há total transparência de nossa condição de casal. Acreditamos que isso oferece uma segurança aos meninos sobre a aceitação desse modelo de família.

COMO FOI A ACEITAÇÃO DA FAMÍLIA DE CADA UM DE VOCÊS EM RELAÇÃO ÀS CRIANÇAS? COMO É A RELAÇÃO DE TODOS HOJE EM DIA?
Ambas as famílias aceitaram muito bem os meninos e a relação familiar obviamente está sendo ainda construída. Especialmente porque eles já tinham uma longa história de abrigamento, e ainda estranham um pouco as intensidades das relações familiares, com seus dramas, rivalidades, competições e cobranças.

E COMO A FAMÍLIA LIDA E JÁ LIDOU COM RELAÇÃO À HOMOSSEXUALIDADE?
É muito difícil falar por um grupo como se ele fosse uníssono. Claramente há pessoas das famílias que estavam mais bem preparadas para a aceitação e outras pessoas que ainda hoje têm dificuldades com essas questões. Mas somos muito bem recebidos onde quer que estejamos e no mínimo somos muito respeitados por nosso estilo de vida e pelas decisões que tomamos. Depois de 18 anos de convivência e com tudo o que já construímos juntos, não deixamos dúvidas sobre nossas índoles.

ALGUMAS CRIANÇAS TEM PROBLEMAS EM ACEITAR O FATO DE SEREM ADOTADAS. VOCÊS TIVERAM ALGUM PROBLEMA COM OS MENINOS?
Eles são mais velhos do que a maior parte das crianças procuradas para adoção. Ambos tinham consciência de suas condições de abrigados e também foram muito bem encaminhados em relação à questão da adoção que estava sendo pleiteada por nós. Conforme dissemos acima, o abrigo que os acolhia é excelente e extremamente cuidadoso quanto a essas questões.
Tanto a gestora do abrigo quanto sua equipe técnica estavam envolvidas na nossa avaliação e na adaptação dos meninos às nossas vidas. O processo foi todo acompanhado de perto pela gestora e pela assistente social do abrigo. Com isso, nós nos sentimos seguros de que eles, de fato, queriam estar conosco. Acompanhamos as dúvidas iniciais, os conflitos que ocorreram e as soluções deles.

VOCÊS JÁ ENFRENTARAM ALGUMA DIFICULDADE PARA CRIAR SEUS FILHOS? QUAL?
Rsrsrsrsrsrsrs atire a primeira pedra aquele pai que não sentiu alguma dificuldade para criar seus filhos! Nós não atiraremos rsrsrsrsrsrsrsrsrs. Uma grande dificuldade é que, apesar do extenso período de convivência prévio à guarda, há sempre um estresse nas relações quando elas se configuram como uma relação definitiva.
O desconhecimento sobre a história extensa dos meninos mostrou-se uma grande dificuldade quanto ao conhecimento de gostos, predileções, rejeições (ou sentimentos de rejeições que eles sentiam, sem que nós os estivéssemos rejeitando). Ainda, “caiu de para quedas” na nossa vida um adolescente e um pré-adolescente, com todos os conflitos típicos da idade, só que, no início, sem o lastro de afeto que a convivência desde cedo nos proporcionaria.
Talvez a maior dificuldade foi reconhecermos entre nós (o casal) diferenças na concepção e na condução da educação deles, diferenças estas das quais, até então, não tínhamos a menor consciência. Isso gerou muita discussão e estresse, principalmente nos primeiros meses.

O QUE VOCÊS DIRIAM PARA OUTROS CASAIS HOMO AFETIVOS QUE DESEJAM ADOTAR UMA CRIANÇA?
Caras, vão em frente. Apesar da espera e das dificuldades, é uma condição muito legal. As crianças precisam de nós, e nós, certamente, nos tornamos pessoas melhores do que éramos quando adotamos. O sentimento de família nos ampara, dá sentido à continuidade da vida e nos põe no colo uma responsabilidade ímpar que só nos faz crescer enquanto Seres Humanos.
Mas preparem-se muito para esse momento… Descobrimos nesse processo que a paternidade nos obriga a nos deparar com o que temos de pior, e ao enfrentarmos isso, vamos nos aprimorando enquanto pessoa, aprendendo a ter maior flexibilidade e tolerância com as diferenças e imperfeições alheias. Essa descoberta, no entanto, é feita a base de muita dificuldade.
Mas lembre-se que a decisão de começar um processo como esse não pode ter volta… não se trata de um produto que, se der defeito, a gente devolve. Há uma pessoa já bastante maltratada pela vida, que não pode, de maneira alguma, ser submetida a isso.


FAMÍLIA DANTE
Entrevistado: mamãe Márcia.

CONTEM UM POUCO SOBRE A SUA HISTÓRIA DO CASAL E SOBRE OS SEUS FILHOS.
Me casei com o Renato muito cedo, eu com 20 anos e ele com 23, após namorar por 7 anos. Já sonhávamos em aumentar a família e assim aconteceu: primeiro veio a Paula e, após 1 ano e 4 meses, o João Vitor. Estávamos realizados e ao mesmo tempo assustados, já que ainda éramos muito novos diante de uma grande responsabilidade! Nesta ocasião, optamos por não ter mais filhos. E assim seguimos, com dedicação exclusiva aos dois, disponibilidade para criá-los com todo o amor e carinho que as crianças precisam.
Abri mão da minha profissão e tornei-me exclusivamente MÃE! Passamos por momentos incríveis e por alguns mais difíceis mas, juntos, resistimos a TUDO! Eles eram crianças encantadoras, alegres, felizes, saudáveis, amorosos, inteligentes, espertos e com um coração enorme! A cada fase da vida deles, vibrávamos juntos. Primeiro dia de escola, primeira comunhão, mudança de escola, primeiro amor, namoros, amizades, preparação para a vida universitária, faculdade e, finalmente, a formatura. Com ela veio uma mudança radical e os dois finalmente chegaram à fase adulta, com as responsabilidades de cada um, a independência e as decisões mais sérias. Hoje a Paula tem 24 anos e João Vitor tem 23 anos.
Mesmo com filhos mais velhos, nos derretemos completamente ao conhecer a Manu, e sabíamos que ela seria nossa filha. Quando decidimos adotá-la, a Paula tinha 23 anos e o João Vitor 22 anos.

VOCÊS SEMPRE QUISERAM TER FILHOS OU ESSE DESEJO SURGIU EM ALGUM MOMENTO DA VIDA?
Sempre quisemos ter filhos, fazia parte dos nossos planos desde o tempo de namoro.

NÃO FOI ASSUSTADOR PENSAR EM ADOTAR OUTRA CRIANÇA DEPOIS DE TER DOIS FILHOS ADULTOS?
Não, não foi assustador. Quando conhecemos a Manu não pensamos em mais nada…

COMO FUNCIONA A LEI PARA A ADOÇÃO? É MUITO COMPLICADA?
O nosso caso foi uma exceção. O processo foi rápido e fácil. Ineditamente, em 30 dias a Manu já estava em casa.

PORQUE VOCÊS RESOLVERAM ADOTAR A MANU?
Na verdade, estávamos tranquilos com nossos filhos e não pensávamos em adotar mais um. Até que um dia, conhecemos a Manu, que fez tudo mudar. Ficamos completamente apaixonados e envolvidos quando a conhecemos e foi esse amor que nos motivou e incentivou.

COMO FOI O PROCESSO DE ADOÇÃO?
A Manu foi abandonada ao nascimento. É uma criança especial, nasceu com mielomeningocele e algumas complicações a mais, comprometendo algumas funções físicas e neurológicas. Morou no hospital (ao qual nasceu) até 01 ano e 01 mês de vida, quando veio para nossa casa. Durante a sua estadia no hospital, o serviço social entrou em contato por diversas vezes com a família biológica, tentando criar um vínculo emocional e, quem sabe, sensibilizá-los quanto a importância da presença deles na vida da pequena Manu. Entraram em contato então com o banco de dados das famílias interessadas em adotar uma criança, tanto no estado de SP como em todo o Brasil. Porém, pelo fato de ser uma criança especial, ninguém mostrou interesse. Sendo assim, permanecia hospitalizada por não ter nenhuma entidade capacitada para recebê-la devido aos problemas que ela apresentava e os cuidados que ela necessitava.
Um pouco antes da pequena completar um ano, minha filha mais velha, a Paula, cursando o último ano da faculdade de medicina e passando pelo estágio na pediatria, conheceu a “paciente” e dedicou-se aos cuidados com ela. Foi aproximando-se, cuidando e suprindo as necessidades e carências afetivas, até que eu e o Renato resolvemos conhecê-la. Fomos até o hospital e, como disse acima, nos apaixonamos imediatamente por ela. Ficamos sensibilizados com a triste história de vida e decidimos que tínhamos capacidade pra suprir o que ela precisava, juntando o que nós buscávamos na vida: dar e receber AMOR! A partir daí, partimos para a parte legal da adoção: visitas ao fórum, entrevistas e assim por diante.

QUE CUIDADOS FORAM NECESSÁRIOS QUANDO ELA CHEGOU?
Por necessitar de cuidados especiais, tivemos que adquirir e preparar tudo para a vinda dela, não só com os cuidados básicos mas também como a aquisição de equipamentos apropriados para ela, como aspirador, inalador, materiais hospitalares, sondas, oxigênio (que apesar de não ser dependente, precisamos mantê-lo por qualquer eventual intercorrência), entre outros.
Ela respira pela Traqueostomia, se alimenta pela Gastrostomia (portanto, a dieta dela é enteral), urina pela Vesicostomia, não tem e não terá controle urinário e fecal. Além disso, tem dificuldade de alguns movimentos com o membro superior esquerdo e paralisia nos membros inferiores. Aprendemos a realizar tudo o que é necessário para a sobrevivência dela. Nos tornamos pais, cuidadores, enfermeiros, guardiões… Mas acima de tudo, pessoas melhores.
A vinda dela para nossa família fez com que nossa união aumentasse cada dia mais. A presença dela nos fez acreditar em milagre, em amor maior, em amor que vence barreiras.

COMO VOCÊ SE SENTE AO OLHAR PARA OS OLHINHOS DA MANU HOJE EM DIA?
Hoje me sinto plenamente realizada. Digo sempre que ELA fez muito mais bem pra nós do que nós pra ela. Chegar em casa e ser recebida pelo sorriso mais sincero e pelos olhinhos mais gratos, é indescritível. É nossa força, nosso anjo da guarda e nosso sonho!

O QUE VOCÊ DIRIA PARA OS CASAIS QUE PENSAM EM ADOTAR UMA CRIANÇA?
Digo que é impressionante como um ser humano que foi gerado em outro ventre pode ser tão intrinsecamente amado como se fosse biologicamente nosso! Porque o filho adotado foi o filho escolhido, com maturidade, com amor, com doação.
Com certeza nosso mundo estaria um pouco melhor se tivéssemos atitudes menos egoístas. Eu super recomendo: hoje sou uma pessoa muito melhor, muito mais feliz, muito mais completa!
http://blog.tricae.com.br/entrevistas/adocao/

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