quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Para especialisas, criança adotada não deve voltar a pais biológicos


VITOR FRAGA
 
A partir deste mês de fevereiro, segundo decisão da Justiça de Minas Gerais, a menina M.E., que tem cerca de 5 anos, teria que voltar a morar com sua família biológica, da qual foi separada aos 60 dias de vida, também por decisão judicial, por conta de denúncias de maus tratos. Porém, a decisão foi suspensa, no final de janeiro deste ano, por uma liminar concedida pelo desembargador Edilson Fernandes, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça mineiro, que permite aos pais adotivos retomarem a guarda da menina até o fim do processo. Apenas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode reverter essa decisão.
 
O caso transformou-se em um dos principais assuntos nas redes sociais desde o fim do ano passado e vem gerando um grande debate sobre o processo de adoção no país. O que deve pesar mais, o direito dos pais biológicos de se arrependerem e reverterem a adoção ou o direito dos pais adotivos de manterem os laços afetivos criados com a menina? Em meio a essa disputa, outra pergunta se impõe: e o direito da criança?
 
O que deve pesar mais, o direito dos pais biológicos de se arrependerem e reverterem a adoção ou o direito dos pais adotivos de manterem os laços afetivos criados com a menina?
Conheça o caso
 
A história começou em 2009, quando após denúncias de maus-tratos, o Ministério Público (MP) mineiro solicitou à Justiça que Robson Ribeiro Assunção e Maria da Penha Nunes fossem destituídos do poder pátrio de M.E. e outros seis filhos mais velhos. Duda, como é chamada hoje pelos pais adotivos, tinha na época dois meses, e foi encaminhada para um abrigo (ou entidade de acolhimento institucional). Com dois anos, a menina foi entregue para Válbio Messias da Silva e Liamar Dias de Almeida, que se tornaram seus guardiões legais enquanto corria o processo de adoção. Moradores de Contagem (MG), eles têm uma filha biológica de 12 anos, e já estavam na fila de adoção há cinco.
 
Durante mais de dois anos e meio, Duda vem convivendo e constituindo laços afetivos com seus pais e sua irmã adotivos. Porém, ao longo do processo, os genitores conseguiram provar à Justiça que haviam se reabilitado, e em abril de 2013 três desembargadores da 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) determinaram em decisão unânime que a criança deveria retornar para o convívio da família biológica – os seis filhos mais velhos já voltaram. Após uma batalha de liminares e recursos, em outubro de 2013 foi estabelecido um prazo de cinco meses para a reintegração de Duda à família biológica – o que deveria acontecer a partir de fevereiro de 2014, de forma gradual, não fosse a liminar concedida no final de janeiro.
Como o processo iniciado pelo MP de Minas Gerais tramitou em julgado, foi iniciada outra ação judicial, agora tendo os pais adotivos como autores, para destituição do poder familiar dos genitores de Duda. O pai adotivo demonstra esperança de vitória no novo processo.
 
"O processo de destituição da guarda dos genitores já transitou em julgado, e a decisão judicial é pelo retorno da criança para os pais biológicos. Mas não participamos desse processo, e entramos então com outra ação, que foi negada em 1ª instância pela justiça de Minas. Estamos aguardando a apreciação do agravo na 2ª instância, esperançosos de que o processo seja aceito", afirma. O argumento para a não aceitação do segundo processo é o de que o mérito já teria sido julgado na primeira ação. "Não é verdade, são dois processos diferentes. O primeiro foi movido pelo MP contra os genitores, antes mesmo de conhecermos a Duda. A ação que propusemos é outra coisa, o motivo do processo é outro", insiste Válbio.
 
A criança como "sujeito de direitos"
 
No dia 27 de novembro do ano passado, houve uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para discutir o caso – outra audiência já havia ocorrido na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, no final de outubro. Na ocasião, a presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad) lembrou que a noção de família juridicamente reconhecida atualmente considera os laços afetivos. "Os laços consanguíneos há muito tempo não determinam família. A família está onde mora o afeto", declarou Suzana Schettini na audiência, argumentando ainda que os direitos de Duda não estariam sendo considerados. "Ela tem direitos, é um sujeito de direitos. Quem é que está olhando pra ela? Parece-me que ninguém", lamentou.
 
O vínculo afetivo e o sentimento de segurança certamente consolidados não deveriam ser desconsiderados pelos eminentes julgadores
Samantha Pelajo
presidente da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB/RJ
 
Segundo a presidente da Comissão de Mediação de Conflitos (CMC) da OAB/RJ, Samantha Pelajo, embora seja difícil opinar sem ter acesso aos autos do processo, é essencial proteger os interesses da criança. "Muito embora a colocação em família substituta seja uma exceção legal, fato é que essa criança parece ter passado por situações graves demais em tão poucos anos de vida. O vínculo afetivo e o sentimento de segurança certamente consolidados não deveriam ser desconsiderados pelos eminentes julgadores", diz.
 
Para ela, "a Constituição da República e o Estatuto da Criança e do Adolescente são categóricos ao afirmarem que o princípio da proteção integral tem prevalência, devendo ser considerado norteador de qualquer decisão estatal". O artigo 227 da Constituição Federal afirma que: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".
 
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado pela Lei nº 8.069/90, reforça essa ideia em seu primeiro artigo, ao definir que: "Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente".
 
Para a diretora jurídica da Angaad e presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), Silvana do Monte Moreira, a decisão da Justiça está na contramão desse novo paradigma. "[A decisão] está baseada no que chamamos de biologismo. Laços de sangue não significam nada, o que gera as relações familiares é o afeto, a convivência. Tenho duas filhas, uma que eu gerei e outra que adotei. As duas são filhas biológicas, porque os seres humanos são biológicos. Aprendi que precisava adotar as duas, porque é na adoção que a gente se entrega e que a gente ama. Precisamos adotar o filho, o pai, o amigo. O sangue é o que tem menos valor na vida, o que importa são os laços de afeto", argumenta Moreira.
 
Ela considera que, socioafetivamente, Duda é filha de Liamar e Válbio, não tendo vínculos com os genitores, que só conviveram com a menina por 60 dias. "Eles são completos estranhos para ela. Por que tratar com supremacia os laços de sangue? A criança por caso é objeto desses genitores? É o que parece, que ela não está sendo considerada sujeito de direitos, e sim objeto de propriedade. É como se agora os genitores estivessem fazendo uma emissão de posse de um objeto", critica.
 
O desembargador Siro Darlan, ex-titular da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca do Rio de Janeiro, afirma que a decisão de devolver a criança aos genitores ignorou "o princípio do interesse superior da criança e do adolescente", já que, para ele, "o erro inicial foi o do abandono". "Não há perdão possível para o adulto que gera uma criança e a abandona. É como se a tivesse matado, o que ocorre no subconsciente da criança abandonada. Como é que você vai reintegrar uma criança abandonada no seio de um grupo familiar que em algum momento de sua história se desfez de sua vida, de sua companhia e de seu afeto e cuidado?", questiona o magistrado.
 
A presidente da CMC sublinha que o melhor interesse de Duda deveria prevalecer, seja através da sua manutenção "junto à sua família socioafetiva, que lhe proporcionou ao longo dos últimos anos um ambiente profícuo ao desenvolvimento pleno de suas potencialidades, eis que repleto de afeto e com a garantia de educação, saúde e segurança", ou através da reintegração "ao convívio de sua família biológica, que no passado foi muito pouco acolhedora, mas promete uma postura mais condizente com aquela preceituada pela Carta Magna".
 
Nesse último caso, Duda teria a vantagem de conviver com os irmãos biológicos e ter acesso à sua identidade biológica. "Mas isso é pouco perto do afeto e da segurança que ela tem com os pais adotivos, e são coisas que poderia ter mesmo continuando com a família que a acolheu", diz Pelajo.
 
Na prática, as crianças continuam sendo punidas com a privação da liberdade pelo fato de terem sido abandonadas pelas famílias biológicas
Siro Darlan
ex-titular da 1ª Vara da Infância e Juventude 
A diretora jurídica da Angaad ressalta que, nessas condições, apenas a criança seria "um sujeito com prioridade absoluta conferida pela Constituição Federal", mas que essa prioridade não está sendo considerada no caso da Duda. "Está se considerando a supremacia desses malfadados laços sanguíneos. Duda não está sendo considerada pela Justiça como sujeito de direitos. O melhor interesse da criança é ser mantida no lar onde ela tem afeto e é tratada como sujeito de direitos, não como objeto", declara Moreira.
 
Em contraposição à noção de proteção integral da criança, o artigo 19 da Lei nº 12.010/2009 ("Lei de Adoções") aponta que a manutenção ou reintegração da criança ou adolescente em sua família biológica tem preferência em relação a qualquer outra providência. Segundo Darlan, a lei não representou mais garantias para o direito das crianças. "A Lei 12.010/09 foi um retrocesso. O artigo 7º da Convenção das Nações Unidas sobre o direito da criança lhe outorga o direito de ter uma família e não diz que tem que ser dessa ou daquela natureza. O importante é que seja garantido esse direito. Nesse particular, a legislação brasileira não avançou e é preciso mudar essa mentalidade", sustenta o desembargador.
 
Apesar de reconhecer que "tecnicamente houve algum avanço" com a Lei de Adoções, como "a limitação do tempo de abrigamento", ele assinala que a ausência de fiscalização cria uma situação em que "na prática as crianças continuam sendo punidas com a privação da liberdade pelo fato de terem sido abandonadas pelas famílias biológicas".
 
Ruptura de vínculos afetivos
 
Do ponto de vista psicológico, é impossível determinar com certeza se Duda terá ou não dificuldades no futuro em função das sucessivas rupturas afetivas. A psicóloga Maíra Dourado diz que a primeira ruptura, quando a criança foi retirada dos genitores e levada a um abrigo, estabelece uma marca menos profunda já que "sob o ponto de vista cognitivo, com dois meses, a criança interage, mas não estabelece relação socioafetiva significante".
 
No entanto, as rupturas seguintes tendem a ser mais significativas, pelo tempo de convivência. "Ao longo de um ano e oito meses no abrigo, a criança criou vínculos. A partir do momento em que ela olha e sorri, interage, ainda que através das linguagens não-verbais. Ao sair do abrigo houve outra ruptura, e ela foi entregue aos guardiões, com quem conviveu até agora. Se você pedir a uma criança de quatro anos para desenhar a família, ela desenhará todos e dará nomes", explica a psicóloga, que criticou o fato de a decisão judicial não priorizar o bem-estar da criança.
 
"Não se trata de uma almofada, é uma criança. Todo esse movimento feito com a Duda pode ter gerado nela uma sensação de insegurança e desamparo muito grande. Se uma criança que não se sente segura em lugar nenhum, porque a qualquer momento pode ser tirada e jogada em outro lugar, psicologicamente é complicado. Ela não é minha paciente, mas posso afirmar que os desembargadores [que decidiram pelo retorno para a família biológica] não olharam para a Duda", completa.
 
Como o caso se tornou emblemático, a Angaad entrou com pedido para ser incluída como amicus curiae na ação, por entender que se trata de "um processo de repercussão geral para a adoção em todo o Brasil". Mesmo após o pedido ter sido negado duas vezes, a entidade entrou com um agravo regimental, que está em processo de análise – dependendo do resultado, a associação poderá fazer o pedido diretamente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
 
"A Angaad continuará insistindo nesse e em todos os casos em que o direito da infância estiver sendo suprimido em prol de laços sanguíneos desprovidos de afeto", diz Silvana Moreira. Para ela, o caso de Monte Santo (BA) pode ter sido um divisor de águas. "Tenho a impressão de que Monte Santo foi a abertura de portas para que juízes sem conhecimento específico tomem decisões em relação a uma matéria tão complexa como o direito de uma criança. Não dá para tratar a infância como a justiça trata a questão do consumo ou mesmo crimes comuns".
 
Em dezembro de 2012, a cidade de Monte Santo esteve nas manchetes de todo o país por causa da adoção, supostamente irregular, de cinco dos seis filhos de Silvânia da Silva. Em junho de 2011, as crianças foram retiradas da família biológica por decisão do juiz Vítor Bizerra, que na época atuava na Comarca, sob alegação de que sofreriam maus tratos. Duas delas foram levadas para Campinas e as outras para Indaiatuba, cidades do interior de São Paulo. Em setembro do ano passado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afastou Bizerra das funções jurisdicionais, abrindo um procedimento disciplinar contra o magistrado para apurar se houve irregularidades na decisão que autorizou a adoção. Em novembro de 2012, o juiz Luiz Roberto Cappio determinou o retorno das cinco crianças, que no mês seguinte foram levadas de volta para a mãe biológica.
 
Outro caso semelhante aconteceu no final de dezembro de 2013, em Vitória (ES). Um menino de um ano, que já estava há 8 meses com a família adotiva, teve que ser devolvido a um abrigo por ordem judicial do TJES, a pedido da mãe biológica – uma adolescente de 14 anos que saiu recentemente do abrigo onde vivia e quer reconstruir os laços familiares com a criança que havia sido entregue para adoção. "Eu não escolhi, eu fui escolhida. Estava na fila de espera, a justiça me ligou e me entregou meu filho. Quero que a Justiça me diga: o que faço agora?", questionou a mãe adotiva, Andréia Sartori, em declaração dada a um telejornal local na época.
 
Segundo o último levantamento feito pelo Cadastro Nacional de Adoção (CNA), criado há cinco anos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em maio de 2013 havia 5.426 crianças e adolescentes aptos para adoção em todo o país, para 29.440 pretendentes cadastrados. Há mais de 44 mil crianças acolhidas que não estão no cadastro nacional, em função da lentidão na destituição do poder familiar e da regularização da adoção. A gestora do Módulo Criança e Adolescente (MCA) – criado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para "gerir, administrar e possibilitar a rápida ação de todos os atores do sistema em relação às crianças abrigadas" – e promotora de Justiça Daniela Moreira Vasconcellos afirmou que hoje no Estado do Rio existem "249 crianças e adolescentes aptos à adoção", considerando "apenas aqueles para quem ainda não se encontrou adotantes". Para ela, "vem ocorrendo sensível incremento nas adoções nos últimos 10 anos".
 
"Esse incremento se deve, principalmente, à divulgação e à naturalização da adoção, com suas peculiaridades. Uma vez que a criança se encontre adaptada à família adotiva, onde tenha sido colocada por decisão judicial embasada em sólido conjunto probatório, por óbvio não há que se falar em retorno aos pais biológicos, contanto tenha sido assegurado a estes o direito à ampla defesa e ao contraditório. Criança não é objeto e a desestruturação da realidade em que está inserida em seu melhor interesse com certeza é sempre prejudicial", argumenta a promotora.
 
Uma família para quem precisa
 
O caso de Duda ganhou repercussão nas redes sociais após a criação pela família adotiva de uma campanha para ficar com a guarda da menina – até o fechamento desta edição, mais de 25 mil pessoas haviam curtido a página "Fica Duda" no Facebook –, sendo amplamente noticiado pela mídia e dando visibilidade ao debate sobre adoção no Brasil. Silvana Moreira teme que o caso desestimule a busca por adoção.
 
"A Duda foi colocada em uma família quando já tinha um ano e dez meses, já não era mais um bebê. Essa família amou e cuidou dela por quase três anos, e de repente a mesma Justiça que a entregou para adoção está tirando a criança da família adotiva. Isso coloca em total descrédito o instituto da adoção", critica. "Temo que esse processo venha a desestimular as adoções no Brasil inteiro, o que já vem acontecendo. Há muita gente com guarda provisória apavorada porque acha que perderá o filho a qualquer momento. Há crianças mais velhas que têm medo de perder os pais que conseguiram", alerta.
 
A psicóloga Maíra Dourado corrobora a argumentação. "Ouvi relatos de pais que estão muito inseguros com essa situação. A pessoa está em um processo de adoção, que já é burocrático, extenuante, e de repente pode perder a guarda da criança com a qual já está construindo laços? Como lidar com processos de adoção que duram anos, sem conclusão?".
 
Na opinião de Darlan, a demora nos processos de adoção aumenta o risco de situações como essa se repetirem. "O decurso do tempo no processo de adoção é absurdo e não se justifica em face da prioridade que devem ter os Juizados da Infância e da Juventude. Decisões como essas não respeitam o sentimento das crianças e causam danos muito grandes ao desenvolvimento delas", diz o desembargador. Dourado lembra que a longa duração não é percebida da mesma forma por adultos e crianças. "Como pode um processo de adoção durar três anos? Para um adulto passa rápido, mas no caso da Duda os três anos que ela passou com os guardiões são quase tudo na vida dela", acrescenta.
 
Segundo Pelajo, o tempo dos processos "muitas vezes não acompanha o ritmo dos acontecimentos". "Essa criança, que viveu por mais de ano em abrigo, merece que sua estabilidade afetivo-emocional seja preservada. Se o estágio de convivência se concluiu com sucesso e os requisitos da adoção foram atendidos a contento, não se deveria admitir que a demora na tramitação processual faça com que, mais uma vez, o mundo dessa criança se desestabilize por completo".
 
Essa é uma das principais preocupações dos pais adotivos, que tentam preservar a criança em meio à disputa judicial. "Estamos poupando nossa filha, ela não sabe do que está acontecendo, tem menos de cinco anos. Estamos esperançosos de que o processo [de destituição do poder familiar dos genitores] será aceito. Esperamos que os magistrados saiam do tecnicismo da lei e pensem no bem-estar da criança", disse Válbio.
 
Diante de toda a discussão, a noção de família como grupo social composto apenas por pessoas ligadas por laços de sangue parece ultrapassada. "Ainda existe na nossa sociedade quem pense em manter a linhagem sanguínea, mas na contemporaneidade isso já não cabe mais. Existem diversos tipos de famílias, homoafetivas por exemplo. A família de sangue não se escolhe, mas a família que a pessoa irá construir, os amigos que terá, sim. Há irmãos de sangue que não têm um vinculo afetivo tão forte quanto dois grandes amigos", pondera Dourado.
 
Para Siro Darlan, esse problema resulta do fato de que alguns juízes "não se modernizaram e não acompanharam o desenvolvimento das novas modalidades de famílias que a sociedade criou". Ele diz que "o instituto do afeto, hoje elevado à categoria de bem juridicamente protegido, é o único que justifica a união entre pessoas. De nada adianta uma família consanguínea onde não há o afeto e o respeito mútuo. Na verdade faltam critérios na escolha dos juízes vocacionados para as varas da infância e da juventude pelos tribunais que tem adotado critérios políticos de favorecimento em detrimento daqueles mais vocacionados", critica.
 
Silvana Moreira reforçou o argumento da necessidade de capacitação do poder judiciário para atuar na área. "Todas as varas teriam que ter equipe técnica, composta por psicólogo e assistente social. Quando têm, o número não é o suficiente", acrescentou. Na avaliação dela, o Judiciário precisa respeitar a prioridade absoluta das crianças, inclusive acima de seus próprios dogmas. "Por isso tentamos mudar esse paradigma tradicional de adoção que existia antes, de dar um filho para o casal que não pode gerar. O paradigma que usamos hoje é dar uma família para a criança que dela precisa", conclui.
 
Versão online da Tribuna do Advogado

Matéria na íntegra: http://www.oabrj.org.br/materia-tribuna-do-advogado/18017-Direito-ao-afeto

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