José Luiz Remigio Moreira
A HISTÓRIA DO SEU NASCIMENTO É BEM DIFERENTE. FALE SOBRE ELA.
Em 1968, meu pai era médico-residente em Goiânia, na Santa Casa, e estava junto com um colega, o doutor Luiz Milazzo, quando apareceu um senhor com a esposa grávida de sete meses. Eles tinham ido de carroça de uma cidadezinha vizinha, Aparecida de Goiânia. Na hora em que eles chegaram, os médicos já constataram que a mulher estava morta. Aí o homem doou o corpo e o feto para estudos. Fizeram um documento e ele assinou todo o procedimento da doação. Aí, já quando o corpo estava no necrotério, meu pai e o colega decidiram fazer o procedimento para separar o feto do corpo. Um deles falou: “Já que estamos aqui para aprender e temos ali o corpo de uma senhora que está com o feto e precisa ser separado, então vamos fazer uma cesárea normal como treinamento”. Foi aí que eles começaram a fazer todos os procedimentos de uma cirurgia, deram anestesia, e começaram a abrir o corpo. Nesse momento, o Dr. Milazzo percebeu um movimento do feto e eles logo mudaram todos os procedimentos, por que era a vida do bebê que estava em jogo. Esse bebê era eu. Pra minha sorte, tinha outro médico lá de plantão que era pediatra e que fez o que precisava ser feito. Eu acredito que foi um milagre.
LOGO EM SEGUIDA O DR. JOSÉ MARIA JÁ DECIDIU TE ADOTAR?
Na época, meu pai era noivo da minha mãe. Quando ele chegou do plantão, começou a contar o que tinha acontecido e todo mundo ficou impressionado, tanto que minha mãe e a mãe dela quiseram ir até o hospital para conhecer o bebê da história. Chegando lá, eu estava na incubadora, porque ainda não estava totalmente formado, era pequenininho demais, as pálpebras não fechavam direito, enfim, tive que ficar lá por três meses. Quando minha avó me viu já disse logo que se meus pais não me adotassem ela iria fazer isso. Aí meu pai decidiu que iria adotar e depois via o que iria fazer, né?! (risos). Isso porque ele e minha mãe eram apenas noivos, foram casar só dois anos mais tarde, depois que o processo passou por todos os trâmites legais.
VOCÊ SEMPRE SOUBE QUE ERA ADOTIVO?
Não. Só descobri quando tinha 18 anos. Nunca desconfiei. E o engraçado é que, fisicamente, eu sou muito parecido com o meu pai. Quando eu já era maior, adolescente, eu até comecei a fazer as contas e vi que eles só se casaram quando eu tinha dois anos, mas aí eu pensava que minha mãe havia engravidado antes. Ficava pensando nisso, mas resolvi não tocar no assunto com eles (risos). Um dia eu estava no Araguaia, pescando com o meu tio-avô, e começamos a falar sobre esse assunto, aí eu falei que minha mãe tinha ficado grávida antes de casar. Ele, que já tinha tomado umas cachaças, disse: “Não, menino, larga de ser besta! Você foi adotado” (risos). Ele falou com tanta naturalidade que eu pensei que era brincadeira, mas depois fui percebendo que era sério. No dia seguinte, ele já estava sóbrio e até me pediu desculpas, disse que não devia ter falado, mas não tinha mais jeito. Então ele foi me contando a história toda. Quando eu voltei pra outra cidade, já fui ansioso pra contar para os meus pais que eu já sabia. Eu assimilei isso com muita naturalidade, não sei como, mas pensava que eu sabendo iria tirar um peso das costas deles. Primeiro eu conversei com o meu pai, ele ficou assustado, conversou com a minha mãe antes e depois ela veio, me abraçou forte e perguntou se eu estava revoltado. Como eu iria ficar revoltado? A partir daí eu passei a amá-los ainda mais. Eu já sabia que na época do meu nascimento meu pai estava numa dificuldade enorme pra estudar e depois teve que passar por toda aquela situação da adoção. É por isso que ele é meu ídolo, minha bússola em tudo. Ele soube aproveitar as oportunidades e me deu a oportunidade de ser alguém na vida também. Eu não sei se teria coragem de fazer o que os meus pais fizeram, tinham muitos riscos e eles arcaram com isso pra me ajudar. Fora o fato de terem salvado a minha vida.
MAS A HISTÓRIA NÃO PAROU POR AÍ. VOCÊ TEVE A OPORTUNIDADE DE CONHECER SUA FAMÍLIA BIOLÓGICA, NÃO É MESMO?
Até então, o meu pai só tinha o documento de doação do corpo, onde constava o primeiro nome do meu pai biológico, que é Timóteo, e o da minha mãe, Gracinda. A gente não tinha pista e eu também não tinha interesse de procurar. Mas num dia, durante uma reunião espírita de estudos, minha esposa e eu fomos orientados a fazer um curso, que era aos sábados, em Goiânia. Eram duas turmas de mais ou menos 100 pessoas cada. Lá, participávamos de várias dinâmicas, várias atividades. No último sábado, o professor decidiu fazer uma dinâmica, na qual a gente pegava umas balinhas de vários sabores. Quem estava com determinado sabor se reuniria num mesmo grupo. Então eu fiquei num grupinho de cinco pessoas. Nessa turma, a gente ia ter que contar para os colegas um fato das nossas vidas que provava o quanto Deus era bom. Eu não tinha outra história a contar a não ser a do meu nascimento. Enquanto eu contava, percebi que tinha uma senhora ao meu lado que estava muito emocionada. No final, ela me perguntou se eu sabia o nome dos meus pais. Quando eu disse os nomes, ela começou a passar mal, o pessoal veio acudir. Depois que ela melhorou, me contou que era prima de primeiro grau da minha mãe biológica e que havia criado o filho mais novo dela, o Juvelino, que é meu irmão. Me contou também que eu tinha mais cinco irmãos de pai e mãe e mais um monte em outros lugares só de parte de pai. Daí eu saí correndo, fui na sala onde estava a minha esposa e disse: “Vem comigo que eu achei a minha família”.
DEPOIS DISSO VOCÊ PASSOU A TER CONTATO COM SEUS IRMÃOS?
Desde o dia em que conheci aquela senhora eu decidi que tinha que encontrar os meus irmãos. Começamos a planejar e uns dois meses depois o encontro aconteceu. Inventamos que a minha mãe tinha deixado uma herança e que todo mundo precisava se encontrar. Não deixa de ser, né?! (risos). É uma herança genética, mas é. Aí eu fiquei na casa dessa minha tia, cheguei mais cedo com a minha esposa e minha filha, e eles começaram a chegar. Quando estava todo mundo na sala, eu entrei. O primeiro a me ver foi o Juvelino, que logo disse: “É o maninho desaparecido”. Foi aí que eu descobri que eles já sabiam de mim. Na época do meu nascimento, meu pai voltou no hospital junto com meu irmão mais velho, o Aureliano. Eles descobriram que eu estava vivo e chegaram a me ver, mas meu pai decidiu me deixar pra adoção porque não tinha condições de me criar. Acho que isso até facilitou as coisas para os meus pais adotivos. Esse encontro foi uma ação divina. Depois disso, eu continuo encontrando alguns irmãos. Tem um por parte de pai que mora aqui em Taguatinga, que está com 86 anos. Meu pai teve muitos filhos, nem sei quantos. Não cheguei a conhecê-lo. Ele morreu atropelado em 1992.
O QUE VOCÊ FAZ AQUI NO FNDE?
Eu trabalho com testes de qualidade de sistemas. Eu represento a RSI Informática, que tem um contrato com o FNDE pra gente atuar na Dirte, na área de testes de sistemas. Para irem para produção, os sistemas precisam passar por uma homologação. Essa homologação quem faz são os gestores, e eles precisam de pessoas técnicas para ajudar a fazer testes. A RSI é a referência nacional em testes de sistemas.
VOCÊ TEM UM BLOG DE HUMOR, CERTO? COMO É ESSE PROJETO? VOCÊ JÁ ESCREVEU SOBRE A HISTÓRIA DO SEU NASCIMENTO?
O nome do blog é Rotina de um Zé (www.rotinadeumze.webnode.com
). Lá eu escrevo histórias do meu dia a dia, contadas de uma maneira divertida. Isso surgiu há uns dois anos, quando eu contei um fato da época em que eu estava bem gordão e decidi fazer caminhada no parque. Eu falei para um amigo de uma senhora que eu tentava seguir que parecia ter uns 150 anos. Ele me disse que a história era muito boa e que eu precisava escrever aquilo. Escrevi, mandei pra ele por e-mail e ele me deu a ideia de fazer um blog. Semanalmente eu posto algumas histórias lá. Até agora já tivemos quase 10 mil acessos. A que mais repercutiu foi sobre os ciclos da mulher. Os homens não conseguem entender, aí eu fiz uma pesquisa mesmo pra entender como tudo funciona. Eu conto tudo pelo lado da mulher, tenho duas em casa, né?! Minha esposa e minha filha. A história do meu nascimento não está lá. Ela não é tão engraçada (risos). Na verdade, acho que se eu colocar pitadas de humor em uma história que é tão divina pra mim ela pode acabar virando banal.
VOCÊ COSTUMA CONTAR CASOS VIVIDOS POR OUTRAS PESSOAS TAMBÉM, COMO OS DOS COLEGAS AQUI DO TRABALHO?
A minha esposa é muito engraçada também e, por isso, eu tô sempre contando histórias dela, da minha família toda. Falo sobre tudo. Tenho algumas histórias de pessoas que trabalhavam comigo, que são muito legais também. Todas estão lá no blog. Ainda não escrevi nada sobre colegas do FNDE. Mas posso escrever ainda (risos). A Regina, que é uma colega de trabalho aqui do FNDE, tem uma facilidade com textos e me ajudou corrigindo alguns. Eu percebi que posso melhorar em muitas coisas ainda. A ideia é fazer o blog crescer. Mas sem patrocínio é meio difícil. Estou querendo fazer umas camisetas pra comemorar os dois anos do blog, juntar o pessoal que apoia e fazer uma festinha, mas eu brinco com meus amigos dizendo que eu mesmo sou o patrocinador (risos). Ainda preciso profissionalizar mais.
VOCÊ ACHA QUE O FATO DE O COMEÇO DA SUA HISTÓRIA SER TÃO DIFERENTE TE INFLUENCIOU A SE TORNAR UM “CONTADOR DE HISTÓRIAS”?
Eu acredito que a história do meu nascimento, esse presente de Deus, me dá alegria pra viver e me faz querer ver a vida por um lado mais divertido, com humor. Eu sempre gostei de contar histórias, nas festas eu sempre fui aquele que divertia todo mundo. Às vezes um amigo está triste e me chama pra contar um caso e fazê-lo sorrir um pouco. Eu gosto de celebrar a vida, e faço isso em todos os lugares. Gosto de andar de ônibus e metrô pra ver as pessoas, pra ter material para as minhas histórias (risos). A gente tem que ver graça em tudo. Às vezes é um atraso, um problema acontece durante o dia, e se a gente não levar isso com humor acaba ficando grilado.
VOCÊ TEM PLANOS DE DIVULGAR SUA HISTÓRIA DE VIDA?
Sim. Eu pretendo escrever um livro. Mas aí já é um projeto mais elaborado, porque eu teria que estudar mais, ir atrás de mais informações. A ideia é pegar a história do meu pai e da minha mãe e também da outra família, mostrando o que as duas famílias têm e tudo o que aconteceu para que elas se unissem. Eu poderia colocar isso na internet, mas acho que o livro teria um bom alcance.
DEIXE UMA MENSAGEM PARA OS COLEGAS DO FNDE QUE IRÃO LER ESSA ENTREVISTA.
O fato de o meu nascimento ter sido tão diferente despertou em mim uma maneira de viver diferente. Mas, mesmo antes de saber dessa história, eu já era uma pessoa alegre. Isso só intensificou mais esse meu jeito. A mensagem que eu deixo é essa: vamos olhar a vida com mais alegria, com o propósito de viver bem, porque Deus sabe o que faz. Ele coloca as coisas na nossa vida como tem que ser. Todo mundo é um milagre. Até a própria fecundação é um milagre. Eu brinco com minha esposa dizendo que eu enfrentei muitos obstáculos pra chegar ao mundo mesmo antes do parto.
Sobre o autor:
José Luiz Remigio Moreira, 45 anos, Analista de Sistemas, natural de Goiânia
Filosofia de vida: Amar a Deus sobre todas as coisas
O que mais aprecia nas pessoas: Sinceridade
Alguém que admira: Meu pai, José Maria Remigio Moreira
http://gvadmariafumaca.blogspot.com.br/2014/02/o-goiano-jose-luiz-remigio-e-uma.html
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