sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

ADOÇÃO E FORTALECIMENTO DAS FAMÍLIAS


GLICIA SALMERON
20 de fevereiro de 2014

Para melhor compreender o cenário atual da adoção no Brasil, quais são as maiores dificuldades nos processos e quais as necessidades das crianças e adolescentes que estão em situação de acolhimento institucional, o VIA Blog conversou com Glicia Salmeron, presidente da Comissão Especial da Criança, do Adolescente e do Idoso do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e representante da instituição no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e dos Adolescente – Conanda.
Segundo Salmeron, “quando se trabalha o processo de adoção, é preciso saber quantas crianças estão em entidades de acolhimento no Brasil, mas também é necessário entender porque elas estão lá; o que gerou tudo isso; quantas têm condições de voltar pra casa e quantas não têm”. A especialista também salienta que a adoção deve ser abordada pela perspectiva do fortalecimento das famílias, para que haja cada vez menos crianças nos abrigos. Confira!

VIA – DE ACORDO COM A SUA EXPERIÊNCIA DE ATUAÇÃO, COMO VOCÊ ANALISA O CENÁRIO ATUAL DA ADOÇÃO NO BRASIL?
Glicia Salmeron – Com a alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente no que diz respeito à adoção e à regulamentação do Cadastro Nacional de Adoção, houve um avanço no sentido de priorizar o atendimento nos estados. Atualmente, com o cadastro nacional, existe a possibilidade de se ter mais facilidade no processo de adoção, mas ainda existe uma dificuldade muito grande para que se coloque isso em prática nos estados. Quando se trabalha com o sistema de garantia de direitos nos estados e municípios, mais especificamente nas cidades mais longínquas, fica difícil ter um diagnóstico exato de como avançou o processo de adoção. Entretanto, esse processo não deve ser a discussão prioritária para a infância e adolescência, a discussão prioritária deve ser o fortalecimento da família e o retorno dessas crianças que estão nas entidades de acolhimento para os seus lares, até porque é isso que essas crianças querem. Se for feita uma pesquisa, se essas crianças forem consultadas sobre o que elas querem, vai ser constado que elas anseiam pelas suas mães. Elas querem voltar, mesmo aquelas que sofreram negligências e violência doméstica.

VIA – O QUE MUDOU COM A LEI Nº 12.010, CONHECIDA COMO NOVA LEI NACIONAL DA ADOÇÃO?
GS – A Lei 12.010, que dispõe sobre adoção, veio trazer algumas ferramentas que são de importância significativa para priorizar e fortalecer o sistema de justiça e o sistema de garantia para a inserção dessas crianças na família substituta. Hoje, o grande problema que temos é a adoção tardia e os grupos de irmãos. Em muitos estados, mesmo após anos de discussão, existe a dificuldade de se trabalhar pelo reordenamento dos abrigos. É preciso que os municípios assumam as suas crianças e não permitam que elas sejam tiradas da sua cidade e afastadas da família. Muitas vezes, a criança foi abusada, sofreu violência doméstica ou negligência familiar, e, ao invés do município fortalecer essa família e buscar entender a causa, ele apenas a afasta. Há casos em que não existe o serviço de acolhimento e a criança é tirada do município e levada para outro que tenha abrigos. O Brasil precisa avançar no cuidado das crianças fortalecendo as famílias mais vulneráveis, porque todas essas situações são provenientes da ausência de discussão sobre a causa do problema.

VIA – O QUE A LEI DA ADOÇÃO AGREGOU DE POSITIVO APÓS QUASE CINCO ANOS DE VIGÊNCIA?
GS – Hoje, a maioria dos municípios tem um conselho tutelar, mas como anda esse conselho? Ele está funcionando? Será que o papel dele é tirar uma criança de dentro de casa, jogar em um abrigo e acabou-se? Será que nosso papel, como sociedade, não é participar desse controle social? A Lei 12.010 alterou alguns dispositivos e artigos do ECA. Ela traz a importância do Cadastro Nacional de Adoção e isso, de certa forma, veio para facilitar o sistema de justiça, para que as áreas de infância e adolescência possam trabalhar com mais transparência. Na maioria dos tribunais, hoje, existe uma coordenadora da infância, o que tem gerado um aceleramento dos processos de retirada das entidades de acolhimento, com o retorno para a família ou com a destituição do poder familiar para o processo de adoção. Não se espera mais cinco, seis ou dez anos para se entrar com a destituição e um ponto positivo disso são as audiências concentradas, que diminuem o tempo do processo.

VIA – SABE-SE QUE ALGUNS MENINOS E MENINAS ENCONTRAM MAIS DIFICULDADES PARA SEREM ADOTADAS. COMO SE DÁ ESSA QUESTÃO NO BRASIL?
GS – Ainda há preconceito, as pessoas querem escolher a criança e não querem ser escolhidas para serem pais. Nos processos de adoção se verifica, em alguns casos, o arrependimento. Isso acontece porque os pais que adotam não encontram aquela criança que foi idealizada. Mesmo sendo um processo longo, que envolve adaptação e preparação dessas pessoas, ainda assim existe o arrependimento. Isso tem gerado algumas decisões louváveis dos juízes, que o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem mantido, as indenizações contra as pessoas que adotam, se arrependem e devolvem as crianças. Aqueles que adotam precisam se conscientizar que a escolha não pode ter tantos critérios e requisitos como, muitas vezes, se pretende. É uma decisão que precisa ser feita de forma muito madura e todos precisam estar dispostos para o ônus e o bônus, porque os filhos biológicos são filhos e os adotivos também, não existe um modelo.

VIA – EXISTEM INICIATIVAS QUE VISAM PREPARAR AS PESSOAS QUE BUSCAM A ADOÇÃO?
GS – Alguns tribunais trabalham com o Programa de Apadrinhamento Afetivo, para que quem pretende adotar possa ir se familiarizando com a criança. Com esse procedimento, é possível visitar a criança e levá-la para casa, com autorização judicial, e se ganha um contato que gera a relação de afetividade entre a família e a criança ou o adolescente. Depois disso, existe a guarda. Não é um procedimento tão simples, mas também é algo que deve existir, porque são oportunidades para essas crianças e adolescentes. Quando existe a adoção, a criança ou o adolescente deixa de ser um sujeito em desenvolvimento vulnerável e passa a ser um sujeito de direito, voltando a estar no seio da família. Os pais adotivos precisam estar preparados para isso, porque, muitas vezes, a criança que se quer adotar é a criança dos sonhos dos adultos, não o que ela realmente é.

VIA – O QUE PRECISA SER VISTO COMO FUNDAMENTAL QUANDO SE ABORDA O TEMA DA ADOÇÃO NO BRASIL?
GS – Precisamos compreender por que causas essas famílias chegam a situações limite. Por exemplo, nós cidadãos precisamos conhecer as ferramentas disponíveis para que seja possível denunciar uma agressão que a criança sofre no núcleo familiar a partir do primeiro momento. Percebo que nas cidades as pessoas não tem a informação sobre como podem ser inseridas nesse processo enquanto cidadãos, sobre o que se pode fazer para não permitir que a criança sofra uma violência. Quando se trabalha o processo de adoção, é preciso saber quantas crianças estão em entidades de acolhimento no Brasil, mas também é necessário entender porque elas estão lá, o que gerou tudo isso, quantas têm condições de voltar pra casa e quantas não têm. Hoje, nos tribunais de justiça, é possível encontrar esses dados. Mas não podemos falar simplesmente em números, é preciso fazer um trabalho de conscientização, pois é possível trabalhar pela perspectiva de melhorar a vida da criança ou do adolescente contribuindo para o fortalecimento da família.
Pamella Indaiá/VIA Blog
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