19.10.2013
Destaque da Semana:
Texto de Selma Sueli
O fim da semana trouxe a decisão da Justiça sobre o caso da menina de 4
anos, que vive há dois anos e meio com os pais adotivos. A garotinha
terá que voltar ao convívio dos pais biológicos, de forma gradativa, em
quatro meses.Durante este período, ela continua com os pais adotivos,
que tinham a guarda provisória.
O caso ganhou repercussão após
os pais adotivos iniciarem, pela internet, campanha de apelo ao Tribunal
de Justiça para a revisão da decisão de retorno da criança à família
biológica. E foi essa família que perdeu a guarda da menina quando ela
tinha apenas dois meses de vida, por causa de maus tratos. O pai era
acusado de alcoolismo e a mãe sofria de transtornos psicológicos. Além
da bebezinha, o casal perdeu a guarda de outros seis filhos.
Agora, quatro anos depois, a Justiça decide que a família recuperou as
condições de criar e educar os filhos. Todos eles. A decisão divide
opiniões. Aqueles que defendem ponderam que a lei é clara quando diz que
todas as condições da família biológica devem ser respeitadas. Chamam a
atenção para o fato de que o juiz não pode julgar por seus conceitos,
valores e crenças. Afirmam que os juízes precisam redescobrir o
positivismo da Lei.
Ora, no positivismo jurídico ou
juspositivismo existe a opção pela neutralidade do intérprete do
direito, sustentando que ele não deve se posicionar relativamente aos
conteúdos das normas, mas apenas descrevê-los, de modo a preservar a
vontade política expressa por aqueles que criaram as normas. E é aí que a
sociedade começa a se estrepar. Quem cria nossas leis? Os deputados,
claro! Por isso, deu no que deu!
Como querer que o cidadão
entenda isso? Que ele aceite isso? Se fosse para cumprir a letra fria da
lei, por que não criar um software para dar a sentença conforme a tal
lei, “ipsis litteris“? Teríamos a lei autoaplicável para que o juiz
apenas assinasse abaixo do cumpra-se. Não, não pode ser assim. A lei
decide vidas e vidas são mais complexas. Não há como enquadrar a
situação afastando-a das circunstâncias. Por isso, há que se analisar,
debruçar sobre os fatos, acercar-se de dados e cuidados antes de bater o
martelo.
É verdade que somos um país processualista. Por isso,
o que vale não é a substância das coisas – sua essência, o que importa é
o processo através do qual as coisas são feitas. Assim, dá-lhe
processos e mais processos e tudo desemboca na Justiça. E é essa justiça
lenta, quase emperrada que chama a atenção para o fato de que a guarda
dada aos pais afetivos é provisória. Portanto, os pais afetivos devem
conformar-se. Mas então, doutos representantes da autoridade judiciária,
a guarda provisória não deveria ser transitória, passageira? Neste caso
não foi. E não foi porque a justiça foi lenta. Quase três anos para
julgar o processo de adoção. Tempo mais que suficiente para transformar o
provisório em efetivo.
Por que a família adotiva, que se
tornou efetiva num momento crucial na vida dessa garotinha abandonada
tem de se conformar? Perguntem a qualquer pediatra como acontece a
evolução de uma criança nos três primeiro anos de vida. Tudo nessa fase é
maximizado. O cérebro cresce de forma surpreendente. As relações se
constroem de maneira avassaladora. É natural e aceitável que os laços
construídos em quase três, dos quatro anos da garotinha, fossem
provisórios? Quem deve ser apenado: quem ama e forma uma família em três
anos ou quem demora para julgar processos de tamanha importância?
Os primeiros anos da vida humana são fundamentais: deixam marcas para
sempre, mesmo que a gente não se lembre de muita coisa depois. Por isso
não há como aplicar a letra fria da lei. A proteção, a segurança, o amor
por fim, criaram raízes em terras férteis e não há como arrancá-las sem
que haja prejuízo. Criança não é mercadoria. Não dá para toma-la do
seio de sua família sob o argumento: ‘desculpe, foi engano, agora a
gente pode o que um dia não podia.’
Não é o Estatuto da Criança
e do Adolescente que pede para que a criança seja mantida no seio de
sua família? Que família essa menina conhece? Onde foi que ela se fez
criança com todos seus direitos resguardados? Tirá-la de seus pais
adotivos para tentar reinseri-la num ambiente do qual sequer ela tem
memória afetiva é mesmo o justo? Pode até ser legal, mas, preserva a
dignidade humana? O pai biológico diz: “Onde come seis, come sete, come
oito, come nove”. De que forma? Ele está disposto a trabalhar. É o que
basta? Até quando?
Não, não estamos falando de adultos que
esperam quatro anos torcendo para que as coisas se ajeitem. Estamos
falando de um serzinho em formação, que conheceu o abandono aos 2 meses
de vida mas que, ainda no primeiro ano de idade, teve a boa sorte de
encontrar os pais que a escolheram, que a acolheram. Esse casal fez a
opção pela vida, repassou à filha - para além da segurança material,
esse casal repassou à filha valores morais, dignidade, devolveu a ela o
direito a um futuro. Tudo devidamente registrado na memória afetiva de
cada membro da família envolvido - os pais, a irmã, o padrinho, os tios,
os avós... “Quem sabe isso quer dizer amor, estrada de fazer o sonho
acontecer.” Fica Duda!
(OUÇA O DESTAQUE DA SEMANA NA VOZ DE JOSÉ LINO SOUZA BARROS)
http://www.itatiaia.com.br/ blog/jose-lino-souza-barros/ destaque-da-semana-fica-duda-te xto-de-selma-sueli--2
19.10.2013
Destaque da Semana:
Texto de Selma Sueli
O fim da semana trouxe a decisão da Justiça sobre o caso da menina de 4 anos, que vive há dois anos e meio com os pais adotivos. A garotinha terá que voltar ao convívio dos pais biológicos, de forma gradativa, em quatro meses.Durante este período, ela continua com os pais adotivos, que tinham a guarda provisória.
O caso ganhou repercussão após os pais adotivos iniciarem, pela internet, campanha de apelo ao Tribunal de Justiça para a revisão da decisão de retorno da criança à família biológica. E foi essa família que perdeu a guarda da menina quando ela tinha apenas dois meses de vida, por causa de maus tratos. O pai era acusado de alcoolismo e a mãe sofria de transtornos psicológicos. Além da bebezinha, o casal perdeu a guarda de outros seis filhos.
Agora, quatro anos depois, a Justiça decide que a família recuperou as condições de criar e educar os filhos. Todos eles. A decisão divide opiniões. Aqueles que defendem ponderam que a lei é clara quando diz que todas as condições da família biológica devem ser respeitadas. Chamam a atenção para o fato de que o juiz não pode julgar por seus conceitos, valores e crenças. Afirmam que os juízes precisam redescobrir o positivismo da Lei.
Ora, no positivismo jurídico ou juspositivismo existe a opção pela neutralidade do intérprete do direito, sustentando que ele não deve se posicionar relativamente aos conteúdos das normas, mas apenas descrevê-los, de modo a preservar a vontade política expressa por aqueles que criaram as normas. E é aí que a sociedade começa a se estrepar. Quem cria nossas leis? Os deputados, claro! Por isso, deu no que deu!
Como querer que o cidadão entenda isso? Que ele aceite isso? Se fosse para cumprir a letra fria da lei, por que não criar um software para dar a sentença conforme a tal lei, “ipsis litteris“? Teríamos a lei autoaplicável para que o juiz apenas assinasse abaixo do cumpra-se. Não, não pode ser assim. A lei decide vidas e vidas são mais complexas. Não há como enquadrar a situação afastando-a das circunstâncias. Por isso, há que se analisar, debruçar sobre os fatos, acercar-se de dados e cuidados antes de bater o martelo.
É verdade que somos um país processualista. Por isso, o que vale não é a substância das coisas – sua essência, o que importa é o processo através do qual as coisas são feitas. Assim, dá-lhe processos e mais processos e tudo desemboca na Justiça. E é essa justiça lenta, quase emperrada que chama a atenção para o fato de que a guarda dada aos pais afetivos é provisória. Portanto, os pais afetivos devem conformar-se. Mas então, doutos representantes da autoridade judiciária, a guarda provisória não deveria ser transitória, passageira? Neste caso não foi. E não foi porque a justiça foi lenta. Quase três anos para julgar o processo de adoção. Tempo mais que suficiente para transformar o provisório em efetivo.
Por que a família adotiva, que se tornou efetiva num momento crucial na vida dessa garotinha abandonada tem de se conformar? Perguntem a qualquer pediatra como acontece a evolução de uma criança nos três primeiro anos de vida. Tudo nessa fase é maximizado. O cérebro cresce de forma surpreendente. As relações se constroem de maneira avassaladora. É natural e aceitável que os laços construídos em quase três, dos quatro anos da garotinha, fossem provisórios? Quem deve ser apenado: quem ama e forma uma família em três anos ou quem demora para julgar processos de tamanha importância?
Os primeiros anos da vida humana são fundamentais: deixam marcas para sempre, mesmo que a gente não se lembre de muita coisa depois. Por isso não há como aplicar a letra fria da lei. A proteção, a segurança, o amor por fim, criaram raízes em terras férteis e não há como arrancá-las sem que haja prejuízo. Criança não é mercadoria. Não dá para toma-la do seio de sua família sob o argumento: ‘desculpe, foi engano, agora a gente pode o que um dia não podia.’
Não é o Estatuto da Criança e do Adolescente que pede para que a criança seja mantida no seio de sua família? Que família essa menina conhece? Onde foi que ela se fez criança com todos seus direitos resguardados? Tirá-la de seus pais adotivos para tentar reinseri-la num ambiente do qual sequer ela tem memória afetiva é mesmo o justo? Pode até ser legal, mas, preserva a dignidade humana? O pai biológico diz: “Onde come seis, come sete, come oito, come nove”. De que forma? Ele está disposto a trabalhar. É o que basta? Até quando?
Não, não estamos falando de adultos que esperam quatro anos torcendo para que as coisas se ajeitem. Estamos falando de um serzinho em formação, que conheceu o abandono aos 2 meses de vida mas que, ainda no primeiro ano de idade, teve a boa sorte de encontrar os pais que a escolheram, que a acolheram. Esse casal fez a opção pela vida, repassou à filha - para além da segurança material, esse casal repassou à filha valores morais, dignidade, devolveu a ela o direito a um futuro. Tudo devidamente registrado na memória afetiva de cada membro da família envolvido - os pais, a irmã, o padrinho, os tios, os avós... “Quem sabe isso quer dizer amor, estrada de fazer o sonho acontecer.” Fica Duda!
(OUÇA O DESTAQUE DA SEMANA NA VOZ DE JOSÉ LINO SOUZA BARROS)
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