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21/10/2013 Autor: Silvana do Monte MoreiraHoje recebi a pergunta – quem é Duda? E passei a pensar: afinal, quem é Duda?
Duda é uma garotinha de quatro anos que há dois anos e meio passou a
ser sujeito de cuidado – afeto, amor, carinho -, que há dois anos e
meio passou a ter direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, sendo colocada a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão. Duda foi negligenciada e sofreu maus tratos
perpetrados por seus genitores. Duda passou com esses genitores dois
meses de sua vida quando foi deles retirada da convivência, sendo a
perda da guarda motivada pelos maus tratos. O genitor foi então
identificado como alcoolista e a genitora como portadora de transtornos
psicológicos. Os genitores, além de Duda, perderam a guarda dos outros
seis filhos.
Duda foi acolhida e depois entregue em adoção, o processo já
perdura há dois anos e meio, ou seja, perdura pelo período da colocação
de Duda na família adotiva.
Duda tem pai, mãe, família extensa, amigos e uma rede social de
acolhida. Duda é membro de uma rede familiar e se identifica como tal.
Duda tornou-se “objeto” de uma disputa entre o biológico e o afetivo.
Não tem esse texto o fito de discutir a lei, mas de observar alguns
pontos. A Constituição Federal traz entre seus princípios basilares o
da prioridade absoluta inserida em seu artigo 227. A prioridade absoluta
é determinada apenas e tão somente à criança, ao adolescente e ao
jovem.
No artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
encontra-se, também, inserida a prioridade absoluta com a seguinte
redação: é dever da família, comunidade, da sociedade em geral e do
Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
A doutrina da proteção integral, por sua vez, encontra-se inserida
no ECA, em seu artigo 1º, ao trazer que “Esta Lei dispõe sobre a
proteção integral à criança e ao adolescente”. Com relação ao princípio
do melhor interesse da criança, o mesmo consolida-se em 1959 através da
Declaração dos Direitos da Criança, sendo, identificado como um
princípio constitucional por força da ratificação da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança (ONU/89) por meio do Decreto
99710/90, sendo, portanto, um princípio em vigor no nosso sistema
jurídico, haja vista o artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, devendo
ser a premissa nas ações concernentes a todas as crianças, adolescentes
e jovens brasileiros.
O ECA determina em seu artigo 19 “toda criança ou adolescente tem
direito a ser criado e educado no seio da sua família e,
excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência
familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas
dependentes de substâncias entorpecentes.” Duda está sendo criada e
educada no seio de sua família e tem todas as suas necessidades
atendidas por essa família, sendo ela a que reúne melhores condições
para exercer sua parentalidade, tendo comprovado, ao longo de dois anos e
meio, maior aptidão para propiciar à Duda afeto, não apenas no aspecto
da parentalidade e filiação como também no do grupo familiar e social em
que Duda se insere, além de educação, segurança, saúde, amor, cuidado.
Duda tem seu melhor interesse atendido pela única família que teve
em toda a sua vida. O parágrafo único do artigo 25 do ECA dá o devido
valor jurídico ao afeto ao determinar que a família se estende aos
familiares com quem a criança conviva e mantenha vínculos de afinidade e
afetividade. Quem é essa família? Mais uma vez a única que Duda conhece
e de quem a Justiça pretende retirá-la levando ao biologismo a
prioridade que jamais teve e nunca poderá ter.
A decisão coisifica Duda e considera seus genitores como donos da
criança, utilizando a concepção retrograda do direito romano, e acolhida
pelo já revogado Código Civil de 1916, de propriedade dos pais sobre os
filhos.
É necessário que Duda seja vista como sujeito de direitos e que se
tenha em mente que ela se encontra em especial estágio de
desenvolvimento. Duda tem inúmeros direitos fundamentais que estão sendo
desrespeitados em prol de adultos que se provaram incapazes de exercer o
poder familiar por toda a vida da criança.
Porque o judiciário mineiro entendeu que os direitos fundamentais a
serem respeitados são os dos genitores e não os de Duda? Não está
invertendo a prioridade absoluta pela supremacia dos laços de sangue?
Não está rasgando a Constituição Federal?
É necessário que se faça valer o tratamento correto, e único, a ser
dispensado a crianças, adolescentes e jovens a partir da aplicação do
conjunto de normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente,
tendo como bases a Doutrina da Proteção Integral e os princípios da
prioridade absoluta e do melhor interesse da criança.
Escrevo por Duda, Gabi, JV, Mell, Anita, Valentina, Vitória,
Crystal, Vitor, Paulinha, Gabriel, Alexandre, Alysson, Christofer,
Letícia, Laura, Zandor, Henrique, João, Giulia, Nina, Fátima, Eduarda,
Yasmim, Luana, Mylena, Lucas, Thiago, Matheus, Miguel, Manuel, Heitor,
Sabrina, Aurora, Leonardo, Cauã e por todos demais filhos não
substitutos de nosso país.
Não permitam que nossos filhos sejam relegados a adjetivação,
nossos filhos são apenas filhos, da mesma forma que somos somente e tão
somente famílias.
Então, quem é Duda?
Silvana do Monte Moreira, Presidente da Comissão de Adoção do
IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, Diretora Jurídica
da ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção e Mãe (sem
adjetivos)
http://ibdfam.org.br/artigos/920/Quem+%C3%A9+Duda%3F
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