Por Silvana do Monte Moreira
Encontramo-nos,
desde 2012, enfrentando uma verdadeira cruzada para a desmoralização da adoção:
adotantes são tratados como traficantes; adotantes devidamente habilitados são
tratados como se não fossem; estudos técnicos são desconsiderados e
desqualificados como provas; laços de sangue são endeusados; crianças são
tratadas como objeto e não como sujeitos de direitos; a prioridade absoluta é
desconsiderada; a celeridade processual tornou-se inexistente; crianças são
esquecidas nas entidades de acolhimento institucional até atingirem a maior
idade; dentre outros absurdos que acompanhamos pela mídia e pela atuação.
Enquanto
isso no mundo real mais de 40 mil crianças e adolescentes continuam acolhidos,
mais de 5 mil crianças e adolescentes se encontram aptos à adoção e mais de 20
mil habilitados aguardam a chance de propiciarem a uma ou mais crianças/adolescentes
o direito à convivência familiar.
Entendemos
que os objetivos de um país que se diz de todos é reduzir drasticamente a
“cultura do abrigamento”, ou seja, reduzir o acolhimento institucional atacando
a sua origem e estimulando o instituto da adoção.
Quantas
campanhas de estimulo a adoção estão sendo veiculadas hoje na mídia? Quantas
campanhas de conscientização quanto à adoção especial, tardia e/ou múltipla
estão inseridas na TV, rádio, internet? A resposta é uma e única: nenhuma.
Obviamente
que nos deparamos com publicidades de inúmeras obras em realização ou já
realizadas, das inúmeras bolsas já concedidas, etc., etc., etc. Mas e o povo? O
povo mesmo e não apenas os projetos para o povo. Não nos referimos ao “minha
casa, minha vida”, mas ao “minha família, meu direito”. Onde está esse projeto?
Porque não verificamos uma real campanha do governo federal, ou estaduais pela
adoção? Porque a causa não recebe a atenção que necessita e merece?
Podemos,
também, fazer um passeio pelas diversas religiões. Qual delas trata da adoção?
Qual delas prega que crianças têm direito a viver em família e que a adoção é
uma forma legal e legítima de exercício da parentalidade? Se estivermos
errados, nos corrijam e nos informem, por favor, pois, é nosso interesse
divulgar bons exemplos da causa.
Passamos
pelo executivo, pelas igrejas, vamos ao legislativo. Foi criada a Frente Parlamentar
Mista Intersetorial em Defesa
das Políticas de Adoção e o que fez
até agora? No que, de concreto, a Frente Parlamentar atuou? Lembrem-nos,
por favor, pois, não conseguimos perceber uma forte atuação, nem resultados
concretos.
O
Estatuto da Criança e do Adolescente precisa de alguns ajustes, nada absurdo,
mas ajustes que já foram propostos e recusados, propostos e não apreciados e
ainda propostos e desconsiderados. Afinal, o que pode ser mais importante para
um país que suas crianças?
Ao
judiciário caminhamos e aplaudimos, afinal o judiciário inova na inércia e na
lacuna do legislativo no reconhecimento de direitos e novos direitos. Aplausos
ao STJ, ao STF e a vários tribunais que, em segunda instância, corrigem
injustiças; outros, contudo, cometem ou perpetuam injustiças e que, portanto,
não merecem aplausos.
O que
falta ao judiciário? Maior compreensão da causa da infância, melhor
conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Passamos, então, à base
de tudo: o estudo! O direito da infância e da juventude precisa ser matéria
obrigatória do curso de direito inclusive com um período para os aspectos
processuais. Não pode ser matéria eletiva, tem que ser obrigatória em função do
princípio da PRIORIDADE ABSOLUTA. Não se pode permitir que o direito da
infância continue a ser tratado como um direito menor, um direito “de menor”!
Passamos
para as OABs que também não dispensam o devido valor à infância eis que inúmeras
sequer trazem Comissões do Direito da Criança e do Adolescente, com algumas
exceções inclusive com a OAB/SP que tem uma Comissão de Adoção.
Faculdades
e entidades de classe precisam cuidar melhor do direito da infância.
Voltamos
ao judiciário onde percebemos a falta de conhecimento do direito da criança, do
direito ao afeto, da importância das equipes técnicas. Entendemos que a questão
é maior e envolve competência. Causas ligadas à infância só podem ser dirigidas
a magistrados da infância, saindo, portanto, da competência territorial e
partindo para a competência por área de atuação. Dessa forma magistrados de
vara única não teriam competência para tratar de guarda, adoção, destituição do
poder familiar e, inclusive, atos infracionais.
São
necessárias, ainda, câmaras especializadas em infância, que poderão,
obviamente, acumular a competência de família. Acreditamos ser impossível
analisar com critérios objetivos de consumidor à parentalidade. Trabalhar
parentalidade, filiação, socioafetividade, requer dedicação exclusiva,
conhecimentos específicos, VOCAÇÃO.
Alguns
podem pensar: propostas loucas, esdrúxulas e impraticáveis. Quem sabe? Quando o
país de todos se voltar para a sua base – a infância – com o CUIDADO necessário
nada será impossível.
Recursos
– sim, precisamos falar de recursos. Temos recursos para obras faraônicas,
temos recursos para fazer um porto estratégico em Cuba. Um pequeno parêntese:
estratégico para quem? Não vamos sair do foco. Recursos o país, os estados, os
municípios, cada uma em sua competência, obviamente têm. Então porque até hoje
as varas da infância não têm equipes técnicas em número suficiente para atender
a demanda da população? Porque adotantes passam um ano para receberem as
avaliações sociais e psicológicas? Porque um processo de habilitação fica
parado quatro ou mais meses aguardando um assistente social disponível para
realizar a visita domiciliar? Processos que envolvem crianças têm que ser
céleres! A prioridade é absoluta! A visita domiciliar – VD – tem que ser
realizada em até 90 dias do início do processo de adoção (principalmente) ou de
habilitação; os estudos psicológicos têm que ser realizados em igual prazo.
Nada superior a isso é razoável ou atende ao melhor interesse da criança.
E as
ações de destituição do poder familiar? Em algumas comarcas sequer são
propostas porque “será terrível para a criança ser filho de ninguém”. O
pensamento pode até ser poético, mas contraria a lei e o melhor interesse da
criança que se encontra alijada de sua inserção no CNA! Essa criança ou
adolescente foi ouvido? Será que prefere ter pais – que já o abandonaram – na
certidão de nascimento do que ter a possibilidade, frise-se possibilidade, de
ter pais reais? Indispensável que crianças e adolescentes tenham o direito de
se expressarem nos procedimentos a eles afetos.
Parece-nos
tudo tão simples, tão claro que se torna absurdo não vermos o cumprimento de
direitos tão básicos, tão transparentes. Descumpriu com obrigações do poder
familiar (comprovadamente com direito à ampla defesa e ao contraditório),
destituição do poder familiar; entregou um filho em adoção – entrega e não
doação, por favor – passados mais de 6 (seis) meses, a entrega não pode ser
desfeita – daí a importância na celeridade da realização dos estudos técnicos;
desapareceu e volta depois de 2 anos buscando o filho – abandonos afetivo e
material configurados, destituição do poder familiar mais que aplicável. Tudo
verificado que o melhor interessa da criança/adolescente será ou está sendo
atendido pela decisão.
Uma
pergunta simples, para provocação: um magistrado tiraria de sua família natural
uma criança amada, bem cuidada, atendida em seus direitos e no seu melhor
interesse? A resposta é NÃO, assim toda em caixa alta. Então, porque os mesmos
magistrados tiram as crianças que são amadas, bem cuidadas, atendidas em seus
direitos e nos seus melhores interesses por suas famílias substitutas? Será que
vale o experimento, a experiência onde se usará a criança como cobaia?
Estamos
tratando de crianças inseridas em família substituta por 7 meses, 1 ano, 1 ano
e meio, 2 e 3 anos e que foram arrancadas de seus únicos e verdadeiros pais ou
estão vivendo a possibilidade de serem arrancadas de seus ninhos de amor sem dó
ou piedade, mas principalmente sendo desconsideradas como sujeitos de direitos
e coisificadas pelo próprio judiciário.
Vamos
à mídia? Onde está a ética na abordagem da adoção pela mídia? Deparamo-nos com
uma sequência de loucuras nas novelas. Passamos pelas recentes personagens
Thereza Cristina, depois para Lívia Marine, Carminha, Rita, Jorginho, Barbara
Elem e agora um rapaz que renega a mãe adotiva negra em “Laços de Família” e
uma mulher que vai ficar com a filha da empregada através de uma negociação
escusa com o genitor. Tem ainda o Nilson, chamado de Marinheiro e
“informalmente” adotado no estilo “pegar para criar” em Além do Horizonte. Porque só se ensina o errado? Porque não se
mostra o correto?
Bem
não vamos esquecer o que foi feito com as crianças da Bahia que sabe Deus como
estão, pois, sumiram e delas não se tem o mínimo conhecimento. Por falar nelas,
como estão? Alguém saberia? Porque o mesmo programa não mostra as crianças
hoje, sem maquiagem, manipulação? Hoje, hoje mesmo e não daqui a uma semana lotadas
de suplementos vitamínicos, médico de pele, dentista, etc.
Não
nos cabe defender a quem quer que seja, não somos adotivistas nem biologistas,
não execramos um, não endeusamos outros, lutamos e lutaremos sempre pelo
direito que TODAS AS CRIANÇAS têm de viverem em família, seja ela natural ou
por adoção, preferencialmente que todas sejam adotivas, pois, precisamos nos
adotar mutuamente como pais, filhos, tios, avós, cônjuges, vez que a única e
verdadeira família é a que tem por base o afeto.
SILVANA DO MONTE MOREIRA
Advogada, Diretora Jurídica da ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, Presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, Membro Fundador da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB/RJ, Membro da CEJAI – Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Advogada, Diretora Jurídica da ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, Presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, Membro Fundador da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB/RJ, Membro da CEJAI – Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
2 comentários:
Silvana,
Obrigada por seu artigo. Sou mãe adotiva de dois seres maravilhosos (hoje com 13 e três anos). A adoção do meu filho mais velho foi exemplar e célere. No próximo sábado, Dia Internacional da Mulher (!!!), vão fazer 13 anos que ele chegou com 15 dias. Já a da minha pequena foi um desespero, demoras de toda ordem, eternas prorrogações, requisições sem fito nenhum (nem respeito tanto pela minha filha quanto pela mãe de barriga dela), num processo que constitui até uma falta de decoro para com o próprio poder judiciário e seu fito de prover segurança jurídica a todos - e em especial, como você bem destaca, às crianças e à possibilidade vital de pais e filhos se adotarem mutuamente.
Mais uma vez, muito grata,
Irene Portela
Parabéns pelo texto! Nós que estamos na fila de adoção somos tratados sempre como "preconceituosos", ainda que boa parte dos pretendentes não tenha como perfil o tal "bebê RN branco" que a mídia faz questão de frisar em todas as reportagens. Pq não questionam a absurda demora nos processos de destituição familiar? Pq não desmascaram esse caso de Monte Santo, que para mim não passou de uma manipulação organizada pela Globo junto com o tal juiz que só queria holofotes? Pq as novelas não tratam a adoção de forma respeitosa, em vez de sempre endeusarem os "pais verdadeiros" (que na verdade são apenas biológicos, pois os verdadeiros são aqueles que criam)?
É triste, desanima, mas ainda tenho esperança de adotar uma criança!
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